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Revalorizar e democratizar o ensino superior
Devido ao envelhecimento da população, à erosão das condições económicas de grande parte da população e ao desinvestimento no setor, as instituições portuguesas de ensino superior têm vindo a perder uma parte significativa da população estudantil, sobretudo aquelas que se situam no interior do país e enfrentam um processo de desertificação. A desarticulação e as ambiguidades acerca das funções dos subsistemas universitário e politécnico têm provocado hiatos, sobreposições e desperdícios. Por seu lado, algumas instituições reproduzem modelos académicos pouco inovadores, com escassa relação com o tecido produtivo e a vida comunitária, tendo reforçado recentemente modelos de gestão centralistas e autoritários, negligenciando a iniciativa e vontade de participação de docentes e estudantes.
As instituições do ensino superior devem ter uma verdadeira autonomia, reger-se por princípios de participação democrática, funcionar em rede com outras instituições nacionais e internacionais e apoiar o desenvolvimento social, económico, ambiental e cultural das regiões em que se localizam. Em paralelo, é fundamental criar condições para que mais cidadãs e cidadãos frequentem e concluam com sucesso estudos superiores, independentemente da sua localização, condição socioeconómica e etapa de vida. Aproveitar a difusão da língua portuguesa – hoje a 6ª mais falada no mundo – é um vetor estratégico para a internacionalização das instituições de ensino superior portuguesas e uma condição para a disseminação da própria língua.
A candidatura cidadã “LIVRE/Tempo de Avançar” defende:
a) Promover a articulação entre instituições. Queremos apoiar a formação de consórcios e fomentar a colaboração entre Instituições de Ensino Superior (IES) com vista à otimização de recursos e processos de gestão e a providenciar formações diversas e multidisciplinares, com diferentes valências científicas e pedagógicas. Apoiar a criação de cursos e conteúdos avançados para as plataformas eletrónicas (e-learning e blended-learning) para incrementar o acesso livre à educação superior, promovendo a formação ao longo da vida.
b) Democratizar a gestão das instituições do ensino superior. Pretendemos avaliar a experiência de governo resultante do atual regime jurídico das IES e reintroduzir um órgão académico representativo dos corpos das IES com funções deliberativas, recuperando a dinâmica de debate democrático e reflexão crítica no seio das instituições. Devem ser introduzidos mecanismos de promoção da diversidade social, política e cultural das personalidades externas que compõem o Conselho Geral. O princípio da paridade de género na composição de listas candidatas aos órgãos colegiais de governo deve ser adotado, de acordo com a lei geral (mínimo de 1/3 do género menos representado). O regime de autonomia na gestão de recursos previstos para as IES fundacionais deve ser efetivamente aplicado e alargado a todas as IES.
c) Financiar as instituições do ensino superior, de forma estável e transparente. As IES devem ser dotadas de um financiamento público estável, num regime plurianual e contratualizado por objetivos. Queremos completar o financiamento público assente numa fórmula baseada em indicadores de estrutura e de desempenho, destinada a suportar as despesas de funcionamento e estrutura, com dotações atribuídas por concurso, destinado a implementar projetos e estratégias locais alinhadas com o perfil institucional e com as necessidades de desenvolvimento do país e da região. Defendemos ainda a abertura de linhas de financiamento para dinamizar o aumento da eficiência das IES, por exemplo, na formação pedagógica dos docentes, no reforço à transferência de conhecimento, no apoio à angariação de fundos europeus (por exemplo, o Horizonte 2020) ou de captação de financiamento privado.
d) Reduzir o valor das propinas. O valor das propinas da formação inicial deve ser reduzido para valores não superiores ao salário mínimo nacional, com vista à progressiva gratuitidade deste nível de ensino. Defendemos a regulamentação do valor das propinas da formação pós-graduada, impondo tetos máximos e preparando um processo de redução progressiva do seu montante, de acordo com padrões europeus.
e) Democratizar o acesso aos estudos superiores. Propomos a revisão dos mecanismos de atribuição de apoios sociais diretos e indiretos aos estudantes do ensino superior, eliminando os constrangimentos e as assimetrias das normas atuais. Os apoios aos estudantes devem ser atribuídos independentemente da situação de dívida do seu agregado familiar à segurança social ou à autoridade tributária. Defendemos a expansão do valor da bolsa mínima de estudo, ponderada a partir de indicadores de custo de vida ajustados localmente e a promoção da articulação entre IES e o poder local para promover o alojamento estudantil, no quadro de políticas de habitação jovem e revitalização dos centros urbanos. Torna-se, também, imperioso contrariar o abandono do ensino superior, alargando as políticas de monitorização e prevenção e estabelecendo programas de incentivo ao reingresso.
Queremos expandir a produção de recursos educacionais em regime livre através de cursos e conteúdos online que suportem o acesso à educação mais avançada por parte da população portuguesa. Pretendemos estimular a diversificação dos mecanismos de acesso ao ensino superior e os programas de acompanhamento dos alunos com percursos formativos não tradicionais, com vista à promoção do seu sucesso académico e profissional. Promoveremos a verificação dos resultados de aprendizagem e o nível de retenção como elementos da medição do desempenho das IES.
f) Internacionalizar as instituições do ensino superior. A formação avançada em português e inglês deve ser dinamizada, facilitando a atração de estudantes internacionais e promovendo o português como língua de ciência e cultura no mundo. Pretendemos reforçar os programas de financiamento de períodos de mobilidade estudantil e docente no ensino superior, de duração variável, através de fontes de financiamento públicas e parcerias do Estado com o setor empresarial. Promoveremos a criação de parcerias institucionais, cursos articulados e o reconhecimento mútuo de currículos do ensino superior de países de língua oficial portuguesa.
Garantir a dignidade do trabalho docente e científico
Em Portugal, o crescimento do setor de I&D foi baseado em contratos de trabalho a termo, com a duração máxima de cinco anos, que não se traduzem na integração ou na progressão na carreira de investigação. Tem-se agravado também o abuso da figura do “bolseiro de investigação”, usado para contratar milhares de trabalhadoras e trabalhadores científicos ou técnicos, durante anos a fio, sem quaisquer direitos laborais ou proteção social. Estas práticas contrariam as recomendações da Carta Europeia do Investigador (Comissão Europeia, 2005). Carreiras de investigação inexistentes ou pouco atrativas resultam na “fuga de cérebros”. Por seu lado, esta precariedade, já comum entre o pessoal docente do ensino superior privado, tem vindo a caracterizar recentemente um número crescente de docentes do ensino superior público, dadas as restrições impostas pelo governo à abertura de lugares no quadro das instituições.
As trabalhadoras e os trabalhadores científicos e o pessoal docente do ensino superior requerem condições de trabalho competitivas num mercado de trabalho que é global. Além disso, a integração, a estabilidade e a formação contínua destes profissionais são fundamentais para a coesão intergeracional, a renovação das instituições, assim como para assegurar a qualidade dos programas de formação e de investigação.
A candidatura cidadã “LIVRE/Tempo de Avançar” defende:
a) Rever o Estatuto do Bolseiro de Investigação. Defendemos a revisão do Estatuto do Bolseiro de Investigação, limitando a atribuição de bolsas a investigadores em formação que realizam estágios de iniciação científica ou a investigadores que se encontrem no período de formação curricular associado à obtenção de grau académico.
b) Garantir contratos de trabalho a pessoas bolseiras e investigadoras. Propomos a celebração de contratos de trabalho (a termo certo, no âmbito de projetos isolados ou de projetos estratégicos de unidades de investigação; ou a termo incerto, no âmbito de carreira de investigação acedida por concurso) com todas as pessoas investigadoras e pessoal de apoio à investigação que se encontrem associadas a projetos de investigação há mais de dois anos e que não se encontrem em período de formação curricular. Desta maneira, as bolsas de pós-doutoramento, “cientista convidado” ou “gestão de ciência e tecnologia”, até agora atribuídas, serão substituídas por contratos de trabalho.
c) Equiparar as carreiras de docência e investigação. O Estatuto da Carreira de Investigação Científica (ECIC) deve ser revisto para que seja equiparado em nível de exigência, direitos e deveres ao Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU) e ao Estatuto do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP), de modo a que nenhuma das carreiras seja desvalorizada. A possibilidade de integração de ambas as carreiras num mesmo estatuto deve ser analisada, sendo que a revisão destes estatutos deverá incluir a possibilidade de mobilidade entre as carreiras de investigação e docente, dentro da mesma instituição ou entre instituições diferentes, permitindo uma melhor gestão dos recursos e necessidades das instituições.
d) Abrir lugares no quadro das instituições públicas. Queremos desbloquear a abertura dos concursos de contratação de docentes, investigadores e técnicos, de modo a satisfazer as necessidades das instituições e restituir a qualidade do seu trabalho, cumprindo o preconizado nos estatutos em termos de estabilidade do corpo docente. Combater a prática recorrente de utilizar trabalhadoras e trabalhadores precários para responder a necessidades permanentes.
e) Apoiar a formação pedagógica e a mobilidade dos docentes do ensino superior. Apoiaremos a criação de programas de formação pedagógica dos docentes em cooperação entre IES, com vista à melhoria da qualidade de ensino e à adoção de um ensino centrado no estudante e no desenvolvimento de competências. Promover a mobilidade de docentes entre IES portuguesas e em redes internacionais de IES.
f) Assegurar a igualdade de direitos no ensino superior público, particular e cooperativo. Propomos o alargamento às instituições de ensino particular e cooperativo da adoção dos estatutos de carreira docente, garantir a democracia interna e a liberdade de ensino e investigação e reforçar as garantias de representação sindical nestas instituições.
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