Nota prévia: sou um não-não (não docente e não investigador, na terminologia do RJIES) numa universidade, pelas minhas contas já lidei com oito mandatos reitorais, e acompanhei de perto a discussão, aprovação e implementação do atual Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES).
A pergunta do título tem, na realidade, duas respostas: a formal e a de facto.
Na forma, o Reitor é eleito por um Conselho Geral, um órgão com não mais de 35 membros, dos quais mais de metade dos são professores e investigadores eleitos, pelo menos 15% são estudantes eleitos e pelo menos 30% são personalidades externas cooptadas pelos eleitos. Pode ainda incluir representantes eleitos pelos não-não, o que tendo em conta a dimensão e percentagens referidas, se traduz normalmente numa única pessoa.
No entanto, a resposta formal não traduz a realidade mais profunda, aquela que revela que o Reitor é eleito, em muitos casos, por si próprio! Sim, porque começa por ser candidato a candidato a Reitor. E é nesse período que promove a constituição de listas para o Conselho Geral e se aproxima dos estudantes ou dos seus representantes, com o intuito de garantir não só uma participação efetiva no processo de cooptação, como o objetivo final de assegurar a maioria dos votos de que necessitará.
A constituição do Conselho Geral assume, assim, um papel de primárias. E esta realidade ganha contornos mais nítidos, e agrestes, quando existe uma bipolarização, que pela sua natureza dispensa geometrias mais flexíveis e acentua uma lógica de “uns” e “outros”.
Não se trata de meras conjeturas de observador, mas antes processos assumidos por muitos dos intervenientes, desde os próprios candidatos a membros dos Conselhos Gerais e academias, e devidamente documentados. Veja-se o extrato de uma entrevista da então Reitora da Universidade de Évora, Ana Freitas (AF) ao Diário de Notícias (DN):
DN - O que é que mudou da primeira candidatura para a segunda. Aprendeu a fazer lóbi?AF - Não. Nós somos eleitos pelo Conselho Geral, que tem 25 pessoas. E fiz uma lista para o Conselho Geral, coisa que não tinha feito da primeira vez. Apresentei o programa, discuti-o e arranjei apoiantes, o que não tinha feito, achava conscientemente que bastava apresentar um programa e que as pessoas o iam ler, que votavam no que achavam melhor.DN - Tem de se mexer uns cordelinhos para garantir a votação.AF - Sim. E duvido de que as pessoas, tanto a nível nacional como internacional, leiam os programas de governo e os programas dos partidos antes de votar. Na universidade é um bocado a mesma coisa.
Este é um dos extratos e reflexões que deram origem a um outro texto deste blog, em 2017, intitulado "O ovo, a galinha, a omelete e o empadão”.
Este é um dos retratos possíveis de uma instrumentalização que enfraquece sobremaneira o Conselho Geral e a sua credibilidade, reduzindo-o a uma certa relevância formal e irrelevância institucional. Um aspeto tanto mais grave quanto uma das suas funções é, justamente, apreciar os atos do Reitor.
O confinamento da eleição do Reitor a um grupo tão reduzido de pessoas, por oposição às anteriores Assembleias de composição muito alargada, suscitou, desde sempre, críticas de opacidade e de falta de democraticidade. Ora o RJIES está, finalmente, em processo de revisão, e uma das alterações propostas pelo Governo, como seria previsível, incide precisamente sobre o processo de eleição do Reitor.
Quem elegerá, então, o Reitor?
Uma pergunta que fica para o próximo texto.
Sem comentários:
Enviar um comentário