sábado, 24 de maio de 2014

Um novo modelo de financiamento?

Ao 3.º ano o Governo divulgou seis Linhas de Orientação Estratégica para o Ensino Superior. Uma delas preconizando um novo modelo de financiamento que, diz-se, poderá ser já aplicado no orçamento para 2015. Este tema tem sido objeto de anúncios regulares, mas sem tradução prática. Está em vigor uma lei, de 2003, que prevê a atribuição de financiamento através de uma fórmula, com fatores de quantidade e de qualidade. A realidade porém tem sido bem diferente: a fórmula foi substituída por simples cortes.

O Governo propõe agora um financiamento contratualizado com cada instituição, baseado nos serviços educativos prestados e em indicadores de qualidade, abrangendo o ensino, a produção e transferência de conhecimento, e a melhoria de gestão. Até aqui nada de verdadeiramente novo, pelo que a questão reside no modo e nos detalhes de concretização destas intenções.

Há, desde logo, uma questão de confiança a recuperar: os sucessivos Governos não cumpriram contratos que firmaram, como os que foram estabelecidos com as universidades fundacionais, ou, de um modo muito mais alargado, no que foi precisamente designado por Contrato de … Confiança.

Depois, é necessário conferir uma perspetiva de estabilidade de regras, tornando-as independentes da cor ou do ciclo político, do calendário governativo e mesmo de cada ministro, o que requer, à partida, um entendimento político.

Seguidamente, é fundamental que os dados a utilizar abranjam todo o sistema de ensino superior, sejam fiáveis, validados e integralmente disponibilizados a todos os parceiros, única forma de garantir rigor e transparência. Esta será uma das áreas que requer mais trabalho, em particular quando se quer medir qualidade, impacto e efeitos indirectos da atividade universitária. Por isso, será impossível dispor de uma fórmula robusta e completa para aplicação ao próximo orçamento, o qual deverá estar já a começar a ser preparado. É preferível adoptar uma meta realista -2016-, a ser alcançada sob um novo Governo, o que só reforça a necessidade de uma discussão política alargada.

Mas, para além do modelo em si, que permitirá distribuir um orçamento pelas instituições, é preciso aferir qual o montante que a sociedade está disposta a dedicar a esta setor, em particular quando é reconhecida, por todos, a necessidade de aumentar a percentagem de portugueses com formação superior.

Estamos ainda a discutir princípios demasiado genéricos. É altura de se passar à ação!

domingo, 18 de maio de 2014

Entre linhas (3)

Terceira parte sobre as linhas de orientação estratégica para o ensino superior. Segunda linha estratégica: "Reforçar a garantia de qualidade dos ciclos de estudos, aumentar o sucesso escolar e evidenciar a diversidade quanto a conteúdos e objetivos dos dois subsistemas [universitário e politécnico]", com quatro medidas.

1. Reforço da diferenciação dos ciclos de estudo dos ensinos universitário e politécnico.

Nesta matéria parece não haver ideias muito claras, ou pelo menos explicitadas. O documento refere a "diferenciação da oferta educativa" como instrumento de apoio à redução do sucesso escolar, a apresentação, pelas instituições, de "uma descrição que identifique mais claramente os objetivos de cada ciclo de estudos e a sua conformidade com o subsistema de ensino a que pertencem", o papel da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) na verificação desta correspondência e, ainda, "uma proposta de metodologia no sentido de melhorar a transparências das denominações dos ciclos de estudos."

A A3ES já acredita, atualmente, ciclos de estudo universitários e politécnicos com base em diferentes requisitos, entre outros relativos ao corpo docente. Assim, as iniciativas propostas referem-se essencialmente a aspetos formais. Pouca parra para uma questão tão sensível.

2. Promoção da avaliação dos resultados da aprendizagem.

Aqui uma novidade, a introdução, primeiro em termos experimentais, da figura do examinador externo, para "aferir o nível de aprendizagem exigido pelas instituições". Entende-se a motivação: tornar mais evidentes os níveis de conhecimento e de competências dos diplomados de diferentes ciclos de estudos e de diferentes instituições. Duvido que se atinjam os objetivos propostos, que recorrem duas vezes em três linhas à palavra "simplificado", "determinar se é possível utilizar um mecanismo simplificado que permita aferir o nível de aprendizagem exigido pelas instituições e, em última análise, verificar se por este método pode ser desenvolvido um processo simplificado de avaliação dos learning outcomes". Nem tudo é passível de simplificação. Resta ainda saber como isto se articularia com os Sistemas Internos de Garantia da Qualidade, eles próprios objeto de avaliação pela A3ES. A não prosseguir sem uma análise custo/benefício.

3. Regulamentação da avaliação e acreditação do ensino a distância.

Área que importa, sem dúvida, tornar mais transparente.

4. Promoção do acompanhamento dos estudantes do ensino superior com vista ao seu sucesso escolar.

No texto que acompanha isto concretiza-se num plano de acompanhamento pedagógico nas instituições que aderiram ao programa Retomar, sensibilização das instituições para uma seleção adequada dos candidatos ao segundo ciclo, formações de curta duração dirigidas à melhoria das práticas didáticas. E, ainda, um ajuste aos concursos especiais e regimes de transferência e mudança de curso.

É um domínio de atuação essencialmente interno, que deve ser estratégico para cada instituição de ensino superior, no âmbito da sua autonomia pedagógica. Uma atuação que, para ser bem sucedida, requer tempo de pessoas, estando na primeira linhas os próprios docentes e diretores de curso, mas que se estende a outros serviços de apoio. Tempo que é um recurso não renovável, sob constante pressão, coletiva e individual. Pressão que cresce com a escassez de recursos, a proliferação de solicitações e, eventualmente, de alunos, caso se verifique o aumento da participação no ensino superior e tenha sucesso a atração de estudantes internacionais.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Entre linhas (2)

A primeira linha estratégica do Governo é o aumento da participação no ensino superior, através de três medidas.

A primeira medida é a criação de cursos técnicos superiores profissionais, com diploma enquadrador já publicado. A futura entrada em funcionamento destes cursos será acompanhada, nas instituições de ensino superior politécnico, do desaparecimento dos cursos de especialização tecnológica. Há apenas três anos a opção preconizada era outra: "investimento do ensino politécnico nos cursos de especialização tecnológica [CET] e outras formações de curta duração" (in Programa de Governo, pg. 121). Em 2011 o politécnico devia investir nos CET; em 2014 deve abandoná-los! Este é um exemplo da constante alteração de políticas, insuficientemente fundamentadas, durante um curto ciclo governativo, não só do mesmo Governo, mas com o mesmo Ministro.

Um problema subjacente aos princípios anunciados é o excessivo foco na componente regional: "estreita ligação ao tecido empresarial regional, nomeadamente na definição dos objetivos e programas de estudo e na disponibilização de estágios de qualidade no final da formação." Naturalmente que uma forte componente de estágios requer articulação local. Mas se em demasia, e se acompanhada por outra das bandeiras dos nossos tempos, a especialização das regiões, pode confinar as perspetivas individuais a uma única região, ao que nela existe hoje e que pode não existir amanhã, sobrevalorizando o curto prazo em detrimento do médio prazo, num mundo em que as pessoas e as empresas têm grande mobilidade.

A segunda medida consiste no programa Retomar, já anunciado, mas do qual ainda não se conhecem os detalhes. Na realidade não é, como anunciado, uma medida de combate ao abandono escolar, se este for entendido como a saída do percurso escolar, mas uma medida de retoma deste percurso. Estas Novas Oportunidades no superior envolverão a definição de um plano de recuperação e a atribuição de uma bolsa de frequência. A ver.

A terceira medida é um enunciado vago "manter o esforço para a melhoria da qualificação superior da população ativa", não sendo claro, no desenvolvimento do documento se se refere, unicamente, aos apoios de ação social direta.

De fora ficam medidas dirigidas à população ativa que nunca acedeu ao ensino superior, e que portanto não será abrangida pelo programa Retomar, bem como aos respetivos empregadores.

(continua)

Entre linhas (1)

Praticamente três anos depois de o Governo entrar em funções e, portanto, a apenas um do final do mandato, eis que são apresentadas as Linhas de Orientação Estratégica para o Ensino Superior, agora em período de discussão pública. Tempo que, podendo ser estranho, não o é de facto, pois nunca se perceberam as orientações estratégicas. Tantos foram já os anúncios não concretizados: revisão do RJIES, extinção das fundações, extinção-que-não-é-extinção-mas-mudança-de-nome-mantendo-o-regime, alteração do modelo de financiamento, defesa de redução da rede de instituições, manutenção da rede de instituições e seu reforço, fusões, consórcios, associações regionais.

A introdução ignora, desde logo, o tempo e em particular os últimos três anos, proclamando a importância de "repensar o nosso sistema de ensino superior público na linha dos compromissos assumidos no Programa do XIX Governo Constitucional e nos termos do enquadramento legal, estabelecido (...)".

Introdução que realça a importância das "qualificações reais", presumo que em contraponto às quaificações imaginárias ou imaginadas, a qualificação da ciência, tecnologia e inovação como "fortes motores da prosperidade e do desenvolvimento económico", que salienta que o desenvolvimento "é um propósito estratégico de qualquer sociedade moderna e é potenciado pelo investimento no capital humano" e que pretende preservar, ou melhor "não negligenciar as culturas humanística e artística, sempre presentes numa educação integral."

O dito Programa do XIX Governo Constitucional, no que se refere ao ensino superior, apresentava os seguintes objetivos:

- A existência de um enquadramento legislativo/regulatório claro, consistente, transparente, para o Ensino Superior em Portugal;

- A manutenção do carácter binário do Ensino Superior em Portugal (universitário e politécnico);

- O reforço as políticas de regulação das instituições e cursos pela qualidade, nomeadamente através de acreditação e avaliação independentes.

As novas linhas estratégicas, após três anos de Governo, são agora:

1. Aumentar a participação no ensino superior, designadamente dos jovens que concluem as diferentes modalidades do ensino secundário, contribuindo para melhorar a sua empregabilidade.

2. Reforçar a garantia de qualidade dos ciclos de estudos, aumentar o sucesso escolar e evidenciar a diversidade quanto a conteúdos e objetivos dos dois subsistemas.

3. Consolidar a rede de instituições de ensino superior públicas como forma de as tornar mais atrativas e sustentáveis.

4. Racionalizar a oferta educativa a nível nacional e regional.

5. Criar um modelo de financiamento que potencie objetivos de gestão, considerando a procura educativa e alguns indicadores de qualidade.

6. Internacionalizar o ensino superior português.

Para além das linhas estratégicas existem, em ambos os casos, medidas, por vezes contraditórias, algumas já concluídas, vagas a maioria das vezes, justifica-se uma análise por partes.

(continua)

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Dreaming Dreams

No cabeçalho de uma página da Pohang University of Science And Technology, universidade sul-coreana fundada em 1986 (http://www.postech.ac.kr/):

"Aiming High, Dreaming Dreams and Working with Passion and Integrity".

É a Universidade com menos de 50 anos que melhor cumpre, já por três anos consecutivos, os critérios que são utilizados para o ranking do Times Higher Education.

Engranitados

Eleições passadas. Eleições que se avizinham. Debates com palavras caras, improvisos ensaiados, frases para repetir até à exaustão. Táticas e Taticismos. Ataques, defesas, distrações. Há quem diga que é política ... Mas a política, a política a sério, não é a que se faz em tempo de eleições.

Apregoa-se a importância da economia baseada no conhecimento, da inovação, do empreendedorismo. Tenta-se ajustar a realidade às ideias feitas. Debitam-se e manipulam-se estatísticas, para efeitos de curto prazo. Disfarça-se a ausência de política com a enunciação de objetivos, metas ou simples desejos:  convergir com a Europa; maximizar o aproveitamento dos fundos europeus; aumentar a produção científica.

Agora, como há doze anos menos quinze dias atrás, data de um artigo, 15 de maio de 2002:

"Não houve nenhum grande debate nacional sobre política científica, nem sobre o papel da ciência nos dominios da defesa, da energia, do desenvolvimento sustentável, da regulação ou da administração pública. Nas campanhas eleitorais, autárquicas, legislativas ou europeias, a ciência nunca surgiu como tema."

"A revista Futuribles publica no seu número de Março deste ano uma lista de doze questões maiores a colocar aos candidatos à próxima eleição para presidente da República Francesa. Doze questões que a comissão de redacção da revista considera essenciais para o futuro daquele país, um país que vive num regime quasi presidencial. Uma dessas doze questões é a de que tipo de política para a investigação científica é defendida pelo candidato, e nela perpassam os problemas que se põem a uma sociedade europeia avançada que se vê envolta nos turbilhões da globalização financeira e dos mercados: como mobilizar os recursos necessários para estimular os agentes inovadores a garantir o futuro.

"Como se mostra, o mundo dos outros (que, afinal, é o nosso) não pára. Urge, pois, atribuir à ciência o seu papel real na sociedade. Sob pena de não conseguirmos ser mais do que figurantes de uma peça escrita numa língua que não falamos. Sob pena de continuarmos amarrados, engranitados, nas soberbas dos séculos passados."

Por quanto tempo continuaremos engranitados?

Os extratos são de um artigo de João Caraça, que integra a coletânea "À Procura do Portugal Moderno", Campo das Letras, 2003.