"Pessoas especializadas, instituições especializadas, cidades especializadas, regiões especializadas, talvez países especializados. A especialização é um dos chavões de hoje, associado à ideia de competitividade, de sucesso e de excelência. Mais uma via de sentido único. Um chavão que tende a ser aplicado a tudo, como caminho indiscutível de verdade."
Assim começava, em 2014, um texto publicado neste blog (1), de que me recordei ao ler uma entrevista publicada no Sol (2) com a "especialista em financiamento Luísa Cerdeira". Porque prefiro factos e argumentos à reputação de quem fala; porque valorizo mais a substância do que a forma; porque circula e é repetida muita opinião, sem base que a sustente ou, até, com abundante base que a desmente. Por tudo isto, vamos ao que é dito na entrevista. Ao que é dito de errado.
"O congelamento das propinas vai-se retratar numa redução significativa das receitas das universidades e dos politécnicos."
Congelar propinas não reduz receitas. O que faz é não as aumentar. Consta isto de aritmética elementar. E isso é o que várias instituições já fazem, há vários anos, por opção própria no exercício da autonomia que tantas vezes reclamam. É o caso da segunda maior universidade, a U. Porto, que mantém o valor das propinas de 1.º ciclo e mestrado integrado em 999 euros, ou seja, bem abaixo do valor máximo que poderiam cobrar.
"O congelamento das propinas só poderia acontecer se fosse aumentada a dotação transferida pelo Estado."
Tal afirmação parte do princípio que as instituições pretendem aumentar as propinas e que, portanto, devem ser ressarcidas se não o puderem fazer. Como vimos, não é essa a opção de todas as instituições. Nem sequer sei se será o da Universidade de Lisboa; a não ser que ela pretenda aproximar-se de propinas à inglesa para mestrados e doutoramentos.
Por outro lado, a atualização do valor máximo das propinas para 1.º ciclo e mestrado integrado está indexada à variação do Índice de Preços no Consumidor. Se esta fosse de 2%, por exemplo, estaríamos a falar de cerca de 20 euros por estudante.
"De uma maneira geral, o que acontece em Portugal é o que acontece nos outros países da Europa. Não estarem determinadas as propinas de 2º e 3º ciclo dá uma certa margem de manobra às instituições. Os valores acabam por estar nivelados em todas as instituições com as bolsas da Fundação para a Ciência e Tecnologia"
Há matérias em que há profundas diferenças entre os países da Europa, e uma delas é o valor das propinas: desde propinas zero (como na Alemanha), a valores simbólicos, e a montantes vão até 9.000£. E afinal, se os valores são nivelados pelas bolsas da FCT (o que é verdade para muitos cursos de 3.º ciclo) então não haverá aqui problema com o congelamento das ditas propinas.
"A lei como está é equilibrada. Devia, sim, fazer-se uma revisão profunda das regras das bolsas de estudo e apoiar mais quem mais precisa em vez de congelar propinas."
A lei até pode estar equilibrada, mas não é cumprida. Não é cumprida quanto ao financiamento das instituições através de uma fórmula; uma fórmula publicada, em nome da transparência, que deve ter em conta fatores de qualidade. A última foi publicada em 2006. Isso mesmo, há dez anos. Depois foi sendo alterada em folhas de cálculo sucessivas. E depois ... desapareceu. A ser agora reaplicada implicaria profundas alterações e traria à luz situações provavelmente insustentáveis para algumas instituições. E então o Governo não aplica a Lei, a Assembleia da República não a altera, as Instituições não a reclamam.
"Quando comparamos o custo anual total dos estudantes (custo de educação e custo de vida) com o valor da mediana do rendimento em Portugal, vê-se que esses custos assumem cerca de 65 % do valor da mediana do rendimento anual. Enquanto que esse valor no Reino Unido é de 62% e na Alemanha ronda os 28%. Ou seja, para uma família portuguesa é muito mais difícil do que para uma família alemã suportar os custos de um filho a estudar no ensino superior."
Sim. Os alemães ganham bem mais. E também não têm que suportar propinas. As tais que não se quer congeladas em Portugal, para poderem assim, talvez, continuar a aumentar.
(1) http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2014/01/o-mito-da-especializacao.html
(2) http://sol.sapo.pt/artigo/525114/congelamento-das-propinas-causaria-danos-ao-ensino-superior
quinta-feira, 29 de setembro de 2016
terça-feira, 13 de setembro de 2016
Arma de arremesso
O Ensino Superior é a nova arma de arremesso no arsenal político, da esquerda à direita.
O Primeiro-Ministro, António Costa, aponta os resultados do concurso nacional de acesso ao ensino superior, em que se verificaram este ano mais candidatos e mais colocados, como exemplo da "morte do modelo de desenvolvimento da direita". Sim, houve mais candidatos em 2016. Sim, houve mais colocados em 2016. Mas o crescimento já se verificou quer em 2014 e em 2015. E, nestes três anos, aquele em que se verificou o maior aumento foi mesmo em 2015, sob um "governo de direita" em plena fase pré-eleitoral. Só faltou dizer que os candidatos anteciparam os resultados eleitorais, a solução governativa desenhada posteriormente e o novo modelo de desenvolvimento.
Mas também a líder do CDS-PP, Assunção Cristas, reclama 50 milhões para as universidades e politécnicos, para fazer face à redução do horário de trabalho de 40 para 35 horas. Como diz!? Talvez se tenha enganado e se quisesse referir, não ao efeito da redução do horário de trabalho nas despesas com pessoal, que só aconteceria por via de novas contratações, mas ao efeito da reposição dos cortes salariais, com o correspondente aumento de encargos face ao ano anterior. A reposição daqueles cortes que, à data do Governo que integrou, eram temporários, pelo menos para Tribunal Constitucional ver.
Mais do que desconhecimento, estas afirmações revelam a pouca consideração que o Ensino Superior merece. Porque todos sabemos que, na batalha, ninguém quer saber o que acontece à pedra que se arremessa; apenas interessa saber se atingiu o alvo.
O Primeiro-Ministro, António Costa, aponta os resultados do concurso nacional de acesso ao ensino superior, em que se verificaram este ano mais candidatos e mais colocados, como exemplo da "morte do modelo de desenvolvimento da direita". Sim, houve mais candidatos em 2016. Sim, houve mais colocados em 2016. Mas o crescimento já se verificou quer em 2014 e em 2015. E, nestes três anos, aquele em que se verificou o maior aumento foi mesmo em 2015, sob um "governo de direita" em plena fase pré-eleitoral. Só faltou dizer que os candidatos anteciparam os resultados eleitorais, a solução governativa desenhada posteriormente e o novo modelo de desenvolvimento.
Mas também a líder do CDS-PP, Assunção Cristas, reclama 50 milhões para as universidades e politécnicos, para fazer face à redução do horário de trabalho de 40 para 35 horas. Como diz!? Talvez se tenha enganado e se quisesse referir, não ao efeito da redução do horário de trabalho nas despesas com pessoal, que só aconteceria por via de novas contratações, mas ao efeito da reposição dos cortes salariais, com o correspondente aumento de encargos face ao ano anterior. A reposição daqueles cortes que, à data do Governo que integrou, eram temporários, pelo menos para Tribunal Constitucional ver.
Mais do que desconhecimento, estas afirmações revelam a pouca consideração que o Ensino Superior merece. Porque todos sabemos que, na batalha, ninguém quer saber o que acontece à pedra que se arremessa; apenas interessa saber se atingiu o alvo.
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