O que surgiu primeiro: o ovo ou a galinha?
Não sei e até costumo dizer que foi o Coelho da Páscoa que trouxe os ovos!
Mas sei que não se fazem omeletes sem partir ovos.
E que, se os ovos surgiram primeiro, é possível fazer omeletes sem haver galinhas.
Já para o empadão são precisos ovos e galinhas.
Questões de origem, de evolução e de cozinhados, de primeira ou de segunda ordem.
Quem escolhe quem?
O Conselho Geral escolhe o Reitor ou o(s) candidato(s) a Reitor escolhe(m) o Conselho Geral?
Quais as consequências para a governação das universidades?
E para o desempenho e saúde das instituições?
Em 2017 assinala-se uma década deste novo modelo de governo, que impôs órgãos mais pequenos e processos de escolha diferentes. Tempo suficiente para que surjam estudos, reflexões e opinião publicada sobre o mesmo. Incluindo a dos próprios atores. É o caso da Reitora da Universidade de Évora, Ana Freitas (AF), em discurso direto ao Diário de Notícias (DN):
DN - O que é que mudou da primeira candidatura para a segunda. Aprendeu a fazer lóbi?
AF - Não. Nós somos eleitos pelo Conselho Geral, que tem 25 pessoas. E fiz uma lista para o Conselho Geral, coisa que não tinha feito da primeira vez. Apresentei o programa, discuti-o e arranjei apoiantes, o que não tinha feito, achava conscientemente que bastava apresentar um programa e que as pessoas o iam ler, que votavam no que achavam melhor.
DN - Tem de se mexer uns cordelinhos para garantir a votação.
AF - Sim. E duvido de que as pessoas, tanto a nível nacional como internacional, leiam os programas de governo e os programas dos partidos antes de votar. Na universidade é um bocado a mesma coisa.
Frontal. Cristalino. Revelador. Perturbador. Preocupante.
É preocupante porque uma das competências do Conselho Geral é apreciar os atos do Reitor, o que requer, desde logo, independência e não dependência.
É perturbador porque as ditas listas de docentes e investigadores não assumem ao que vão: eleger um determinado Reitor. Não me recordo de ver expresso em nenhum programa eleitoral, nos casos em que tal é exigido, a afirmação, à cabeça, de que a principal linha programática é a eleição de fulano ou de sicrano. Ainda que tal seja um segredo de polichinelo, conhecido de toda a academia mas silenciado, numa encenação fútil. Ainda que tal inviabilize, de todo, a possibilidade de eleição de um Reitor interno que não tenha disputado estas verdadeiras primárias, ou a escolha de um Reitor externo. Reduzindo a escolha. Escolhendo apenas de entre aqueles que dedicaram muito do seu tempo a preparar caminho.
É perturbador porque esta perversão contamina também, por vezes, as listas de estudantes e de não docentes e não investigadores. Porque estes podem ser determinantes para o resultado final. E assim se geram teias de cumplicidades e de jogos de poder, contas de deve e de haver que perduram no tempo. Na sombra. Não declaradas.
É revelador da prioridade dada à escolha de uma presonalidade, ao alinhamento prévio de uns e de outros, à contagem de espingardas. A reflexão e discussão de projetos fica para segundo plano. E se bem que não haja projetos sem pessoas, não parece suficiente discutir só pessoas. Discutir pessoas não é, sequer, a expressão certa, porque também não se assiste a um debate sobre as virtudes e defeitos dos candidatos. Trata-se apenas de tomar partido. Ser a favor ou contra.
É revelador dos princípios por que muitos se regem, colaborando ativamente neste processo, ou pactuando passivamente com o teatro do absurdo. Dirão que são estas as regras e que há que jogar o jogo. Mas "fair play", e "fair" é a palavra importante, é o que fica para além das regras, é a atitude para além do que está escrito, é querer fazer melhor, ser mais digno, ser mais inspirador, estar mais ao serviço de.
É cristalino pelo modo de atuar, pelo exemplo que dá, pela cultura institucional que promove, pelo que perpetua. Pela relação entre fins e meios. E para onde são remetidos os princípios.
É frontal porque assume uma visão. Não julgo que seja a única. Não sei se é a maioritária. Se for não haverá muito a fazer. As academias estarão satisfeitas. Tenho dúvidas que assim seja. Mas só se saberá o verdadeiro estado, que até pode ser diferente em diferentes instituições, se cada um for frontal.
O exemplo referido está longe de ser um caso isolado, como atesta um estudo realizado por Oliveira et al. (2014):
"(...) os testemunhos de vários conselheiros internos confirmam a preocupação crescente, na passagem do primeiro para o segundo ciclo de existência dos conselhos gerais, dos futuros candidatos a reitor terem um especial cuidado na formação de listas."
"(...) aqueles que são eleitos para o conselho geral para votarem num certo candidato estão condicionados nessa prática de fiscalização."
"Também os professores que integraram a lista candidata do reitor ao conselho geral (entretanto eleito reitor) não se conseguem dissociar dessa “lista” e manifestam uma completa falta de sentido crítico face às propostas apresentadas pelo reitor, que invariavelmente, e em uníssono, aplaudem."
As duas últimas afirmações foram proferidas por membros de Conselhos Gerais.
Provavelmente é tempo de repensar a articulação ente órgãos, as responsabilidades e os processos de escolha. Um processo normal sobre uma Lei que vai fazer 10 anos. Analisar, discutir, aperfeiçoar. Um processo que as próprias Universidades poderiam, e deveriam, incentivar.
Até lá não vale a pena reclamarem o papel de reserva moral e crítica da sociedade.
Pelo menos enquanto não forem mais críticas de si mesmas.
Por docentes, investigadores, estudantes e não docentes e não investigadores.
Nos sítios próprios.
Que não são os corredores, os bares ou as reuniões de amigos.
De modo próprio.
Com argumentos, opiniões, de viva voz e sem receio.
Nos momentos próprios.
Que são todos e não apenas em eleições.
Fontes citadas:
http://www.dn.pt/portugal/entrevista/interior/o-nosso-problema-nao-e-que-os-nossos-jovens-saiam-e-que-nao-venham-outros-5360921.html
A.C. Oliveira, P. Peixoto e S. Silva (2014), "O Papel dos Conselhos Gerais no Governo das Universidades Públicas Portuguesas - A Lei e a Prática", NEDAL – Núcleo de Estudos de Direito das Autarquias Locais e IUC – Imprensa da Universidade de Coimbra.
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