O Expresso publicou, neste sábado, uma entrevista ao Secretário de Estado do Ensino Superior (SEES), José Ferreira Gomes, a propósito do financiamento do ensino superior público e das alterações que o Governo propõe nesta matéria. Muito haveria (haverá) a comentar sobre o significado político de algumas das afirmações, sobre a realidade dos números e a realidade percebida, sobre o papel do financiamento, sobre as medidas de reforço da "coesão territorial". A prioridade é, agora, clara: manter todas as instituições custe o que custar.
Mas fico-me apenas por um outro aspeto, que podendo parecer de mera semântica, não o é, antes me recordando versões da Newspeak de George Orwell: a linguagem manipuladora; de forma consciente e deliberada; ou de forma inconsciente, de tal forma os conceitos deformados se vão entranhado.
Veja-se esta passagem da entrevista:
"P: As [instituições] que estão mais desafogadas vão emprestar dinheiro às que têm mais dificuldades?
R: Vão dar. Não se chamava fundo de coesão, mas isso aconteceu até agora. E têm a expectativa de, uma vez corrigidos os desiquilíbrios, virem o seu esforço a ser recompensado. O crescimento de alunos que estamos a prever, por haver mais jovens a terminar o secundário e maior procura pelos novos cursos superiores profissionais que criámos, permitirá reequilibrar o sistema e corrigir gradualmente, em quatro, cinco anos, a situação das que deviam receber mais dinheiro.
P: Os reitores estão convencidos com a aplicação desse princípio de solidariedade ente instituições?
R: A solidariedade nunca é fácil. (...)"
Podíamos começar pela própria pergunta, pelas instituições "mais desafogadas", qual graduação, de mais a menos, mas em que todas estão desafogadas; talvez umas "folgadas"; nenhuma "afogada". E pelo conceito de "empréstimo". De acordo com o SEES não se trata de empréstimo mas de uma doação: "Vão dar." Ora o que se passa é que não vão dar; vão é receber menos. Quem vai retirar de um lado, não distribuindo, para dar a outro, com o objetivo de manter todas as instituições a funcionar, é o Governo, através de um mecanismo que desenhou e pretende agora ver validado; não são as instituições; não se trata de uma auto-gestão financeira da rede pública de ensino superior.
E podíamos continuar com o que, uma vez mais, o SEES coloca nas próprias instituições: a expectativa de "virem o seu esforço a ser recompensado". Não sei se as instituições têm essa expectativa, nem sobre o modo de recompensa. Cria-se assim a ideia de que há um ato de voluntarismo inicial das instituições, e uma recompensa no fim do caminho. Com um data apontada de modo vago, quatro, cinco anos, suficientemente distante para não representar um compromisso.
E, embora induzido pela pergunta, alimenta-se a conotação com um ato de solidariedade "que não é fácil", a bem do equilíbrio do todo. Uma "solidariedade" que não é de iniciativa das instituições, que talvez seja afinal recompensada, e que é difícil. Solidariedade por decreto, como já tinha sido feito com a "Contribuição Extraordinária de Solidariedade".
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