segunda-feira, 20 de março de 2017

Uns e os Outros

Do tempo que já passou.
01 de setembro: entrada em vigor do Decreto-Lei 57/2016, que aprova um regime de contratação de doutorados destinado a estimular o emprego científico e tecnológico em todas as áreas do conhecimento.
07 de outubro: pedido de apreciação parlamentar apresentado pelo Partido Comunista Português.
18 de janeiro: submissão de propostas de alteração ao referido decreto.
20 de fevereiro: limite para envio, à Comissão de Educação e Ciência, de contributos sobre as propostas de alteração.
19 de março: quase sete meses depois.
Tempo demais.

Presente.
Hoje, dia 20 de março de 2017.

Futuro incerto.
Alteração ao Decreto-Lei: data desconhecida, alterações desconhecidas.

Futuro mais do que provável.
Prolongamento do período do regime transitório, pelo menos até ao final de 2017, ou até para além dele, passando as consequências orçamentais, para 2018 e anos seguintes.

Uns e os outros.

Reitores e Governo.

"Não há sintonia entre os reitores e o ministro do Ensino Superior quanto às novas regras de emprego científico: Manuel Heitor considera que as instituições têm condições para lançar concursos; os reitores alertam que os novos contratos são 70% mais caros do que as bolsas de pós-doutoramento e que há regras do diploma. ainda em apreciação parlamentar, que têm de ser esclarecidas." [1]

Separados por ovos, para fazer omeletes.

"Os novos contratos de trabalho dos investigadores são, pelo menos, 70% mais caros do que os anteriores contratos de bolsa, e o Governo ainda não apresentou uma explicação clara para a origem dos fundos adicionais que são precisos para isso. Para encargos novos é preciso dinheiro novo (...)." [2]

Uns, docentes, num mundo de certezas.

"Em novembro passado anunciei que tinha sido possível disponibilizar 3 milhões de euros para novos concursos de professores, distribuídos pelas diversas faculdades em função das aposentações previsíveis em cada uma delas nos próximos dois anos. Serão quase cem lugares colocados a concurso (...)." [2]

Outros, investigadores, num mundo de incertezas.

"Pagar a alguém por verbas de um projeto enquanto esse projeto dura é muito diferente de pagar a alguém até à aposentação, haja ou não projetos." [2]

Apesar de ...

"Saúdo a vontade política do Governo de criar condições para que o uso quase indiscriminado de bolsas de pós-doutoramento dê lugar a contratos de trabalho, com todas as garantias sociais que lhe estão associadas. É um bom desenvolvimento, que permite baixar de forma substancial o nível de precariedade de muitos dos obreiros do progresso da ciência em Portugal nos últimos anos." [2]

Apesar do uso quase indiscriminado da figura do bolseiro, que parece agora alheio a todos os atores, uma obra da providência, da inevitabilidade, do que foi preciso fazer.

Umas, Universidades.

"Esta é a razão essencial pela qual ainda nenhuma universidade abriu qualquer concurso ao abrigo desta nova lei, e não o fará tão cedo. Não há omeletes sem ovos." [2]

E outras, Universidades.

Pouco dias depois do discurso citado, a Universidade de Évora publicou anúncio para contratação de investigador ao abrigo do regime transitório do referido Decreto-Lei. [3]

E outros, Politécnicos.

O Instituto Politécnico de Bragança foi a primeira instituição pública de ensino superior a avançar na aplicação do regime transitório, tendo lançado, em janeiro, concurso para três lugares de investigador.

E outros, Centros de Investigação.

Centros de Investigação com figura de entidade privada têm aberto concursos, quer ao abrigo do regime transitório, quer em regime normal, iniciando assim processos de contratação de investigadores para vários níveis remuneratórios [4].

Uns

As Universidades continuam a abrir, com regularidade, concursos para docentes, em várias posições da carreira. E também para os não docentes e não investigadores. Vínculos por tempo indeterminado em muitos casos. Pelos vistos o ensino e a administração são permanentes e, por isso, requerem pessoas em permanência. Pelos vistos a afluência de alunos e o trabalho das administrações é um dado adquirido.

E os outros.

Os investigadores-bolseiros continuam à espera que as ações correspondam aos princípios; que as ações cheguem em momento útil, ainda que tardio; que seja, finalmente, o tempo. O tempo desejado por quem quer fazer fazer da investigação a sua missão no seio do ensino superior. Fazer investigação cuja importância é reconhecida nas palavras. Importância crescente e decisiva, segundo nos dizem, para a sociedade do conhecimento, para a economia do conhecimento, para a indústria 4.0, para o País ter futuro. Um tempo que foi anunciado. Um tempo que foi até já, em parte, traduzido em lei. Continuam a captar projetos, a captar financiamento, a publicar, a contribuir para os currículos das instituições e para as posições nos rankings. Ano após ano, até que estes deixam de se contar em anos e passem a décadas. Porque projetos pode haver ou não.

Uns.

A menos que a investigação nas instituições de ensino superior requeira apenas, em permanência, docentes, os quais também têm o dever de investigar. Que não mais se queira investigadores-só-investigadores, onde antes se quiseram. Porque havia bolsas. Porque havia fundos. Como em outras áreas do País. Em que se escolheram, e se escolhem, culturas, indústrias, atividades, e as pessoas, em função do subsídio.

Os Outros.

Os outros continuam à espera.
Na esperança que não passe muito mais vida.
Continuando a tentar acreditar que não precisam mudar de vida.

Referências
1. Jornal de Notícias, 13 de março de 2017.
2. Reitor da Universidade de Coimbra, 1 de março de 2017, discurso disponível em versão integral em http://www.uc.pt/governo/reitoria/discursos/diaUC1marco2017. Que, de acordo com a notícia do JN, será subscrito em boa medida pelos restantes Reitores.
3. Bolsa de Emprego Público, https://www.bep.gov.pt/pages/oferta/Oferta_Detalhes.aspx?CodOferta=46849
4. Consultar o portal Eracareers, em http://www.eracareers.pt/, e pesquisar por "DL 57/2016", por exemplo.

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