quarta-feira, 1 de março de 2017

Plan(e)ando












À vol d'oiseau.

Planando sobre Planos.

A paisagem


Uma agenda política: a contratação de doutorados é a prioridade número um do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES). Contratos de trabalho para quem trabalha em investigação. Bolsas para quem está em formação. Eliminar a vida de eterno bolseiro. Mudar as relações de trabalho na ciência e tecnologia.  Passar a mensagem, também para as empresas, que é normal contratar doutorados, que faz sentido contratar doutorados, que é preciso contratar doutorados.

Um instrumento legal, em vigor desde 1 de setembro. Com uma medida transitória para transformar a relação entre instituições e os atuais bolseiros de longo curso. Que impõe a abertura de concursos, até agosto de 2017, o ano de maior impacto. Abrangendo aqueles com, pelo menos, três anos de bolsa, Em alguns casos com muitos mais. São cerca de 1000 situações com potencial apoio financeiro da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Aos quais se juntam muitas outros, a suportar diretamente pelas instituições, maioritariamente Universidades e grandes centros de investigação. É seguramente uma, senão "a", peça legal com maior relevância sobre pessoas, e com o que isso implica em termos de orçamentação, prioridades, alterações, adaptações. Esclarecimento de dúvidas, das muitas dúvidas surgidas, foram sendo prestados ao longo de setembro e outubro; outros documentos de apoio foram divulgados já quase no final de 2016.

O sobrevoo

Um ... dois ... três ... quatro.  Quatro Planos de Atividade para 2017, publicamente acessíveis. De Universidades públicas. A Norte e a Sul. No Interior e no Litoral. Antigas e recentes. Maiores e mais pequenas. Fundações e não-Fundações. Nos rankings ou à margem deles. Não cobre tudo, mas é uma boa amostra. Para detetar diferenças ou identificar semelhanças. Aprovados em novembro ou dezembro de 2016, todos abordam a componente investigação. Mas nenhum refere o Decreto-Lei em questão. Nenhum refere a contratação de investigadores neste âmbito. Nenhum refere ações tendentes a substituir bolsas por contratos. Apesar das referências a outras iniciativas de contratação de investigadores, de muito menor dimensão.

De volta ao solo

Planos elaborados com o Decreto-Lei em vigor. Planos elaborados poucos meses depois das universidades públicas se comprometem a "Aumentar o emprego científico e reduzir ou eliminar o recurso a bolsas de pós-graduação após três anos de trabalho pós-doutoral", como consta do contrato que celebraram com o Governo. Planos elaborados enquanto o MCTES realizava um périplo por diversas instituições, apresentando e explicando a sua política e os instrumentos, incluindo o compromisso de corresponsabilização das universidades, bem como o reforço orçamental efetuado, que lhes permitirá contratar mais. Planos elaborados quando não eram ainda conhecidas as propostas de alteração que viriam a ser apresentadas já em 2017, no âmbito da apreciação parlamentar do referido Decreto.

Estranha omissão, que deixa um vazio. Que política para esta área e estas pessoas? Que ações serão tomadas? Que responsabilidades? Como será cumprido o compromisso assumido e a lei em vigor? Que desvios implicarão estas necessidades? Uma ausência que não pode ser explicada pelas incertezas do processo. Porque incertezas estão também presentes noutras componentes dos Planos. Ou não fossem estes isso mesmo, Planos, de Futuro; e não certezas do Passado que já foi; nem ações do Presente que apenas brevemente o é. "De qualquer modo não se trata de predizer o futuro, coisa cada vez mais difícil, se é que alguma vez essa pretensão já teve sentido; o que nos é exigido é transformá-lo em categoria reflexiva, incluí-lo, com toda a sua carga de incerteza e contingência, nos nossos horizontes de pensamento e acção.", escreve Daniel Innerarity em "O futuro e os seus inimigos - uma defesa da esperança política" (Teorema, 2011).

O planeamento e a prestação de contas vão ficando refém de tabelas, indicadores, métricas, rácios, tendências. Por vezes com supreendente detalhe, em aspetos que poderiam, deveriam?, ser marginais. Por vezes, como é o caso, com surpreendentes omissões. Dilui-se o ambiente externo, e a incerteza que lhe está associada, numa ilusão de conforto e previsibilidade. Reduz-se a prosa na proporção em que se aumenta a estatística. Apesar de os números não serem garante de rigor, de comunicação eficiente e, menos ainda, de mobilização interna. Efeitos da chamada Nova Gestão Pública, e do primado da quantificação, que se quer acertada.

Menos frequente é os planos, mesmo os ditos de Ação ou de Atividade, serem claros quanto aos responsáveis por liderar os processos, por mobilizar as comunidades, por atingir os resultados; e, sendo consequentes, conduzirem a consequências. O que contrasta com as novas estruturas de governo e gestão, de responsabilidade mais individualizadas, por contraponto à colegialidade do passado.

Os planos institucionais têm de ser feitos; mas são lidos por poucos; analisados por menos ainda; e desacompanhados ao longo da sua vida e morte, tantas vezes pelos próprios criadores. E, apesar de tudo, no final de cada ciclo, outro começa. Repete-se o que é suposto ser repetido.

Planando

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