quarta-feira, 29 de março de 2017

Antecipar











"Não haverá nenhum futuro melhor se não formos capazes de construir uma imagem dele. Quando se está interessado em modificações reais, o primeiro passo é uma boa análise do próprio presente que dê a possibilidade de se fazer uma ideia dos futuros possíveis com base naquilo que se acha desejável. E não se trata só de acertar na observação de um meio ao qual fosse simplesmente preciso adaptar-se. Há que explorar também todas as possibilidades de antecipação e configuração. (...) As atuais evidências colectivas falam da lógica da concorrência, da dinâmica do mercado e da contingência da evolução. Mas este mundo aparentemente desregulado exige planificação e antecipação numa medida até agora desconhecida."

Analisar o presente. Parece simples, mas não é. Dá trabalho. Requer estudo. Distinguir dados de perceções. Confrontar dados e perceções. Dados e dados. Perceções e perceções. Distinguir o que tem suporte do que não tem. Porque nem todas as opiniões são iguais. Intuições. Palpites. Conceitos e preconceitos. Visões parcelares.  Truncadas. É preciso consolidar pontos de vista. Definir o ponto de partida. Ou os pontos de partida, porque o presente pode não se reduzir a um único ponto. É logo aqui que muito falha. Porque o trabalho de base é insuficiente ou  deficiente. Porque se evita a confrontação. Porque se escolha a areia para construir o castelo.

Depois imaginar. Imaginar futuros. Possíveis. Plausíveis. E escolher. Escolher futuros desejáveis. Que se querem construir. E traçar caminhos. Há muitos imponderáveis. Muitas opções, talvez demasiadas, angustiando. Muitas forças. Umas com mais poder do que outras. Para determinar futuros. Para destruir futuros. Parar rasgar caminhos. Achar que o caminho já está traçado é decidir viver num futuro imaginado por outros.

"Não havendo antecipação, a acção política reduz-se a gerir as urgências, quando já não há margem de manobra. Como dizia Talleyrand, "quando é urgente, já é demasiado tarde". A política entregou-se aos muddling through, no qual mandam os prazos curtos e as soluções provisórias substituem os grandes projectos de configuração, de maneira que os mesmos problemas reaparecem sucessivamente na agenda política. A política perde deste modo a sua função de agente configurador e adopta o estatuto de jogador reactivo ou de reparador de avarias."

Gerir urgências. Soluções provisórias. Problemas que reaparecem. Reagir, sempre. Projetar, raramente. Reparador de avarias. Tudo isto é demasiado familiar para demasiadas pessoas em demasiados lugares.

Diz-se que a política é para as pessoas. Que se faz com as pessoas. Com o contributo de cada um. Realçando a importância do conhecimento na decisão. Tudo muito politicamente correto. Tudo muito pouco praticado. Encontram-se sempre formas criativas de limitar a participação das pessoas e o uso dos saberes; a inevitabilidade, a urgência, a falta de tempo, o abuso do diagnóstico, as incertezas do conhecimento, o poder do indivíduo ou dos grupos. E assim as pessoas existem no espaço do elogio retórico, sem tradução nos atos.

Por isso é necessária uma evasão maciça. Uma verdadeira libertação das pessoas. Das palavras de conveniência para as ações. Mobilizar pessoas. Mobilizar capacidades. Mobilizar imaginações. Para melhor antecipar. Sim, dá trabalho se for para levar a sério.

Com excertos da obra de Daniel Innerarity (2011), O futuro e os seus inimigos - Uma defesa da esperança política, Teorema.

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