quinta-feira, 3 de outubro de 2019
A fixação digital do PS
Não sei porque ainda folheio programas eleitorais. Principalmente em áreas em que conheço alguma coisa. Até porque, de facto, não decidem nada. Talvez seja curiosidade mórbida. Talvez um efeito genético, ou de comportamento adquirido ao longo dos tempos, de ROT (Revisor Oficial de Textos)- Na melhor das hipóteses por esperança de que, pelo menos no papel, apresentem uma visão coerente, praticável, até mesmo desejável. Mas depois ... Depois há sempre coisas que saltam à vista; frases que se estranham; erros que se detetam. De forma, claro. Mas também de substância. Não seria possível fazer melhor?
Espreitei o programa eleitoral do PS.
Por outros defeitos, procurei a Investigação, mais propriamente a que se diz científica, para distinguir da criminal e outras.
Primeira surpresa. Para além de umas componentes em diversas áreas temáticas, a investigação, as políticas de investigação propriamente ditas encontram-se na secção com a numeração II.IV.3.1.1, numa combinação numérica romano-árabe, que se intitula Fazer mais investigação, desenvolvimento & [assim mesmo] inovação. Esta é a secção única do ponto II.IV3.1., designado Reforçar o compromisso com a ciência e a inovação, que por sua vez integra o ponto II.IV.3. intitulado Competências digitais (ciência, educação e formação).
Isso mesmo. A ciência, a par com a educação e vários aspetos de política de ensino superior e ensino ao longo da vida, não estão sumidos no programa, mas subsumidos às Competências Digitais. Aliás, a expressão Digital aparece 100 vezes, número redondo, no programa, subindo para 156 se considerarmos as palavras que começam por Digit.
A ciência e o conhecimento, presume-se de todas as áreas, da medicina à filosofia, dentro do grande guarda-chuva digital. Hierarquias programáticas.
O primeiro ponto programático parece importante: aumentar progressivamente o investimento em ciência até atingir 3% do PIB em 2030. Salvo que não há nenhum dedo indicador a assinalar o caminho para lá chegar, nada é dito sobre a repartição entre esforço público e privado, nada sequer sobre o compromisso para 2023, afinal a meta para esta legislatura, que também devia ser para este programa. 2030 fica longe, são quase 3 legislaturas completas.
Depois, temos um conjunto extenso de medidas, que parecem elementares, simples de executar, mas que continuam, sem dúvida, a tardar
Aqui ficam algumas, sem apreciação sobre a forma das ditas: abertura anual, regular e na mesma altura do ano, seguida de resolução e divulgação dos resultados, de concursos para projetos de investigação e atribuição de bolsas de doutoramento; calendarização, com pelo menos 1 ano de antecedência, das datas relevantes de todos procedimentos concursais, desde a data de abertura dos concursos à publicação dos resultados; previsão de prazos máximos de até 9 meses para publicação dos resultados definitivos de cada concurso.; simplificação de formulários de candidaturas; redução da documentação a submeter; flexibilização das regras relativas a transição de verbas entre rubricas; simplificação dos formulários de pedidos de pagamento.
Haja vontade e capacidade. E pessoas para o cumprir. Se o futuro ministro, que talvez não seja o atual ministro, continuar apenas a dizer que a equipa da administração central faz o que é possível, e que é, quando comparada com outros países, a estrutura de apoio mais leve, não iremos lá, certamente.
Depois há a questão das carreiras. Garantir o reforço das carreiras de investigação para níveis adequados à dimensão de cada instituição, bem como rejuvenescer as carreiras docentes do ensino universitário e politécnico, designadamente com recurso a investigadores que tenham tido contratos de emprego científico.
Aqui, salvo melhor opinião, como se costuma dizer, parece faltar uma visão clara do que se pretende, misturando-se carreiras, rejuvenescimento docente e reforço adequado "à dimensão de cada instituição". Que se joga tudo num quadro mais amplo: de financiamento de instituições, de autonomia, de eventual-possível-desejada diversidade de projeto institucional (seja lá o que isso vier a ser). Do lado das instituições do ensino superior, em que a verba proveniente do Orçamento de Estado não chega para pagar os atuais salários, isso será visto como: sim, claro, desde que seja acompanhado do correspondente dinheiro; e ainda, provavelmente, como alguns dirigentes têm afirmado: primeiro será para reforçar o corpo docente.
Sobre o Ensino Superior haveria muito a dizer. Mas isso seria outro capítulo.
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