Pacheco Pereira escreveu, inúmeras vezes, sobre o uso da linguagem no discurso político como modo de induzir realidades alternativas. Eram os tempos do "ajustamento"; são sempre os tempos das "gorduras do estado"; como são, agora, o tempo de aparentes novidades. É o caso do "reforço da autonomia das instituições de ensino superior" e da "co-responsabilização".
Em entrevista hoje publicada no jornal Público, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, afirma sobre a proposta de Orçamento de Estado para 2016: "Esta lei do Orçamento do Estado reforça a autonomia das instituições de ensino superior, que é a única forma de facilitar o emprego científico e o rejuvenescimento dos quadros de docentes e investigadores. As leis dos últimos anos impediam contratações [neste sector] e a actual torna possível contratar docentes e investigadores, até a um limite máximo – esse limite é o valor mais alto gasto com pessoal num dos últimos três anos.".
É verdade que existe uma alteração: o limite de 2015 referia-se apenas ao valor gasto com pessoal no ano anterior; o limite agora proposto considera os três últimos anos o que tende a ser mais favorável. Não é, no entanto, verdade que a redação anterior impedisse a contratação. A saída, por exemplo por aposentação de um professor catedrático, a categoria de maior remuneração, permitiria, a contratação de um professor de igual categoria ou de categoria inferior. Dependendo do número e posição das saídas seria possível, inclusivamente, aumentar o número de docentes, sem aumentar os gastos com pessoal.
Mas mais grave é esta limitação proposta pelo atual Governo ser considerada como um "reforço" da autonomia, Quando muito será uma reposição, e mesmo aí apenas parcial, da autonomia que vem sendo reduzida em sucessivas leis orçamentais.
A co-responsabilização é outra pretensa novidade lançada pelo Ministro: "Outro ponto importante que a lei do Orçamento do Estado estabelece é a co-responsabilização com as instituições. Este sector é capaz de atrair receitas próprias, quer de fundos públicos competitivos quer de fundos europeus, e por isso o acreditamos que é necessária a co-responsabilização das instituições no emprego científico e na contratação de jovens.".
Quem se quiser dar ao trabalho de olhar para a Conta Geral do Estado, de 2014 (a última disponível) ou mesmo de anos anteriores, verifica facilmente que as dotações diretamente atribuídas pelo Estado (de forma não competitiva) não cobrem as despesas com o pessoal. Ou seja, a co-responsabilização das instituições, até para pagamento dos atuais trabalhadores, existe já, como o Sr. Ministro deve saber. Não é estabelecida pela lei do Orçamento. Nem está necessariamente relacionada com a contratação de jovens.
No Governo anterior o Ministro defendia uma figura de "autonomia reforçada", que nunca viu a luz dia. O Ministro do atual Governo apregoa um "reforço da autonomia" que, pelo menos até ao momento, se traduz apenas em reduzir de forma parcial os limites existentes à contratação.
Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior. Lei publicada em 2007, era então Manuel Heitor Secretário de Estado. Artigo 111.º - Autonomia financeira. N.º 1. "As instituições de ensino superior públicas gozam
de autonomia financeira, nos termos da lei e dos seus estatutos,
gerindo livremente os seus recursos financeiros
conforme critérios por si estabelecidos, incluindo as verbas
anuais que lhes são atribuídas no Orçamento do Estado."
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário