Professores e alunos, em auditórios e em laboratórios; salas de estudo; bibliotecas pela noite fora; mesas preenchidas em cantinas; atividades desportivas. Estas são algumas das imagens que primeiro surgem quando falamos de Universidades e de Ensino Superior. De forma natural, retratando a interação e os espaços de aprendizagem e de vida em comunidade. Depois, talvez vejamos os investigadores a tempo inteiro, cuja atividade desperta a imaginação, na busca do novo, de compreender mais, de fazer diferente, de proporcionar escolhas, de ir além, de abrir futuros. Uma atividade cada vez mais notória e mais notada, com presença já regular na comunicação social. Mas há mais nas Universidades. Muito mais. Muitos mais. Mas não os vemos. Invisíveis.
"There appears to be either a total confusion in terminology about administration or a complete disregard for administrator's work but in most cases administrative staff in universities are largely invisible." (J. Szekeres, 2004).
Invisíveis para o exterior. Invisíveis para quem estuda esta área. Invisíveis também no interior das próprias Universidades. Os trabalhadores da dupla negativa, não académicos e não investigadores, no dizer do nosso Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior. À falta de melhor designação, por economia de espaço, por convicção profunda ou pelo facto de os próprios serem tão diversos que não se revêm numa única denominação. São gestores, contabilistas, juristas, informáticos, secretários, engenheiros, arquitectos, motoristas, bibliotecários, assistentes sociais, cozinheiros, técnicos de laboratório, de som e de imagem, assessores, telefonistas, designers e assessores, entre outros.
As suas funções já não devem ser, já não podem ser, já não são, de um mero apoio instrumental. Não são nem devem ser peças de uma qualquer máquina burocrática; não são o óleo que lubrifica; não são a manivela ou a gasolina que faz girar. Não são parte do problema; não são o grão de areia que emperra; não são os complicadores. São parte da instituição. Da mesma instituição. De uma instituição única. De uma instituição mais diversa, mais complexa, com uma missão mais multifacetada, sujeita a maiores exigências externas, com maior ambição.
"There is more to the teaching and learning experience, and more to the running of universities, than academic staff and their work, but the silence in public forums and reports about the role of administrative staff in universities is deafening." (M. Conway, 2002).
The modern university requires highly competent staff, in managing the intricacies of financing a multi-billion-dollar-a-year operation, in seeking the private gifts and government support, in maintaining the most sophisticated technical equipment and facilities, in providing competent and courteous services to students and patients. Beyond these services, we look to staff to provide key leadership for the institution. And in many cases, this leadership has been absolutely essential to the fortunes of the institution." (J. Duderstadt, 2000).
Não apenas subordinação, capaz e eficiente, mas liderança. Numa universidade para o século XXI, como advoga Duderstadt, Presidente Emérito da Universidade de Michigan. Porque muitos Invisíveis têm, hoje, elevadas qualificações académicas, uma grande experiência profissional e um conhecimento mais profundo do sistema de ensino superior, do ambiente envolvente e das próprias instituições do que muitos académicos. Não se trata de competição entre visíveis e invisíveis. Não se trata de substituir. Trata-se de ser racional. Deter conhecimento. Usar o conhecimento. Independentemente do rótulo. Em coerência com a valorização que se apregoa da sociedade do conhecimento. Das instituições do conhecimento. Da importância dos saberes. Sim, numa Universidade do século XXI é possível ter Invisíveis a liderar, a coordenar ou a colaborar com académicos, de igual para igual, ou, mais apropriadamente, de diferente com diferente. No desempenho de funções específicas, de projetos, de empreendimentos, de gerar ideias e de as pôr em prática, de inovar. Na definição de estratégias e de políticas. A aprovar nos órgãos próprios, com as composições próprias.
Cada um tem o seu lugar e o seu domínio de especialidade. Há um contributo próprio, específico, a partir de pontos de vista diferentes e de conhecimentos distintos. Com elevado valor. Com mais valor ainda se combinados e respeitados. Reconhecendo que há, também, uma relação diferente com a instituição, resultado das diferenças em termos de carreiras e de mobilidade.
Saindo dos livros, voltando a esta realidade, constato que, quase duas décadas dentro do século XXI, habitamos tempos distintos. Estamos ainda no passado. E o futuro-que-devia-já-ser-o-presente, o século novo, parece-me longínquo, quase uma miragem, tão ausentes são os sinais de mudança. Tão acomodados estão muitos. Tão receosos estão tantos. Tão escassa é a vontade de remover o manto de invisibilidade.
"As Universidades que melhor gerirem esta realidade, mediante a compreensão recíproca dos diferentes papéis e competências, criando condições para aproveitar o conhecimento de cada um e para desenvolver o seu potencial, terão condições para fazer a diferença, permitindo que os docentes e investigadores ensinem e investiguem, proporcionando uma experiência mais rica aos estudantes e trabalhando melhor com a sociedade."
Perspetiva de um Invisível, em 2017 d.C.
J. Duderstadt (2000), A University for the 21st Century, Michigan Ann-Arbor.
J. Szekeres (2004), The Invisible Workers, Journal of Higher Education Policy and Management, 26:1, 7-22.
M. Conceição (2013) Trabalhadores Não-Não, Texto para o Click - Antena 1.
http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2013/01/trabalhadores-nao-nao.html
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