domingo, 21 de julho de 2024

De chapéus, suspensórios e modas

Chapéus há muitos
Celso Pinto de Carvalho
CC BY-SA 3.0
, via Wikimedia Commons











O Governo quer carregar no acelerador da economia. O Governo quer mais empresas inovadoras. O Governo quer alterar o Estatuto de Carreira de Investigação Científica e do Estatuto do Docente para permitir aos investigadores e docentes em exclusividade serem membros dos órgãos sociais ou acionistas de startups que resultem dos seus projetos de investigação. Está escrito no programa Acelerar a Economia.

Antes de abordar as questões que considero fundamentais, importa aclarar o conceito de exclusividade a que esta proposta se refere. De um modo simplificado, os docentes e investigadores em instituições públicas de ensino superior podes estar enquadrados em dois regimes base, dedicação exclusiva e tempo integral. O que os distingue não é o número de horas contratuais, iguais em ambos os casos, mas a renúncia, no caso da dedicação exclusiva, ao exercício de qualquer função ou atividade remunerada, pública ou privada. E tal renúncia é acompanhada por uma compensação, que é materialmente significativa: um salário superior em 50% a um docente ou investigador em categoria equivalente mas em regime de tempo integral, ou seja que pode auferir rendimentos de outro tipo de atividades.

Examinando a exclusividade mais de perto, verifica-se que a renúncia é, afinal, parcial, e não absoluta. Diria mesmo generosa, uma vez que permite vários tipos de remunerações adicionais. É o caso da realização de conferências, palestras, cursos breves e outras. Mas também da participação em avaliações e em júris em outras instituições, prestação de serviço docente em instituição de ensino superior públicas (com algumas limitações), ou até no âmbito de projetos da própria instituição. Ainda assim, podemos considerar que, na maioria dos casos, se trata de atividades esporádicas, irregulares no tempo, e maioritariamente acessórias.

A proposta do Governo é passar incluir na lista de exceções permitidas a participação em órgãos sociais ou como acionistas de startups que resultem dos seus projetos de investigação. Que são também projetos das suas instituições, acrescento. E, na sua maioria, financiados por dinheiros públicos, acrescento ainda.

Vamos então à proposta.

A documentação que consultei no portal do Governo não continha informação de suporte a esta medida. Nada sobre as áreas, número e papel das empresas com origem em instituições de ensino superior, nada sobre o eventual papel "dissuasor" do atual regime de dedicação exclusiva, nada sobre os resultados esperados, para além de uma alteração de "contexto". Não me parece que resulte de um estudo. Poderá resultar de uma crença. Ou, no pior dos casos, da pressão de uns quantos "empreendedores" avessos ao risco. 

A proposta desvirtua o conceito de exclusividade existente. Desde logo porque a dedicação a uma empresa de criação própria, não é um compromisso esporádico, mas antes uma relação de longo prazo. Depois, porque se trada de uma relação na esfera privada, e não na esfera pública. Assim, ficam as perguntas: Porque é necessário este estatuto de proteção individual, contranatura? Porque é que os docentes-empreendedores, criadores de empresas com elevado potencial acelerador da economia, não transitam para o regime de tempo integral, podendo assim auferir outros valores com origem nas suas empresas? Porque é que, em alternativa, as instituições e os docentes-empreendedores não alienam os resultados da investigação a empresas e investidores privados?

É aqui que entram os chapéus, vários. Do docente e do empresário. Do público e do privado. Do orientador de alunos e do patrão. Do recetor de fundos e do investidor. Chapéus diferentes para a mesma cabeça e para um mesmo fato, uma vez que é a mesma investigação que se encontra de um lado e do outro. Ou pelo menos é indistinta, criando zonas cinzentas que abrangem pessoas, tempo de pessoas, recursos materiais, acesso a recursos digitais, intangíveis. Dando margem à impressão, ou não só, de gastos públicos para ganhos privados. Difíceis de separar, difíceis de escrutinar. Sobretudo porque sei, por conhecimento profissional, quanto o conceito de “conflitos de interesse” parece alheio, diria mesmo alienígena, a muitos, que não a todos, académicos e investigadores. Isso só acontece aos outros.

Mas há outros adereços, para além dos chapéus, nesta moda dos nossos dias. Cintos, coletes, redes, air bags e até paraquedas. Podem conhecê-los por outros nomes. Cursos em empreendedorismo, para várias idades e até aos doutorandos. Omnipresentes. Valorizados. Considerados quase imprescindíveis. A fazer lembrar o exemplo da formação em sustentabilidade. Do berço à idade adulta. Apoios para estágios em empresas. Apoios para doutoramentos em empresa. Apoios para a contatação de doutorados. Apoios à incubação e à aceleração. Agora apoios à criação de empresas privadas por servidores públicos em regime de dedicação exclusiva. 

Sim, são medidas diferentes com objetivos diferentes e, na origem, com destinatários diferentes. Mas em determinados “ecossistemas” torna-se possível ir navegando, durante muito tempo, durante demasiado tempo, à bolina do sopro dos estímulos. À semelhança do que se dizia da agricultura em finais do século passado. À semelhança do que se pode dizer de parte da investigação nos nossos dias.

Esta proposta insere-se nesta lógica. Transitando entre o melhor de dois mundos. Promovendo o empreendedorismo sem risco. Sem o risco de escolher.

sexta-feira, 5 de julho de 2024

A nuvem no fundo do mar

 

Querem colocar uma nuvem no fundo do mar. Li num jornal em papel, à mesa de um café, num sábado que já passou. Jornal que chega agora à sexta, em vez de chegar ao sábado da praxe. Como se tivesse pressa, num sinal de tempos apressados. 
Imagino a nuvem pousada no leito do mar. Trocando o sol e o vento, pelo escuro e pelas correntes.  Amarrada, não se desse o caso de querer flutuar em busca da liberdade perdida. Deixou de ser nuvem passageira que com o vento se vai. Deixou de ser nuvem de trovoada que passa a chuva. Deixou de poder ser observada a mudar de forma, pelo homem que observava as nuvens numa praia do Mediterrâneo, tentando adivinhar o futuro. Imagens. Músicas. Livros. Misturados num redemoinho, de ar, ou de água.
Continuo a ler o jornal. Parece que a nuvem, afinal, é nome próprio. Nome de cabos no fundo do mar, desenrolados ao longo de muitas léguas submarinas. Não chegarão às dez mil. Estendidas numa linha única, não se assemelharão a tentáculos de polvo gigante. Uma linha que amarra continentes, os quais, como se sabe, continuam à deriva, quais jangadas com náufragos. Nuvem. Nome em português para amarrações nas profundezas do mar português. Mares com fronteiras. 
Coisas privadas, de uma empresa dita tecnológica. Daquelas cujo nome agora se conjuga em forma verbal. Daquelas criadas em vésperas da mudança de século, e de milénio. Tempos apropriados para anunciar fins de uns tempos e começo de outros. Visões de futuros. Alguns são agora passados. Outros, estão por aí, presentes. Uns quantos nunca deixaram de ser visões. E outros estão ainda para vir. 
Uma outra nuvem paira por aí. Também se chama nuvem, mas em inglês. Misteriosa e invisível para o comum dos mortais. Entre o material e o imaterial. Objeto quase, escreveria o escritor. Repositório infinito. Para tudo. Do dia-a-dia, do trabalho, do lazer, dos auto-retratos. A culpa é das malditas fotografias, julgo ouvir do croata, que já foi soldado. Aqui não são campos de batalha, talvez, mas pastos de bits e bytes, a não confundir com a mordidela inglesa, nem com trocas dos bês pelos vês. Quantidades que se medem em potências de dez. Kilo, mega, tera. Depois, peta, exa, zetta, e por aí fora. Sem fim.
Ligações sem fios que precisam de ligações com fios. Lampejos de sustentabilidade, devoradores de energia. Imaterialidades feitas de matéria, do silício às terras raras, exploradas pelo mundo, explorando o mundo, explorando as pessoas. Não voltarão os homens a ser postos no lugar das coisas, diz-me o escritor. 
A nuvem do início do texto liga-se à cloud. A cloud liga-se às nossas casas. Ao computador onde este texto foi escrito. Aos computadores onde este texto está a ser lido. Passando por outras máquinas, por repartidores, multiplicadores, servidores, armazéns. Quintas onde se reúnem as alfaias desta nova agricultura. Armazenando, catalogando, classificando. Mas também analisando e aprendendo, a um passo da criação. Passos antes da capacidade de rebelião. Da revolta das máquinas.
IA. Inteligência artificial. IA. Também inseminação artificial e histórias com touros, recordava o cantautor, de sabedoria septuagenária, antes de abordar as vantagens da mesma (da primeira, note-se!) e a sua inspiração panóptica para o futuro. Há quintas e quintas. Havia uma outra em que eram sempre os porcos que formulavam as moções. Os restantes animais percebiam como é que se votava, mas nunca conseguiam formular as suas próprias propostas. Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.
Fábulas e parábolas. Utopias e Distopias.
IA. As iniciais de um escritor. As leis da robótica, bem antes da condução autónoma. O Multivac, também ele desenrolado por todo o planeta e recebendo continuamente informação, angustiado com o peso de conhecer todos os problemas do mundo, e procurando que o desliguem, libertando-o desse fardo. O AC Cósmico, que durante um tempo já sem tempo, e já sem homens, continuou à procura da reposta à última pergunta. Faça-se luz, ordenou o AC, e a luz foi feita. 
Volto à nuvem e aos cabos. Desta vez na televisão. Fala o almirante. Parece que há navios espiões. Russos. Mapeando os cabos. Equipados com submarinos que os podem cortar. Se fosse nuvens no céu, poderiam ser dirigíveis. Qual guerra fria num mundo em aquecimento. Na mesa de cabeceira, não a gente de Smiley, ou a caça ao outubro vermelho. Mas não anda longe. Twilight Struggle - A Guerra Fria, 1945-1989. Um livro de regras que não tem regras para estes tempos.
Escuto. As músicas atropelam-se. Depois vão-se tornando nítidas, emergindo do mar profundo. Ouço as palavras. Terminou o tempo, a canção chegou ao fim, julguei que teria algo mais para dizer. 
Carrego no botão. Separo-me da rede.

domingo, 14 de abril de 2024

Governo alternativo

Thomas Hawk, Flickr








O Governo disse ao que vinha e o ministro da presidência reafirmou-o em conferência de imprensa. Um governo humilde e de diálogo. O ministro que é primeiro apresentou o programa de governo e anunciou uma redução de 1 500 milhões de euros em IRS. Em relação ao valor de 2023. Um facto indesmentível. Como se defendeu o governo quando confrontado com a responsabilidade material da redução, ou da maior parte dela. 

Tão indesmentível como a tentativa deliberada de colar toda esta redução à atuação do novo governo. Tão inequívoca como o facto de o orçamento em vigor, oriundo do anterior governo, ser responsável por cerca de 90% dessa redução. E isto apesar da tentativa de clarificação, em debate parlamentar, não de um mas de dois deputados da Iniciativa Liberal. Ou dos esclarecimentos solicitados por um jornal como o Expresso que, após noticiar a duplicação da redução de IRS, sentiu a necessidade de publicar uma nota tão forte como rara, sob o título "É mais do que um embuste, É enganar os portugueses". 

Voragem dos tempos. Em que um programa de governo é apresentado e debatido quase de imediato. Em que os debates são comentados e discutidos ao vivo, tentando descortinar intenções de segunda e terceira ordem. Em que falta tempo para análise e reflexão. Para fazer contas e cruzar dados. Em que a viva voz é sobrevalorizada como construtora de realidades. Tempos de vertigem.

Mas podia não ser assim.

Imaginemos um governo alternativo. Com um primeiro ministro que anunciava que, para além da redução de IRS de 1 300 milhões proposta pelo anterior governo, aprovada pela Assembleia da República, e com a qual concordava, estaria em condições de ir ainda mais além, já, no imediato. Atingindo os 1 500 milhões. Mesmo sem necessidade de um orçamento retificativo, que pode ou não vir a existir. E sem prejuízo de incluir reduções adicionais no orçamento para 2025.

Humildade e diálogo. Como prática. Se for essa a intenção. 

Por mim, desconfio de quem apregoa virtudes próprias.

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Crónicas da (inefi)ciência







Esta é uma crónica do que aconteceu e não devia ter acontecido. Em fragmentos. Tendo por referência uma linha de tempo traçada a partir da documentação pública. Para memória. Para as memórias. Para quem quiser ter memória.

22/12/2023. É publicado o aviso para apresentação de candidaturas de Projetos de Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico. 

Uma primeira nota sobre o tempo. Sobre tempos. Tempo de candidatura, entre este dia vinte e dois de dezembro e o dia dezasseis de fevereiro. Em forma de letra no aviso. No papel. Mas só mesmo no papel. E porquê? Porque não está ainda disponível a plataforma de candidatura. Porque não está ainda disponível o guião de candidatura. Porque... Encolhendo o tempo. Encolhendo o tempo efetivo de candidatura. Estranho, não é? Também o tempo de publicação é estranho. Em vésperas de Natal, altura em que muitas instituições científicas têm uma atividade reduzida, senão nula. Encolhendo duplamente o tempo. Mas porquê, então? Qual a urgência? Não descortino muitas explicações plausíveis. Só uma, mesmo. Era preciso que o concurso "abrisse" em 2023, ainda que só entreaberto, ou até fechado. Era preciso proclamar a sua abertura. Era preciso colocar um visto num quadro de medidas políticas do ano que acabava. Cumprir metas. Cumprir calendário. Não cumprindo. Tempo real e ficcional. Tempo real e político. Da política como ficção. Da realidade fabricada. Para quem acreditar. No fundo, até parece não importar. Não despertou grande reação. Há fundos no horizonte. 

Uma segunda nota sobre os temas. Este costuma ser o principal concurso nacional de financiamento aberto a projetos em todos os domínios científicos. Mas desta vez são todos, todos?  

No texto que importa ler, são todos, desde que. São "(...) todos, desde que alinhados com as Estratégias de Investigação e Inovação para uma Especialização Inteligente (RIS3), que se proponham estimular uma economia de elevado valor acrescentado, bem como a excelência, a cooperação e a internacionalização, visando processos de inovação com finalidade de mercado e o aumento da criação de conhecimento para resposta a desafios empresariais e societais". É preciso fôlego para ler a frase. E estômago para a digerir. Questões de alinhamentos, propósitos e finalidades. Economia. Valor acrescentado. Mercado. Desafios empresariais e societais. 

Então os desalinhados ficam excluídos? Não! Também lá estão. Importa continuar a ler. Os alinhados beneficiarão de apoio através do FEDER. E os desalinhados de apoio de fundos nacionais inscritos no orçamento da FCT. Menos mal, que não ficam de fora. Mas mais complicado. 

Um concurso com financiamento através do COMPETE, PR Norte, PR Centro, PR Lisboa, PR Alentejo, PR Algarve, FCT. Cada um com a sua própria dotação inicial. Cada um, exceto a FCT, com estratégias próprias de especialização, a que chamam inteligente. Cada um com literatura associada para investigador decifrar no tempo que escorre. 

Uma terceira nota sobre fundamentos. Investigação. Investigação que se aplica. Investigação que se aplicará. Investigação que poderá vir a ser aplicada. Investigação que não se sabe se ou quando se aplicará. Futuros.

Nos termos do aviso, só "são elegíveis a financiamento FEDER as operações que apoiam projetos de investigação aplicada e inovação (...); de modo auxiliar e acessório, devidamente justificado, podem ser incluídas atividades de investigação a montante quando indispensáveis para a prossecução do projeto de modo integrado, não podendo ultrapassar 10% do investimento elegível". A que se segue uma outra alínea, dispondo que os projetos que não satisfaçam esta condição "serão passíveis de apoio ao abrigo do Regulamento de Projetos FCT.". 

Venha de lá a calculadora. Para dissecar o projeto a bisturi. Pesar percentagem de investigação disto ou daquilo.  Menos do que dez, mais do que dez. Seria normal que, num concurso desta natureza, fosse grande a porção de projetos com muito significativa de "investigação fundamental". O que, afinal tiraria todo o financiamento correspondente para a FCT. E retiraria execução aos outros fundos. Antevejo divisões imaginativas e percentagens criativas. Terei mais hipótese de financiamento por aqui ou por ali? Como será a concorrência? Antevejo avaliação e enquadramento à medida. Ainda há fundos desse lado? Seria melhor considerar esta como não fundamental? Antevejo dores de cabeça.

Teria que ser assim? Certamente que não. Seria possível ter um concurso financiado exclusivamente através do orçamento da FCT. Como habitual. Não sei é se tal tinha sido previsto, ou sequer equacionado. Não sei se tal constava do orçamento da FCT para 2023. Não sei se isto é apenas de um estratagema para mobilizar fundos de diferentes sacos. Para aumentar taxas de execução. Para maximizar o uso de fundos europeus. Para minimizar o uso de fundos nacionais. Para rapar fundos. Como medida de simplificação administrativa não foi, com toda a certeza. Como medida de agilização de processos, também não.   

05/01/2024. Duas semanas após a abertura.

Republicação do aviso de abertura. Já? Quinze dias depois da publicação original do aviso de abertura do concurso que, materialmente, continua por abrir? Pois é verdade. Para efetuar um "Ajustamento da redação do ponto “Consequências do incumprimento dos indicadores”" . Ficamos informados.

08/01/2024. Dezassete dias após a publicação do aviso.

Data que consta das Orientações sobre o funcionamento do Balcão dos Fundos, Utilizadores, Perfis e Unidades Organizacionais. Entidades beneficiárias. Super-utilizadores. Utilizadores internos. Perfis. Convites. Registos certos. Registos duplos. Registos incorretos. Registos impossíveis. A multiplicar por centenas. A multiplicar por milhares.

26/01/2024. Vinte dias para o prazo limite para apresentação de candidaturas.

Segunda republicação do aviso de abertura. Mais de um mês depois do primeiro aviso. Vinte e um dias depois da primeira republicação. A vinte dias do prazo limite para apresentação de candidaturas. Alterando desde logo o período de candidaturas. Dilatando o prazo. Data limite a 21 de março. Um adiamento não só previsível, como exigível, considerando todos os problemas existentes e que vinham sendo relatos. Plataforma. Balcão dos fundos ,m fundo. Falta de adaptação à natureza do concurso. Remendos. Dúvidas pertinentes por esclarecer.

Talvez por isso as alterações desta republicação são mais abrangentes, incidindo também sobre os pontos Legislação nacional, Condições específicas ou normas técnicas a observar pelas operações e pelos beneficiários – alíneas p), s), t), v) e w), Consequências do incumprimento dos indicadores, Legislação e regulamentação aplicáveis e Anexo A – 4. Regras e condições de elegibilidade das despesas

É exemplo a remoção das restrições que afastavam investigadores com processos anteriormente aprovados em "concursos da Fundação La Caixa com cofinanciamento e/ou patrocínio da FCT", de 2022 ou 2023. Limitações com efeitos retroativos. Duvidosas, à partida e à chegada. Lançando dúvidas sobre o efeito de outros concursos em curso. Envolvendo um financiador e financiamento privado. Agora eliminadas. Deve ter dado origem a conversas interessantes! E ainda uma nova versão das consequências de incumprimento. Outra do próprio quadro legal e regulamentar aplicável (!). Mais uma sobre a elegibilidade das despesas. Não é voltar ao início, mas quase! Revelador do processo em curso.

22/02/2024. Um mês para o final do prazo. 

Um documento com Questões Frequentes. Procurando responder às dúvidas que assolam mentes e entopem serviços e canais de atendimento. Vinte e duas páginas. Cento e sete questões. Um sinal sobre um aviso, já com duas republicações, e margem extensas para dúvidas. De leitura obrigatória. Com interpretações diferentes. Suscitando dúvidas entre o texto do aviso e o texto das respostas. Quando as questões frequentes se parecem substituir às normas.

12/03/2024. Nove dias para o final do prazo.

Terceira republicação do aviso de abertura! Com "Introdução do Organismo Intermédio e ajustamento na redação do Anexo A – 1. Documentos necessários para apresentar uma candidatura, no que se refere às condições da Minuta do Contrato de Consórcio". Ainda a alterar a lista de documentos exigidos. Sob pressão da comunidade. Passando a minuta de contrato de consórcio em projetos conjuntos, a ser facultativa, em lugar de obrigatória, ainda que "sem prejuízo do previsto na alínea n) das Condições específicas ou normas técnicas a observar pelas operações e pelos beneficiários". Em regulamentês profundo. 

15/03/2024. Seis dias para o fim. 

Sai uma versão modificada do documento com questões frequentes. Desta vez com novos elementos sobre sobre os indicadores a usar para os projetos! Indicadores como empregos criados (em projetos desta natureza...), número de organizações de investigação que participam (já inserido em campos da candidatura...), patentes e publicações. Procurando clarificar como se determinam. No início do fim. Serão reais? E se a candidatura já tiver sido submetida? 

21/03/2024. Fim do período de submissão de candidaturas. 

A lista final de documentos do concurso, na página respetiva do sítio da FCT, é a seguinte: 

  • Aviso de Abertura do Concurso - republicação 12/03/2024
  • Aviso de Abertura do Concurso - republicação 26/01/2024
  • Aviso de Abertura do Concurso - republicação 05/01/2024
  • Aviso de Abertura do Concurso
  • Regulamento Específico da Área Temática Inovação e Transição Digital (REITD)
  • Regulamento de Projetos Financiados Exclusivamente por Fundos Nacionais da FCT
  • Guia - Equivalente a Tempo Integral (ETI)
  • Documento Metodológico OCS
  • Timeline
  • Validação Enquadramento ENESII
  • Orientações sobre o funcionamento do Balcão dos Fundos, Utilizadores, Perfis e Unidades Organizacionais
  • Apresentação da sessão de esclarecimento
  • Guião de Candidatura
  • Guide for Peer Reviewers
  • FAQ
  • FAQ - atualizadas as 15/03/2024.

Post-mortem. Um processo que começou mal. E que decorreu mal. E que não se sabe como acabará. Agora com a verificação de elegibilidade das propostas. Eventualmente com reafetação de propostas entre programas de financiamento, à medida das medidas de investigação fundamental, ou da adequação inteligente que tiver sido efetuada, com mais ou menos criatividade. Só depois a avaliação, a lista de resultados, os eventuais recursos, a lista final e a concessão de financiamento. Episódios de uma temporada.

Duvido que se avalie o que correu mal, porque correu mal, e os custos de tudo isto. Duvido que se queira. Ainda que fosse no mesmo ciclo político. Menos ainda na conjuntura atual. Um caso sem lições para o futuro. Um caso com custos elevados.

Custos em tempo, de cada um, não renovável, irrecuperável. Difícil de quantificar. Mas imaginemos que foi desperdiçada uma manhã em cada candidatura submetida, devido ao relatado e mais. Não me parece exagerado, entre as tentativas de decifrar as instruções do concurso, problemas de registo, problemas com a plataforma, dúvidas e incertezas, informações contraditórias, começar e recomeçar. Não estou sequer a contabilizar os gabinetes de apoio das instituições de investigação, das várias entidades envolvidas na gestão dos fundos, e dos apoios informáticos. Nem as candidaturas que ficaram pelo caminho. Ainda não sabemos quantas candidaturas foram submetidas, o que não deixa de ser estranho. Mas admitamos que foi apresentado o mesmo número que no concurso anterior, ou seja, 2695. Meio dia de trabalho por cada uma corresponde a 1347 dias de trabalho perdidos. Concentrando este tempo numa pessoa são, a 220 dias de trabalho por ano, são mais de 6 anos perdidos! 

Este, ou qualquer outro número que se apurasse num exercício de avalição de políticas públicas, seria o custo direto. A que se soma o custo de oportunidade. Com o que deixou de poder ser feito. Com o que deixou de poder ser pensado. Com o que passou a ser feito sobre pressão acrescido. Agravado pelo desgaste e pela sensação da falta de razoabilidade e de sentido em tanto disto.

A abordagem desastrosa e desastrada não se resolve, simplesmente, com uma reorganização da FCT, como a que pontuou os recentes programas eleitorais dos principais partidos. Simplesmente, ainda que nem esteja seja simples. A questão está a um nível superior. Em decisões sobre fundos e financiamentos. Objetivos e critérios. Na opção entre investigação com qualidade de investigação de nível internacional ou uma investigação regionalizada. Em decisões sobre os tempos necessários para preparar os processos. Em fazer de conta que se abriu um concurso ou abri-lo de facto. Em decisões sobre os recursos necessários. Em compreender a realidade. 

Imagino. Um pouco mais. Um concurso anual. Com uma orientação estratégica e uma calendarização estável. Com planeamento da execução dos fundos disponíveis. Com regras e procedimentos conhecidos em tempo útil, bem antes de o mesmo abrir. Imagino. Quem em 2024 saberemos as regras dos concursos para 2025 e 2026. Possibilitando o planeamento da atividade de milhares de pessoas. Com plataformas de candidatura testadas, envolvendo a comunidade se necessário. Eliminando remendos e improvisos. Ganhando tempo.

quinta-feira, 7 de março de 2024

Políticas para o Ensino Superior e Ciência - CHEGA

Imagem do jogo Alma Mater, Eggert Spieler

 






Última entrada. É o fim. CHEGA.
A área do ensino está num capítulo designado "Libertar o Ensino de Ideologias. Como?". A ideologia da não ideologia como ponto de partida. A neutralidade, aqui não carbónica, mas ideológica. Talvez asséptica. E como, então? No ensino superior são sete as medidas. Vejamos.
Avaliar o número de instituições e cursos, assim como o número de alunos em cada curso e as saídas profissionais dos mesmos, em coordenação com a A3ES e sendo essa informação pública. A informação sobre os números existe, e é de fácil consulta pública. Restará então a avaliação do número. Com que critérios? A introdução dá uma pista, ao falar do sobredimensionamento leia-se em instituições e cursos, do ensino superior português. Uma posição de partida. Ideológica? Não estou certo. Mas recorda-me outros mitos em redor de números mágicos. Que me faz recuar a uma entrevista e a mais outra entrevista, na transição de 2011 para 2012.
Combater o subfinanciamento crónico nas instituições de Ensino Superior e cursos considerados estratégicos, devendo cada universidade, politécnico ou instituto universitário elaborar e cumprir, no decurso da própria legislatura (...) o seu próprio plano de reequilíbrio estrutural em termos de gestão de recursos humanos e financeiros. Não percebi! Combater o subfinanciamento implicará aumentar o financiamento. Seria uma forma de equilibrar as coisas. Mas competirá às instituições efetuar um reequilíbrio estrutural. Para se adaptar ao financiamento insuficiente? Ou para se adaptar à abundância? Ou o novo financiamento será fruto do novo equilíbrio apresentado por cada instituição. Confuso. 
Valorizar cada vez mais o critério da qualidade científica, académica, técnica e empregabilidade das formações ministradas. Quem valoriza? Para que fim? Como? 
Mais duas medidas. "Isentar totalmente do pagamento de propinas para alunos a frequentar estágios profissionais obrigatórios em cursos do Ensino Superior transversal a todas as áreas de estudo" [sic] e acabar com as taxas de admissão e emolumentos para prestação de provas de doutoramento. Medidas que parecem relativamente consensuais, embora com algumas nuances, entre as várias forças partidárias.
"Obrigatoriedade de canais de denúncia de assédio moral e sexual nas instituições de ensino superior" e "informação sobre acesso a apoio psicológico e/ou jurídico".
Vão seis das sete medidas. Libertadoras de ideologias? Até agora não. Mas há mais uma! "Introduzir o princípio da despolitização e despartidarização das instituições de ensino superior para garantir a sua autonomia, liberdade intelectual, qualidade e prestígio". Mas o que quer isto dizer? Especialmente, uma vez mais, quando lido em conjunto com a introdução, onde se escreve "Existem instituições do ensino superior que todos sabem que são conotadas com uma identidade partidária identificável. Continuando, após exemplificar, "Pode um jovem ser intelectual e verdadeiramente livre em contextos de condicionamento partidário tão evidente". Partindo de uma conotação, conhecida aparentemente de "todos", passamos para o perigo terrível sobre os "jovens", vítimas de condicionamento partidário.
Despolitizar e despartidarizar no mesmo saco. A política com má conotação. Vindo de um partido... político. E, contudo, sem qualquer proposta de medidas "libertadoras" das ideologias. Naturalmente! Pois quais seriam elas? Censurar programas onde se detete qual grão ideológico? Vigiar as aulas? Vedar cargos de gestão académica por se ter filiação partidária? Vedar cargos políticos a académicos para separar os mundos? Ajuizar do caráter em entrevistas de seleção para o emprego? Cercear outras liberdades, como as da livre escolha dos órgãos no seio da academia? 
Fantasmas e assombrações. Esqueletos e espantalhos. Agitados ao vento. Sem concretizar como se resolveria problema tão gravoso.
Leio um dicionário online. Discurso ou ação que visa manipular as paixões e os sentimentos do eleitorado para conquista fácil de poder político. A palavra assim definida é Demagogia.
Fim.