Ensino Superior. Autonomia. Discursos e Realidade. Incoerências e Contradições.
Na linguagem do politicamente correto, ou da manipulação da realidade a la 1984, de George Orwell, onde as palavras ditam o que existe, e a sua ausência o que deixa de existir, apela-se ao "reforço da autonomia", à criação de "regimes de autonomia reforçada", ao "aprofundamento da autonomia institucional" e similares. Não se diz "recuperar a autonomia" porque ninguém quer admitir que ela, em parte, se perdeu. Não se diz "exercer a autonomia consagrada", porque tal implica admitir que ela ou não é exercida pelas instituições, ou que esse pleno exercício é impedido pelos Governos, ou uma mistura tática (com que fim?) de ambas as situações.
Afirmou o Conselho Nacional de Educação, em 2012: "Neste contexto, o verdadeiro reforço da autonomia financeira das IES [instituições de ensino superior] passa pelo cumprimento das normas inscritas no RJIES [regime jurídico das instituições de ensino superior]. Consta da Recomendação n.º 4/2012, sobre Autonomia Institucional do Ensino Superior que relembra, na secção sobre autonomia financeira:
"O RJIES, no seu artigo 111.º, dispõe que as IES “gerem livremente os seus recursos financeiros conforme critérios por si estabelecidos, incluindo as verbas anuais que lhes são atribuídas no Orçamento de Estado”, para o que elaboram e executam os seus orçamentos, liquidam e cobram as receitas próprias, autorizam e efetuam pagamentos, realizam alterações orçamentais que não sejam da competência da Assembleia da República. A autonomia das IES assenta, assim, numa autonomia de gestão, da qual a autonomia financeira é uma parte, a par da administrativa e patrimonial, mas, como é óbvio, essa autonomia implica uma responsabilidade acrescida na prestação de contas por parte das instituições, cujo desempenho se encontra sujeito a maior escrutínio.
Porém, as dificuldades orçamentais com que o país se debate têm impedido o cumprimento do reforço de financiamento previsto, sendo as IES confrontadas anualmente com muitas limitações e restrições à gestão, enquadradas nos diplomas orçamentais do Estado, designadamente, cativações das dotações orçamentais inscritas, provenientes quer do OE, quer das receitas próprias arrecadadas pelas instituições. Acrescem os impedimentos existentes sobre a possibilidade das instituições procederem a alterações orçamentais ou relativas à transcrição de saldos de gerências anteriores, sujeitas a autorização das tutelas. A sujeição das instituições ao Sistema Nacional de Compras, que retira toda e qualquer autonomia às IES para adquirir o que quer que seja e que frequentemente se traduz num aumento de custos das aquisições face aos preços praticados através de procedimentos anteriores, bem como a aplicação da “Lei dos Compromissos” (Lei n.º 8/2012, de 21 de Fevereiro), configuram -se como normativos que afetam diretamente a liberdade gestionária das instituições.
De facto, quando se incentivam as IES a implementarem um conjunto de atividades tendentes à concretização de fontes alternativas ao financiamento público e, logo de seguida, se condiciona a utilização das receitas próprias através de uma panóplia de medidas restritivas da sua livre gestão, a reação das instituições será a de retração e desconfiança perante as tutelas."
Passaram quatro anos. Continua a ser necessário recuperar autonomia. A autonomia que todos apregoam, num consenso raro. Mas que logo se esbate quando é preciso passar à prática, assumindo o significado e consequências de um estatuto de autonomia.
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