quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Um romance orçamental - 14. E a matemática foi corrigida

"Uma proposta que carece de correção. Semântica. E matemática. Antes que ganhe valor de Lei. À atenção da Comissão de Educação e Ciência. Siga!"
http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/11/um-romance-orcamental-13-semantica-e.html

À última hora. Ou, em rigor, bem já depois da última hora. Porque esta tinha número. E o dia também. Dia dezassete, de novembro, sexta-feira. Hora vinte e um, mais zero minutos. Momento limite para os deputados apresentaram propostas de alteração à proposta apresentada pelo Governo. E os deputados apresentaram-nas. Muitas. Só sobre Educação e Ciência foram 62. Aditamentos. Emendas. Substituições. Eliminações. Sem relação ou com relação entre si. Negociadas ou autónomas. Para apreciação e votação. Pesquisa por artigos. Artigo 35.º - Recrutamento de trabalhadores nas instituições de ensino superior públicas. Nem uma sobre a semântica do número um. Nem uma sobre a matemática do número um, que define limites orçamentais para novas contratações.

Estranho, pensei! Em voz baixa e em voz alta. Não tanto quanto à semântica. Porque interessa, para alguns, ficar escrito que há um "quadro das medidas de estímulo ao reforço da autonomia das instituições de ensino superior e do emprego científico jovem". Como já ficou no passado. Orçamento amigo, da autonomia e do emprego, científico e jovem. Um quadro de medidas de estímulo ao reforço... Quadro surrealista. Novelo de palavras tecidas em torno de um vazio. Mas, e quanto à matemática? Aos números do orçamento? Aos limites à despesa com novos contratos? A diferença entre a intenção presumida e o sentido textual parece tão óbvia! Uma questão de literacia.

22 de novembro. Primeiro dia de votação na especialidade. Votações em curso. Votações em série. Proposta a proposta. Artigo a artigo. Por vezes número a número. Alínea a alínea. Quem vota a favor; quem vota contra; quem se abstém. Aprovado.  Rejeitado. Proposta prejudicada. Vamos repetir a votação, Senhores Deputados.  Páginas e páginas de guião. Alterações. Novos documentos. Adiamentos para refletir ou para ler o que só agora entrou. Gostaria de retificar o sentido de voto do Grupo Parlamentar. Pedidos de esclarecimento. Justificações. Avocação para plenário. E muito, muito trabalho técnico, invisível, por pessoas invisíveis, no apoio parlamentar. Antes, durante e depois. Para que a corrente flua. Para que, no final, bata certo. Por entre os escolhos. Cumprindo o calendário.

22 de novembro. Primeiro dia de votação na especialidade. Votações em curso. E eis que o Partido Socialista solicita a introdução de uma emenda ao dito artigo! Senhora Presidente, uma nova proposta. Proposta 638C. Para clarificar o sentido. Das tais que ficam para votar mais tarde. Onde o Governo escreveu "desde que as mesmas [contratações] não impliquem um aumento superior ao valor total das remunerações", figura agora "desde que o valor total das remunerações dos trabalhadores docentes e não docentes e investigadores e não investigadores da instituição não seja superior ao maior valor anual (...)". Antes tarde que nunca. Ainda que depois da última hora.

E, à 63.ª proposta, a matemática foi corrigida.
Seis mais três igual a nove.
Noves fora, nada.

(continua)

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

It is easy to grow complacent

"If we are candid, we know that universities are weakened every time their practices betray their rhetoric. They are weakened every time the experience of undergraduates belies the glowing language of their college catalogs. They are weakened every time narrow personal interests override the needs for collegiality and the wider interests of the academic community. They are weakened when they ignore practices that diminish their effectiveness and tolerate organizations that provide disincentives for both individual development and collegiality. They are weakened when narrow interests subvert the larger interests of the community, and they are weakened when administrative leadership allows the second best to flourish at the expense of the best. Universities are places of extraordinary privilege and freedom, created by a tolerant public and supported by private and public beneficence. But with that privilege and freedom there goes great responsibility, and it is that, I sometimes fear, which is in short supply. 

There are, it seems to me, half a dozen basic requirements that are necessary if universities are to avoid internal degeneration and remain flexible and responsive to changing societal needs, while still retaining distinction in teaching, research and scholarship:

• They require bold, decisive, and visionary leadership from those in positions of authority, especially presidents, provosts, and deans.

• They require effective and imaginative management of resources, not only at the institutional level but especially at the departmental level, and especially a greater determination than they have yet shown to constrain and reduce burgeoning costs.

• They require a new commitment to clients, among whom I include students— to whom they have their first and largest obligation, both as the chief providers of revenue and as those for whose benefit they were created— as well as alumni and society at large.

• They require a more general willingness to come to terms with new expectations, unacknowledged issues— such as the loss of mandatory retirement— and constrained levels of funding in research, which will, I believe, constrain the areas of scholarship represented on many campuses and perhaps change the traditional balance between teaching and research.

• They require the restoration of community, which will come about only when universities create rewards and incentives for engagement and cooperation across the campus.

• And, finally, they require new patterns of governance, especially in the public universities, which are now in serious disrepair.

I shall not presume to elaborate on what each of these will require on particular campuses, but I do realize that confronting these issues will involve not only a measure of inconvenience, and perhaps consternation, but also lively debate and both personal and institutional reorientation. That seems to be an inevitable, but not necessarily undesirable, outcome. It is easy to grow complacent, denying the reality of the need for change, insulated as universities generally are from many of the external pressures."

Rhodes, Frank H. T., President Emeritus of Cornell University (1997), em The American University - National Treasure or Endangered Species?, Edited by Ronald G. Ehrenberg, Cornell University.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Não há Direito!

Escolher um curso. Escolher uma universidade ou um politécnico. Escolher uma outra cidade. Por esta, ou por outra ordem. Em função das preferências, das notas, dos amigos, da família, dos custos. Por um só destes fatores, ou por diferentes pesos e combinações, da matemática ou do coração.

Escolher um curso. Escolher uma universidade ou politécnico. Escolher uma outra cidade. Para viver. Dos dezoito anos aos vinte e poucos. Para crescer. Para mudar. Por dentro e por fora. Para olhar a partir de outro ponto. Noutra terra. Com outra terra. Tornando-se parte de outra terra.

Escolher um curso. Escolher uma universidade (deixemos, por agora, os politécnicos). Escolher uma cidade. Escolhas num país assimétrico, como são todos os países. Escolher uma universidade no interior ou do interior. Ainda que este seja um interior à escala de Portugal. Ainda que este se tenha aproximado do mar por estradas e autoestradas.

Escolher uma universidade no interior. Tornou-se possível, a Sul, em 1973, com a reinstauração da Universidade em Évora. Tornou-se possível no Centro e no Norte quando, em 1986, Covilhã e Vila Real ganharam Universidades. Universidades públicas. Porque a iniciativa privada gravita em torno dos grandes centros e da orla costeira.

Hoje, é possível estudar Medicina na Covilhã. Ou Engenharia Mecânica. Arquitetura em Évora. Ou Música. Matemática Aplicada em Vila Real. Ou Medicina Veterinária. Hoje, é possível estudar Línguas, Economia, Psicologia ou Gestão, em qualquer uma delas. Educação ou Design, em algumas. E também Química, Biologia; Ciências da Terra, Informática, Engenharia Civil, Sociologia.

Estudar no interior. Compreender o interior. Viver o interior. Pessoas. Empresas, autarquias e associações. Paisagem e Clima. Estudar, estagiar, talvez trabalhar. No interior de que agora, uma vez mais, tanto se fala. Numa estranha figura que prolifera. Assim como que a modos de uma terceira-pessoa-indefinida-imperativa-condicional. Alguém deveria ir para o interior! Alguém deveria promover o desenvolvimento do interior! Alguém deveria criar condições públicas para o interior ser privado, ou para ser privadamente atrativo! Uma estranha figura em que a primeira pessoa prima pela ausência, limitando-se ao papel de narrador-comentador. A primeira pessoa não quer ir para o interior. Não quer ser interior. Quando muito quer ir ... e voltar.

Estudar no interior. Compreender o interior. Viver o interior. Hoje, é possível escolher um qualquer curso no interior. Bem, não exatamente! Há algo que falta, notoriamente. Sim, falta Física, mas não é a esse que me refiro! Falta um curso que tem mais de 2600 vagas por ano, em todos os anos. Um curso em que as vagas privadas ultrapassam as públicas. Um curso em que 4 de cada 5 vagas estão em Lisboa e no Porto. Em que, numa só instituição, são 560 novos estudantes em cada ano. Um curso nas (das) grandes metrópoles. Apesar de não se vislumbrar uma razão intrínseca para tal. Apesar de não requerer grande investimento, seja em infraestruturas ou equipamento. Docentes e alunos. Profissionais e futuros profissionais. Atores, num domínio crítico para todos nós. Decisores e futuros decisores, muitos deles. Todos concentrados. Rumando para o litoral, ou aí permanecendo. Não fazendo o caminho inverso. Pessoas que passaram a ter olhos de Lisboa e do Porto, de Coimbra e de Braga. Com as suas modas e modos. Pessoas que, durante a sua formação, não ganharam olhos de Trás-os-Montes, da Beira Interior ou do Alentejo que não vê o mar.

Estranha singularidade.

No interior, não há Direito!

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Um romance orçamental - 13. Semântica e Matemática

"Até porque o orçamento tem mais do que números. Tem regras. Muitas regras."
https://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/11/um-romance-orcamental-12-europa-dos.html

Regras gerais. Aplicáveis às Universidades Públicas enquanto parte de uma coisa pública maior. Regras específicas. Aplicáveis apenas às instituições públicas de ensino superior. Como as que regulam o recrutamento de trabalhadores. Aspeto sempre crítico na estrutura da despesa. Das Universidades e do Estado. Entre as necessidades e as gorduras. Entre a geração cada vez mais grisalha, ou mais careca, e o rejuvenescimento. Entre a estabilidade e a precariedade. Entre a autonomia das instituições e o comando e controlo da tutela e das finanças.

Recrutamento de trabalhadores nas instituições de ensino superior públicas. É a epígrafe do artigo com o número 35 da Proposta de Lei n.º 100/XIII, Orçamento de Estado para 2018. Artigo organizado em nove pontos. Escrito com 3432 caracteres. Que cabem em 25 tweets básicos. Alguns pacíficos. Outros suscetíveis de gerar controvérsia. Ou pelo menos reparos. Ou, talvez, dúvidas. Confinadas aos círculos restritos da área, das comissões e dos comités, das instituições.

Número 1. "No quadro das medidas de estímulo ao reforço da autonomia das instituições de ensino superior e do emprego científico jovem, as instituições de ensino superior públicas podem proceder a contratações, independentemente do tipo de vínculo jurídico que venha a estabelecer-se, desde que as mesmas não impliquem um aumento superior ao valor total das remunerações dos trabalhadores docentes e não docentes e investigadores e não investigadores da instituição, em relação ao maior valor anual dos últimos cinco anos.".

Começa bem ... No quadro das medidas de estímulo ao reforço da autonomia ... e do emprego científico ... jovem .... Vamos ao sumo, antes de regressar a esta casca que envolve. O que se pretende, de facto? Autorizar as instituições a contratar pessoas. Mas dentro de limites. Não fazendo mais despesa do que em anos anteriores. Vá lá, tendo por referência o ano de maior gasto com pessoal desde 2013. Disposição em tudo análoga há do orçamento em vigor.

Descascando, agora. Não há reforço da autonomia. Não há estímulo ao reforço da autonomia. Não são medidas de estímulo ao reforço da dita. Não se inserem num quadro de medidas de estímulo. Pelo contrário. A Lei do Orçamento continua a ser uma Lei que (de)limita uma parte da autonomia. Aquela que está escrita noutra Lei, elaborada e aprovada no tempo em que o atual Ministro era Secretário de Estado. Uma Lei que confere às instituições de ensino superior público, "autonomia financeira, nos termos da lei e dos seus estatutos, gerindo livremente os seus recursos financeiros conforme critérios por si estabelecidos, incluindo as verbas anuais que lhes são atribuídas no Orçamento do Estado.". Gerindo livremente! Incluindo as verbas do OE!

Continuando a descascar. Esta disposição não tem qualquer ênfase no emprego científico jovem. Para isso teria que (de)limitar ainda mais a autonomia. Impondo condições em matéria de contratações. As estratégias de contratação competem a cada instituição. Posições de topo de carreira, intermédias ou de entrada. Podendo captar jovens ou menos jovens. Substituindo pessoas que se aposentam por outras, necessariamente, mais jovens. É natural que assim seja. Mas não é uma virtude desta regra orçamental.

Vem-me à memória o newspeak orwelliano. Construindo realidades através da linguagem.

Voltemos à qualidade do sumo. O limite imposto. Uma pequena alteração em relação à cópia do ano passado. Com consequências. Na versão em vigor: "desde que as mesmas [contratações] não impliquem um aumento do valor total das remunerações". Ou seja, para um valor limite de 100, os gastos, após novas contratações, não podem superar 100. Parece claro! Na proposta em apreciação: "desde que as mesmas [contratações] não impliquem um aumento superior ao valor total das remunerações". Ou seja, para um valor limite de 100, as novas contratações podem implicar um aumento de ... 100? Parece-me ser o que se conclui desta matemática semântica.

Uma proposta que carece de correção. Semântica. E matemática. Antes que ganhe valor de Lei. À atenção da Comissão de Educação e Ciência. Siga!

E, já agora, simplifique-se o que pode ser simplificado. Tratando de forma igual o que é igual. Use-se "trabalhadores da instituição", quando se pretende abranger todos os trabalhadores, qualquer que seja a sua carreira. Em vez de "trabalhadores docentes e não docentes e investigadores e não investigadores da instituição" (!). Aliás como é feito na epígrafe do artigo. Julgo que ninguém duvidará que docentes e investigadores estão incluídos nos trabalhadores da instituição. Digo eu, que sou um trabalhador não-não.

Deambulemos agora por outros terrenos. Em situação literal. Pisando a terra e a relva. Vendo árvores e jardins. Entrando em edifícios. Com História passada, de séculos ou de meros anos. Vivendo a história no presente, habitados e usados, vazios alguns, em ruínas outros. Começando a escrever a história do futuro. Sonhos e projetos. Â espera de ser presente e, logo depois, passado.

(continua)

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Um romance orçamental - 12. A Europa dos fundos

"E há mais mundo lá fora. Alimentado por investigação. Feita em parceria. Aqui, o lá fora é, quase todo, europeu. A lógica, a da cooperação europeia e a da competição interna. Outras geografias."

O resto do mundo, quanto a dinheiros, é ainda uma miragem. Vá para fora cá dentro. Na Europa de que fazemos parte. Fundos europeus, que são também nossos. Fundos para os quais contribuímos. Fundos que depois é preciso reconquistar. Em competição. Individualmente, ou em parceria. Em cooperação competitiva. Com outras instituições, nacionais e estrangeiras. Contra outras instituições, nacionais e estrangeiras. Liderando ou, mais frequentemente, sendo liderado. Fundos para projetos de investigação, formação ou infraestruturas. Uma outra dimensão da internacionalização. Que requer qualidade. Que requer alianças. Que requer estratégia. Que requer estruturas de apoio. Para aumentar a possibilidade de êxito.

No programa comunitário Horizonte 2020, linha a que chegaremos em breve, ao contrário dos outros horizontes, sempre móveis, sempre à distância, foram aprovados quase 300 projetos com participação portuguesa, só no ano passado. A que corresponderam 125 milhões de euros para o retângulo à beira mar plantado.

Considerando todas as fontes que jorram euros europeus, as 12 Universidades preveem obter 160 milhões de euros, no próximo ano. Cerca de 12% das suas receitas totais. Algo menos do que a entrada correspondente a propinas. À cabeça, quer em valor absoluto quer em percentagem de receita, está a Universidade de Coimbra. Só aí serão mais de 40 milhões de euros, 23% do seu orçamento, um quarto do montante a angariar por todas as universidades. Seguem-se Porto, Minho, Lisboa e Aveiro.

Fatias de receitas. Fatias de despesas. Estas últimas, sobretudo, com as pessoas. O que faz sentido numa área intensiva em cérebro-de-obra-qualificado. Mas este é um assunto que ficará para mais tarde. Até porque o orçamento tem mais do que números. Tem regras. Muitas regras.

(continua)

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Life in the City

"The "Idea of a University" was a village with its priests. The "Idea of a Modern University" was a town - a one-industry town - with its intellectual oligarchy. "The Idea of a Multiversity" is a city of infinite variety. Some get lost in the city; some rise to the top within it; most fashion their lives within one of its many subcultures. There is less sense of community than in the village but also less sense of confinement. There is less sense of purpose than within the town but there are more ways to excel. There are also more refuges of anonymity - both for the creative person and the drifter. As against the village and the town, the "city" is more like the totality of civilization as it has evolved and more an integral part of it; and movement to and from the surrounding society has been greatly accelerated. As in a city, there are many separate endeavors under a single rule of law."

Clark Kerr, Presidente da Universidade da Califórnia (1963), The Uses of the University.

terça-feira, 31 de outubro de 2017

Um romance orçamental - 11. A atração internacional

"Quase três quartos da receita das universidades públicas portuguesas estão aqui, nestas parcelas. As fatias vão-se revelando."
https://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/10/um-romance-orcamental-10-propinas-e.html

Fatias. De dinheiro. Sem cor, mas com origem. Nacional ou Internacional. Da Europa ou de mais além. De instituições ou de alunos. Para estudar ou para investigar. Prosseguindo políticas públicas. Expressas também no relatório do Orçamento de Estado para 2018. Estímulo à internacionalização do ensino superior. Iniciativas de diplomacia académica e científica. Com marca. Study in Portugal. Com marcas. Research in Portugal. Esperando deixar marca.

Visto de um lado. Em termos de orçamento. Com tradução em euros. Em diversificação do financiamento. Em exportação do ensino superior, como se ouve dizer. Em linguagem de mercado. Mas num mercado que não o é. Não o é dentro das fronteiras. Muito menos fora delas.

Visto de outro lado. Em termos de pessoas. Pessoas que vêm e descobrem Portugal. Algumas que ficam. Outras que apenas passam. Mobilidade. Conhecimento. Cruzamento de culturas. Amizades. Paixões. Vidas. O que deixam e o que levam é maior, mais profundo, mais duradouro, do que o valor em euros.

Juntando ambos os lados. Dinheiro e Pessoas. Forma que ganha geometria. Completada com os lados da geografia política. Separando dentro e fora, como todas as fronteiras fazem. Estudante Internacional, com direito a Estatuto próprio. Designação curta. Imprecisa. Aqui as fronteiras são as da União. Estudante Internacional. Estudante externo ao espaço da União. Como se ela fosse uma nação. E o estudante internacional um estudante extranacional.

Propinas. Propinas para Estudantes Internacionais. Propinas que devem ter por referência o custo real da formação. Afinal o principal objetivo do Estatuto. Propinas fixadas por cada instituição. Previsões. Ambições. Expectativas. Para 2018. Com tradução orçamental. Em tabelas. Aqui fica uma seleção das dez fatias mais apetitosas. A peso de euro:

3 783 491 Universidade de Coimbra
1 455 939 Instituto Politécnico de Leiria
1 429 181 Universidade do Algarve
   840 587 Universidade do Porto
   575 689 Universidade de Lisboa
   335 108 Universidade de Aveiro
   300 000 Universidade da Madeira
   209 200 Instituto Politécnico do Porto
   200 000 ISCTE
   195 000 Instituto Politécnico de Bragança

Surpresas e confirmações. Otimismo, realismo, conservadorismo ou acerto de contas de somar e de sumir. Estratégias de atração. Feiras. Divulgação. Embaixadores. É fazer as contas. E as contas mostram um enorme aumento face ao que foi previsto para 2017. Coimbra, que já liderava, de longe, de muito longe, inscreveu um aumento de 50%. Alimentado, certamente, com a corrente que vem do continente irmão, cruzando o Atlântico. alimentado, também, com o valor das propinas, superior ao de várias outras instituições. Segue-se um instituto politécnico, o de Leiria. Com a ambição de duplicar a receita face ao ano em curso. Quase com o mesmo valor, a Universidade do Algarve, que tem revelado maiores dificuldades em captar estudantes nacionais. Apontando para que quase 20% das propinas sejam pagas por estudantes internacionais, a maior proporção de entre todas as Universidades. Porto e Lisboa completam o primeiro quinteto. A acompanhar. Desde logo quando se conhecerem os dados da execução de 2017.

E há mais mundo lá fora. Alimentado por investigação. Feita em parceria. Aqui, o lá fora é, quase todo, europeu. A lógica, a da cooperação europeia e a da competição interna. Outras geografias.

(continua)

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Respect. Full stop.

Across the world.
Looking outside to better view inside.
Posts based upon Mottos, Reflections, Plans and Actions from Universities around the World.

"At our university we research, study and work together in an atmosphere of mutual respect. This collaboration is one of our strengths – and it is very important to me personally that this remains so in the future. Make sure that individual boundaries are not overstepped. Or as our current campaign puts it so concisely: “Respect. Full stop.”
Professor Lino Guzzella, President of ETH Zurich"

ETH Zurich
https://www.ethz.ch/content/associates/campaigns/respekt/en.html


"One of the world’s top-ranked universities has closed its Institute for Astronomy following accusations of bullying. ETH Zurich confirmed that the institute had been shut and that the professor in question had had her doctoral students reassigned to other supervisors while it investigates the claims. The university’s executive board learned of the bullying accusations in February, according to an ETH spokeswoman, and “subsequently conducted interviews with all involved parties”. "These were serious accusations relating to management misconduct. This type of behaviour is not tolerated at ETH Zurich, and the university responded immediately with corrective measures,” she said in a statement."

https://www.timeshighereducation.com/news/eth-zurich-shuts-astronomy-institute-over-bullying-claims

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Um romançe orçamental - 10. Propinas e companhia

"A ver. Estudantes e famílias."
http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/10/um-romance-orcamental-9-maior-fatia.html

Propinas. Devidas por estudantes. Por comparticipação nos custos do serviço de ensino prestados pelas Universidades. Fixadas, pelas instituições, entre um mínimo e um máximo. Dependentes da natureza do curso e da sua qualidade. Verbas que revertem para o acréscimo de qualidade no sistema. Não para a manutenção do nível, não para o funcionamento corrente, mas para o acréscimo de qualidade. De forma mensurável, com indicadores pré-definidos. Isto é o que diz a Lei, velha de 15 anos. Quase imutável, ao contrário de outras que nasceram, mudaram ou morreram. Resistindo. Inconsequente. Porque a realidade diz outra coisa. Consagra as propinas apenas como mais uma receita. Com a qual se conta. No espírito da "diversificação das fontes de financiamento". E a realidade tem muita força. Assume força de Lei já cumprida. Ao contrário de outras.

Propinas. Que se traduzem em milhões de euros. Duzentos e vinte, em números redondos, no total das doze universidades. Dito de outra forma. Um em cada seis euros recebido virá de propinas. É a previsão para o próximo ano, que consta da proposta de orçamento, que resulta das propostas de orçamento.

Propinas que não vêm sozinhas. Os estudantes, as famílias dos estudantes, contribuem mais para as contas das instituições. Por pagamento de taxas diversas. Pelo alojamento em residências, quando deslocados e nelas conseguem lugar. Por comida, em cantinas e bares. Por material de trabalho, em papelarias e livrarias. Tudo isto mais difícil de contabilizar, a partir das tabelas de somar e de sumir. Porque há outros contribuintes nestas categorias, outros utilizadores, outros consumidores. Como os trabalhadores da instituição. Como visitantes vários. Mas, ainda assim, é seguro afirmar que a maior parte depende dos estudantes. Valendo qualquer coisa como quarenta milhões de euros.

Somando. Dotações diretas do Estado, propinas e companhia. Dividindo. Pela receita total. Resultado. 72%. Quase três quartos da receita das universidades públicas portuguesas estão aqui, nestas parcelas. As fatias vão-se revelando.

(continua)

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

In the world of unreason

Em jeito de sátira, à moda de Cambridge. Ano 1908. Um texto quase a completar 110 aniversários. Por Francis Macdonald Cornford. Capítulo 1 - "Warning".

"My heart is full of pity for you, O young academic politician. If you will be a politician you have a painful path to follow, even though it be a short one, before you nestle down into a modest incompetence. While you are young you will be oppressed, and angry, and increasingly disagreeable. When you reach middle age, at five-andthirty, you will become complacent and, in your turn, an oppressor; those whom you oppress will find you still disagreeable; and so will all the people whose toes you trod upon in youth. It will seem to you then that you grow wiser every day, as you learn more and more of the reasons why things should not be done, and understand more fully the peculiarities of powerful persons, which make it quixotic even to attempt them without first going through an amount of squaring and lobbying sufficient to sicken any but the most hardened soul. If you persist to the threshold of old age -- your fiftieth year, let us say -- you will be a powerful person yourself, with an accretion of peculiarities which other people will have to study in order to square you. The toes you will have trodden on by this time will be as the sands on the sea-shore; and from far below you will mount the roar of a ruthless multitude of young men in a hurry. You may perhaps grow to be aware what they are in a hurry to do. They are in a hurry to get you out of the way.

O young academic politician, my heart is full of pity for you now; but when you are old, if you will stand in the way, there will be no more pity for you than you deserve; and that will be none at all.

I shall take it that you are in the first flush of ambition, and just beginning to make yourself disagreeable. You think (do you not?) that you have only to state a reasonable case, and people must listen to reason and act upon at once. It is just this conviction that makes you so unpleasant. There is little hope of dissuading you; but has it occurred to you that nothing is ever done until every one is convinced that it ought to be done, and has been convinced for so long that it is now time to do something else? And are you not aware that conviction has never yet been produced by an appeal to reason, which only makes people uncomfortable? If you want to move them, you must address your arguments to prejudice and the political motive, which I will presently describe. I should hesitate to write down so elementary a principle, if I were not sure you need to be told it. And you will not believe me, because you think your cases are so much more reasonable than mine can have been, and you are ashamed to study men's weaknesses and prejudices. You would rather batter away at the Shield of Faith than spy it the joints in the harness.

I like you the better for your illusions; but it cannot be denied that they prevent you from being effective, and if you do not become effective before you cease to want anything to be done -- why, what will be the good of you? So I present you with this academic microcosmography -- the merest sketch of the little world that lies before you. A satirist or an embittered man might have used darker colours; and I own that I have only drawn those aspects which it is most useful that you, as a politician, should know. There is another world within this microcosm -- a silent, reasonable world, which you are now bent on leaving. Some day you may go back to it; and you will enjoy its calm the more for your excursion in the world of unreason.

Now listen, and I will tell you what this outer world is like."

Cornford, F.M. (First published 1908), Microcosmographia Academica - being a guide for the young academic politician", Published by Bowes & Bowes Publishers Ltd, Cambridge.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Silêncio











Escrito há quase 6 meses. Numa página pública. Em tempo de públicas vozes, depois de um longo silêncio.

“Nota prévia: desconheço, em absoluto, quem serão os candidatos ao Conselho Geral, por qualquer dos movimentos existentes ou de outras eventuais listas que possam ainda surgir. Mas acredito que a UA precisa de um Conselho Geral forte, composto por pessoas preparadas, que conheçam bem a instituição e o sistema científico e de ensino superior, e empenhadas numa tarefa que é difícil e exigente. Acredito que as eleições para o Conselho Geral são muito mais importantes do que uma mera antecâmara para a escolha do futuro Reitor. Acredito nas vantagens de um Conselho Geral aberto a potenciais candidatos a Reitor, única garantia de que se poderá escolher, em tempo próprio, o melhor candidato e o melhor projeto. Acredito que só um Conselho Geral com espírito independente e crítico poderá conferir valor acrescentado à governação da UA, qualquer que seja o Reitor que venha a ser escolhido. Acredito na importância da cooptação de pessoas disponíveis, motivadas e independentes. Acredito que o Conselho Geral deve assumir as responsabilidades próprias consagradas nos Estatutos, numa clara separação de poderes entre órgãos de Governo. Acredito que o Conselho Geral tem de: 1) Prestar contas da sua atuação à Comunidade UA. 2) Comunicar com a Comunidade, o que é diferente de informar; é saber ouvir; é debater; é explicar; é mobilizar; com regularidade. 3) Apreciar, de facto, os atos do Reitor e do Conselho de Gestão. 4) Propor medidas consideradas convenientes ao melhor funcionamento da UA. Olhando para trás, é fácil concluir o que faltou. É possível fazer melhor! É preciso fazer melhor!”

Foi há quase 6 meses. Foram-se as vozes públicas. Fica o público silêncio.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Um romance orçamental - 9. A maior fatia

"600 páginas de tabelas, só para a Ciência e Ensino Superior (...) Com receitas certas, sem margem de erro, como a dotação assumida pelo Estado. Com receitas projetadas, com pouca margem de erro, porque a história também se repete. Com receitas desejadas, mais incertas."
http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/10/um-romance-orcamental-8-sexta-feira-13.html

On. Desenvolvimentos orçamentais. Serviços e Fundos Autónomos. Ministério da Ciência Tecnologia e Ensino Superior. Abrir ficheiro. Menos mal. Apenas quatrocentas e noventa e uma páginas. Em todas as páginas, tabelas. Linhas. Colunas. Números. Subtotais. Totais. Folhear. Para rever a organização. Para validar a abordagem imaginada.

Selecionar. Doze Universidades públicas. Todas elas abrangentes em termos de área de formação. Açores e Madeira; Algarve e Évora; Lisboa, "velha" e Nova; Coimbra e Aveiro; Beira Interior e Trás-os-Montes; Minho e Porto. Deixo de fora a Universidade Aberta, espécie distinta, e o ISCTE, que é um Instituto Universitário.

Pesquisar. Ctrl-F. Uma a uma. Seguinte. Páginas com receitas e despesas. Focar. Sobre as receitas. Contas de somar, do lado das instituições. Gota a gota. Classificadas. Por nascentes, de onde os euros escorrerão. Receitas gerais; receitas próprias; transferências da Administração Pública; fundo europeu de desenvolvimento regional; fundo de coesão; fundo social europeu; fundo europeu de orientação e garantia agrícola; outros.  Classificadas. Rios, riachos, regatos. Programas; medidas; rúbricas.

Ampliar. Receitas gerais. Ampliar mais. Transferências correntes do Estado. Traduzir. Receitas certas. Previamente comunicadas às Universidades. Inscritas no Orçamento de Estado. A atribuir sem contrapartidas. Para fazer face a despesas correntes ou sem afetação pré-estabelecida. Baseadas sobretudo no passado. Sem grandes explicações. Sem relação com a atividade. Sem relação com o mérito. Porque sim. Porque tem sido assim.

Extrair. A fatia de cada "Dotação de OE". A fatia certa. Doze fatias. De tamanhos diferentes. Cortar e Colar. Euros, em milhões. De um ficheiro para outro. Cortar e Colar. De texto para cálculo. Transformando os caracteres em números. Cortar e Colar. Para fazer contas.

Pesar. Comparar. Receitas totais que vão de 18 milhões, na Madeira, a mais de 350 milhões na grande universidade de Lisboa. Bolos muito diferentes. Mas com semelhanças. Calcular. Comparar. Receitas gerais sobre receitas totais. Percentagens. A dotação de OE é a maior fatia, em todos estes bolos. E, em quase todos, atinge a maioria absoluta. Mais de 50% das receitas. Observar. Extremo superior. Açores, Madeira e Beira Interior. 75%, 64%, 63%. Observar. Extremo inferior. Exceções. Duas, apenas. Coimbra, a Universidade que já atravessou séculos. Minho, nascida nos anos 70 e uma Universidades-Fundação de segunda leva. Duas fatias proporcionalmente iguais. 46%. Tendências. Valores que podem subir, se houver reforços para despesas com pessoal.

Refletir. Números. Nem bons, nem maus. São números. Que podem ajudar a contar histórias. Com diferentes sentidos. Dependendo do ponto de vista. Fundações, privatização, desinvestimento do Estado. Não parece ser o caso. A fundação Minho está a par da não-fundação Coimbra. A Fundação Porto apresenta maior peso do Estado do que a não-fundação Algarve. Universidades públicas com dotações públicas. Há quem concorde e quem discorde. Papel do Estado; diversificação de fontes de financiamento; contributo da economia; valorização económica do conhecimento; ensino gratuito. Dependência ou proclamação independentista; afirmação de um estatuto empreendedor; condição para transformação em fundação; vocação, estratégia ou tática; instrumento de marketing. 50%. Número mágico. Número sem poderes mágicos.

A ver. Estudantes e famílias.

(continua)

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Um romance orçamental - 8. Sexta-feira, 13

"O dia em que o Governo entregará, na Assembleia da República, a proposta de Orçamento de Estado para o próximo ano. Amanhã. Sexta-feira. 13."
http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/10/um-romance-orcamental-7-preterito.html

Sexta-feira 13.

Sai, ou entra, uma Proposta de Lei. Depende do ponto de vista. 260 Artigos. 21 Mapas de receitas e despesas; de serviços integrados e de serviços e fundos autónomos; por classificação económica,  orgânica e funcional; correspondentes a programas ou repartidos por regiões; com transferências para regiões autónomas, municípios e freguesias. Mais 1 Relatório.

Sai, ou entra, outra Proposta de Lei. Depende do ponto de vista. Esta com as Grande Opções do Plano. Agrupadas em temas. Qualificar. Promover. Valorizar. Modernizar. Reduzir. Reforçar.
Qualificar os Portugueses. Promover a Inovação na Economia Portuguesa. Valorizar o Território. Modernizar o Estado. Reduzir o Endividamento da Economia. Reforçar a Igualdade e Coesão Social. Em texto corrido. Em parte, grande, igual ao que compõe o Relatório do Orçamento.

E há mais. Para quem se der ao trabalho de procurar. Noutros sítios. Mapas informativos. Desenvolvimentos orçamentais. Dos Serviços Integrados. E dos Serviços e Fundos Autónomos. de cada serviço. Um a Um. Ministério a Ministério. 600 páginas de tabelas, só para a Ciência e Ensino Superior. Gabinetes. Fundações. Fundos. Universidades. Politécnicos. Escolas. E mais uns quantos. Permitindo outro olhar sobre o que se prevê. Não em termos de atividade, mas em termos de dinheiro. Circulante. De onde vem. Para onde vai. Com receitas certas, sem margem de erro, como a dotação assumida pelo Estado. Com receitas projetadas, com pouca margem de erro, porque a história também se repete. Com receitas desejadas, mais incertas. Com despesas certas, sem margem de erro, com pessoas reais. E outros gastos que são fixos. Com despesas projetadas, com pouca margem de erro, porque a história também se repete. Com despesas antecipadas, mais incertas, a aguardar por receitas.

Vão seguir-se as apreciações e votações. Primeiro na generalidade, a 2 e 3 de novembro. Depois na especialidade, num corrupio de comissões e de presenças ministeriais. Durante duas semanas. Quase um mês depois da sexta-feira 13, será a vez do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, numa terça 14. Em simultâneo irão sendo preparadas propostas de alteração. Inúmeras, certamente. Por convicção ou para mostrar serviço. Já negociadas ou a negociar. Para marcar a consonância, disfarçar a diferença ou assumir a divergência. Encenações ensaiadas. Coreografias de rotina. Improvisos. Porque, afinal, há sempre mais do que um caminho. E há mesmo muitos, quando se discutem pormenores. Seguem-se os guiões, elaborados como auxílio à navegação no labirinto formal. Preparando as votações. Em bloco ou alínea a alínea. Com intervenções a favor e contra. Primeiro na especialidade. Até à votação final global. Quase no fim de novembro. E, depois, mais duas semanas, para fixar a redação do orçamento. Tentando que tudo faça sentido. Textos e mapas. Da origem e das alterações. Sem erros grosseiros, espera-se. Sem gralhas, deseja-se. Com uma interpretação clara, anseia-se. Para Presidente ver. Para começar a 1 de janeiro de 2018.

(continua)

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Um romance orçamental - 7. Pretérito imperfeito

"Continuemos a procurar compreender. Mais próximo da origem das espécies. Em livros com vozes dentro."
https://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/10/um-romance-orcamental-6-das-especies.html


Livros e vozes. Vozes de Presidentes de Conselhos Gerais (1). Vozes de Conselheiros que não são Presidentes (2). Vozes do passado. Falando sobre os primeiros anos de atividade dos Conselhos. O que fizeram e o que não fizeram. O como e o porquê. Inquiridas por terceiros, para retratar o modelo de governação das universidades e politécnicos nascido em 2007. Com órgãos mais pequenos. De composição formatada. Com diferente distribuição de poder.

Escutemos os Conselheiros. Muitos. Mais de centena e meia. Eleitos. Que se voluntariaram para o cargo. Que deram o passo em frente, para exercer as competências definidas na Lei e nos Estatutos. Dizem que há competências difíceis de exercer. Sobretudo as financeiras. Como a aprovação do orçamento e das contas. Alguns assumem que não são competentes para o fazer. Que lhes falta conhecimento e ferramentas. Outros identificam lacunas de informação. Dados não disponibilizados por quem de direito. E há mesmo os que, como solução, preconizam retirar esta competência ao Conselho Geral.

Escutemos os Presidentes. Os 17 que se pronunciaram sobre a aprovação do orçamento, uma competência que consideram da maior importância. Pessoas que vieram de fora. De fora das instituições. Da sociedade civil. Com opinião crítica. Mais de metade desagradados com o processo. Pelos constrangimentos e orientações ministeriais. Por falta de tempo. Por falta de dados. Por desconhecimento. Por falta ou limitações de mecanismos internos de gestão financeira. Aprovação feita, afinal, por rotina. Com base na confiança ou com base na impossibilidade de alterar. Também aqui há vozes que sugerem alterações de competência. Passa a responsabilidade sobre o orçamento para o Reitor. Cometer ao Conselho a análise do cumprimento e execução.

Vozes dos protagonistas, que ajudam a compreender. Ainda que as críticas possam ser desabafos.
Ainda que não conheça nenhuma proposta, das Universidades, para uma alteração legal no sentido enunciado. Ainda que ...

Probabilidades. Possibilidades. Imaginando. Sem ordem nem preferência. Um. Uma revisão da Lei. Lei que já devia ter sido avaliada. Em 2012. Diz ela própria, no artigo com o número cento e oitenta e cinco. Noves fora cinco. E já passaram mais cinco anos. Avaliação anunciada, mas não realizada. Revisão antecipada, mas não efetuada. Que permitiria alterar competências. Removendo dificuldades. Mantendo o status quo. Dois. Conferir verdadeira autonomia orçamental. Cabendo ao Estado definir quanto contribui para cada instituição. Cabendo a estas gerir livremente os recursos financeiros, elaborando e executando os seus orçamentos. Soa familiar! Pois, têm razão... isto já consta do regime jurídico em vigor. Três. Alterar os calendários. Conferir mais tempo para a elaboração e apreciação do orçamento. Numa nova coreografia geral. Politicamente assumida. Quatro. Proporcionar formação aos Conselheiros. Para que aprendam, o que não sabem. Para que aprendam o que precisam. Para que aprendam ao longo da vida. Nada de mais, para mandatos plurianuais. Nada de mais, para instituições do conhecimento. Nada de mais, para instituições com cursos, de formação inicial e avançada, em finanças e contabilidade, pública e privada. Nada que não se faça já, fora destas paredes. Acontece em empresas, mas também em Universidades, noutras paragens. Basta querer. Basta querer aprender. Cinco. Ter candidatos mais competentes. Que possam exercer as competências. Que queiram exercer as competências. Que considerem importante aprovar, ou rejeitar, o orçamento. Com fundamentos. Seis. Aproveitar os saberes de todos os membros. Através de reuniões mais regulares, se necessário. Através de grupos.  Através de apoio técnico, quando adequado. Através de apoio permanente, se indispensável. De modo efetivo e não de modo cerimonial. Sete. Reunir em julho para definir um quadro orçamental preliminar. Com linhas de várias cores. Vermelhas, azuis ou, frequentemente, cinzentas. Em diferentes tons de cinza. Linhas contínuas ou tracejadas. Inultrapassáveis ou permeáveis. Reunindo em agosto, se for esse o calendário. Reunindo de emergência, se o prazo assim o impuser. Para ter voz.

Sete. Número mágico. Ou número limite, por falta de mais imaginação. Sete futuros ainda sem presente. Mas o tempo não para, irreversível. Voltemos, então, ao futuro quase presente. Regressemos a amanhã. O dia. O dia em que o Governo entregará, na Assembleia da República, a proposta de Orçamento de Estado para o próximo ano. Amanhã. Sexta-feira. 13.

(continua)

(1) Conselho Nacional de Educação (2013), "Autonomia e Governança das Instituições Públicas de Ensino Superior". (2) Oliveira, António Cândido; Peixoto, Paulo; Silva, Sílvia (2014), "O papel dos Conselhos Gerais no Governo das Universidades Públicas Portuguesas: a lei e a prática", Imprensa da Universidade de Coimbra e Núcleo de Estudos de Direito das Autarquias Locais.



segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Um romance orçamental - 6. Das espécies

"O Conselho Geral aprova, portanto, internamente, a proposta de orçamento. As águas parecem límpidas. Realidade real?"
https://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/10/um-romance-orcamental-5-o-conselheiro.html

Mergulhemos, então, nas ondas. Virtuais. Sustendo o fôlego. Abrindo os olhos. Em busca de vestígios. Comunicados, deliberações ou atas. Documentos públicos de instituições públicas. Feitos. Depositados. Talvez esquecidos. Desconhecidos de muitos. Desconhecidos de quem, habitando a superfície, não vê mais do que espuma.

As águas e os fundos revelam-se, diversos. Em alguns, nada se encontra. A navegação, medida nuns quantos clicks, nada mostra. A luz não penetra sob a superfície. Só com equipamento próprio se pode avançar. Máscara, garrafas, holofotes. Pedidos, pessoas, autorizações formais. Sem isso, nada feito. Outros fundos têm recantos, recortados, alguns dos quais inacessíveis a quem vem de fora, sem guia. É preciso ser um dos locais. Ter a palavra-chave. Mas há, felizmente, aqueles ao alcance de um qualquer explorador amador. Para apreciar, registar e comparar. Para que faça sentido, uma vez de volta à superfície. Foi nestes últimos que encontrei espécies várias. Exemplares com não mais do que quatro anos.

Em maior abundância, o Conselho Geral que aprova propostas já submetidas. Propostas formalmente apresentadas pela instituição. No melhor dos casos, não que faça grande diferença, pronuncia-se antes ainda da discussão do Orçamento de Estado. Frequentemente, tal acontece já depois da Assembleia da República ter deliberado. O Conselho aprova, assim mesmo. Sem mais. Sem qualquer outra referência. Sem nota de rodapé ou reflexão crítica. Quanto ao processo e às competências. Às suas próprias competências. Exercidas ou por exercer. Estranhas criaturas, mais parecendo do domínio da ficção.

Mas há mais. Outras espécies assinalam a falta de sincronização dos ciclos biológicos, o do Estado e o da Universidade. Instruções tardias e complexas. Prazos curtos. Que levam à submissão, por outrem, das propostas de orçamento. Sempre. Transferindo, de facto, a competência que a Lei confere aos Conselhos Gerais.  Mecanismos que levam a que quem devia aprovar apenas ratifique. Ratificação acompanhada por protestos. Com diferentes cambiantes. Protestos episódicos, em forma de "desconforto" ou "lamento". Protestos sistemáticos e vigorosos, em forma de "repúdio". Protestos individuais. De cada um. De espécies que não formam cardumes.

E este ano deu-se um novo avistamento. Uma espécie com comportamento invulgar. Mais agressivo, diriam alguns. De consequências ainda por antecipar. Não submeter a proposta de orçamento no tempo concedido. Mas, também aqui, a decisão já havia sido tomada por outros. Por impossibilidade de ter contas realistas, de somar e de sumir. Restando ao Conselho suportar a dita. Comportamento inédito, de facto. Mas, afinal, não surge em defesa do exercício da sua competência própria.

Espécies sazonais, todas elas. Nunca avistadas em agosto. Raramente vistas em julho. Independentemente do ambiente. Mais tenso ou menos tenso. Em épocas de crise, equilíbrio ou crescimento. Espécies num ecossistema que requer intervenção. Na autonomia, nas competências ou no modo de operar. Para que se estabeleça, pelo menos, uma relação de comensalismo. Com benefício do Estado, sem prejuízo da Universidade. Para uma realidade real.

Continuemos a procurar compreender. Mais próximo da origem das espécies. Em livros com vozes dentro.

(continua)

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

A Universidade como deve ser

Título de um livro. Uma das leituras em curso. Da autoria de António Feijó e Miguel Tamen, para a série de ensaios publicados pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Porque importa pensar a Universidade e as universidades.
Porque há quem imagine fazer diferente.
Porque é possível ser diferente.

"Este livro foi pensado para pessoas que nunca perceberam bem como funciona uma universidade em Portugal; ou para pessoas que só ouviram falar desse funcionamento através dos jornais; e também para pessoas que sabem bem como funciona uma universidade em Portugal, mas que nunca imaginaram que pudesse funcionar de outra maneira; e finalmente para pessoas que também imaginaram outros modos de funcionamento para as universidades em Portugal.".

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Um romance orçamental - 5. O Conselheiro Blogger

"Mas, afinal, quem aprova os orçamentos?"
http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/09/um-romance-orcamental-4-sob-pressao.html

Pergunta feita, quase nestes termos, noutro lugar. Junto às águas do rio. Que se chama Duero, onde nasce, e Douro onde se põe. Águas. À superfície e debaixo dela. Águas. Passando sob as pontes. Águas no Conselho Geral. Linguagem figurada.  Linguagem real. Águas, apelido de conselheiro. Na Universidade a Norte do rio. Águas, apelido de blogger. O mesmo Águas. Com a missão assumida de informar sobre o que se passa no dito órgão. Conselheiro e Blogger. Conselheiro Blogger.

"Pergunto: legalmente não é Conselho Geral quem tem que aprovar o orçamento da sua Universidade para 2018 ?".  Pergunta retórica. O Conselheiro conhece as competências do órgão. Escritas no Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior. Reproduzidas nos Estatutos das Universidades.

Compete ao Reitor elaborar e apresentar ao Conselho Geral a proposta de orçamento. Compete ao Conselho Geral, sob proposta do Reitor, aprovar esta proposta. E, nas Universidades-Fundação, compete ao Conselho de Curadores, homologar a deliberação do Conselho Geral a este propósito. Aprovação de uma proposta de orçamento, na redação da Lei, em vigor há uma década, assinalada neste setembro que passou. Proposta que passa a ser a da Universidade. Proposta submetida. Proposta que passa a integrar outra proposta. A do Orçamento de Estado. Por sua vez submetida pelo Governo. À Assembleia da República. Para que possa ser discutida, alterada e aprovada. E apresentada ao Presidente da República. Para análise e promulgação.

O Conselho Geral aprova, portanto, internamente, a proposta de orçamento. As águas parecem  límpidas. Realidade real?

(continua)

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Reality check pós-eleitoral

Intervalo. Para além dos discursos, euforias e desilusões da noite eleitoral.

Tomemos o concelho de Aveiro como exemplo. 70.482 eleitores inscritos. Tomemos, também, os votos em cada partido, aqueles que contam para atribuir mandatos. Depois, é só fazer as contas. Ver o resultado. E ler o resultado.

Resultados. Em primeiro lugar e com uma robusta "maioria absoluta" de 23,8% - sim, com uma "maioria absoluta" inferior a um quarto dos eleitores -, a coligação PPD/PSD + CDS-PP + PPM. Em segundo lugar, com 15,2%, ou seja, merecendo menos de 1 voto por cada 6 inscritos, o PS. Depois vem o BE, com 3,3%, PCP-PEV com 2,0% e PAN com 1,6%. Os votos em branco, de quem, votando, escolheu não escolher nenhuma das alternativas, superaram os votos no PCP-PEV.

Fim de intervalo. Pode continuar a festa.

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Um romance orçamental - 4. Sob pressão

Capítulo anterior: http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/09/um-romance-orcamental-3-o-contrato.html

Flashes. Agosto... Altura de preparar o orçamento para o ano seguinte... Ouço vozes... Multiplicando-se... Subfinanciamento... Não estávamos em condições de preencher a plataforma... Todos os orçamentos estão submetidos na plataforma... Não recebemos o valor suficiente para pagar os ordenados... É essencial que o Governo cumpra o contrato...

Orçamento em preparação. Orçamento em negociação. Sob pressão. Sempre. Por menos cortes. Ou por mais aumentos. Dependendo da conjuntura. Afetando uns ou outros. Serviços, grupos, pessoas. Sob pressão. Universidades, Politécnicos e Ministro respetivo. Sindicatos. Associações. Bolseiros. Cada Ministro e Ministro das Finanças. Ministro das Finanças e Primeiro-Ministro. E partidos. E deputados. Que apoiam. Que apoiam, às vezes. Que se opõem. Sempre ou só às vezes. Por convicção ou porque sim.

Negociação. Sob pressão. Sempre. Desejada, em doses certas, para ganhar espaço, em Conselho de Ministros ou apenas face aos seus. Sob pressão. Encenada, em doses certas, para conduzir, de forma estratégica ou apenas tática. Sob pressão. Exigências. Cedências. Combinadas para mostrar firmeza ou para mostrar flexibilidade. Só que não há doses certas. Nem tudo é teatro. Nem tudo é controlável. Há outras vozes. E ainda bem.

Todos os orçamentos estão submetidos na plataforma, disse o Ministro. Mas a negociação continua. Sob pressão. Na praça que se faz pública. À margem de eventos. À mesa de um jantar discreto. Em reuniões anunciadas. Em reuniões dissimuladas. Em reuniões que não existiram. Através de recados trazidos por intermediários que não comprometem nem se comprometem.

Todos os orçamentos estão submetidos na plataforma, disse o Ministro. Mas, afinal, quem aprova os orçamentos?

(continua)

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Um romance orçamental - 3. O contrato

Do episódio anterior: "Ouço vozes. (...) "É essencial que o Governo cumpra o contrato que assinou com as universidades.""
http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/09/um-romance-orcamental-2-ouco-vozes.html

O contrato! Aquele contrato! Solene. Com dezanove assinaturas. Quatro são de Ministros. Firmado aos dezasseis de julho do ano da graça de 2016, no Paço Ducal da Casa de Bragança, sito na cidade-berço da nacionalidade. Entre paredes que representam, só ali, seis séculos de História. Bem mais, se olharmos para o Castelo, ou para a Condessa Mumadona Dias, virada para o Paço, feita estátua, devolvendo-nos o olhar.

Será este um contrato para ficar para a História? Para qual? A curta ou a longa? Para a dos contratos das Universidades-Fundação de primeira geração, também solenemente celebrados e, desde logo, não cumpridos por sucessivos governos? Para a de um outro contrato, a que até chamaram "de Confiança", que desapareceu sem deixar rasto? Veremos. Talvez já no orçamento de 2018.

Mas deixemos o tempo que já passou e o tempo que ainda não veio. Voltemos ao tempo presente. Ao que diz o contrato, em vigor. E que vigorará para a legislatura, dizem, e escreveram, Governo e Universidades, de comum acordo.

O Governo que governa compromete-se a não baixar as dotações do Orçamento de Estado. Menos mal. Nada que permita enfrentar o tão falado subfinanciamento. Nada que diga como o dinheiro é repartido entre as Universidades. Presume-se que mantendo o que vem de outra história. Nada diz sobre um financiamento calculado por fórmula. Mas é melhor que os cortes do passado. E espera-se que impeça cortes no futuro. Mas há mais. O governo compromete-se a suportar os aumentos salariais que determinar. E mais ainda. Compromete-se a suportar os "montantes necessários à execução de alterações legislativas com impacto financeiro que venham a ser aprovadas". Aqui parece caber todo um mundo. Como a contratação imposta de doutorados. Ou a regularização de precários. Ou outras disposições legais que afetem as carreiras. O Governo, cujas dotações não suportam o encargo de todos os trabalhadores das Universidades vai suportar, na íntegra este novo mundo. Não é pagar para ver. Ou não devia ser. O compromisso é só pagar. A menos que haja outras interpretações, com ou sem vírgulas. Já que letras em caligrafia reduzida e notas de rodapé não existem.

As Universidades, por seu turno, comprometem-se a fazer mais. Mais sucesso. Mais alunos a contactar com investigação. Mais alunos. Mais dinheiro privado. E quanto toca a dinheiro aparecem metas. Neste caso, o aumento terá de ser o dobro do crescimento do PIB. Metas que se reportam a 2020. Mas há mais ainda. Irão reduzir ou eliminar o recurso a bolsas de pós-graduação após três anos de trabalho doutoral. Tudo objetivos de equipa, de todas as instituições. Fica por saber o que acontece em caso de incumprimento, geral ou individual das ditas. Mas isso será lá mais para 2020. Tempo de outro Governo, que até pode ser o mesmo. E também deste lado há mais ainda. As Universidades criarão um mecanismo de entreajuda financeira para gerir situações de desequilíbrio financeiro. Mais uma vez mete dinheiro, E portanto mais detalhes. Um fundo para onde vai 0,25% da dotação de cada uma.

Contrato a avaliar. Com relatórios a submeter pelo Conselho de Reitores. Sobre todos os pontos do contrato. Todos os seis meses. Sujeitos a escrutínio público, com a mesma pompa? Não me parece.

Seja como for este contrato cria uma outra paisagem, que serve de fundo às vozes.

(continua)

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Um romance orçamental - 2. Ouço vozes

Do episódio anterior: "2017. Agosto. Este ano como poderia ser outro. É altura de preparar o orçamento para o ano seguinte."
http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/09/um-romance-orcamental-1-agosto.html

Preparar o orçamento. Um orçamento. Muitos orçamentos. Mais de trinta entre Universidades, Institutos Universitários, Institutos Politécnicos e Escolas. A que se somam mais uns quantos, por via de desdobramentos ao sabor da organização de cada instituição.

Preparados no recolhimento dos gabinetes e dos computadores. Fechados. Submetidos. Dígitos enviados para o mundo digital. Dígitos com poder sobre vidas reais. Autenticados, com sinete que não deixa marca. Lacrados, com cera que já não cheira. Para que não sejam alterados. Ainda invisíveis aos nossos olhos. Até serem revelados, nos idos de outubro.

Restam as vozes.  Multiplicando-se. Reitores e Presidentes, Conselheiros, Estudantes, Deputados, Comentadores, Sindicatos. Nos jornais, na rádio, na televisão, na esfera digital. Falando do que ainda não conhecemos. Dirigidas a todos para chegar a alguns. Deixando adivinhar. Com cambiantes, nuances, paletes de cor. Avanços e recuos. Entendidos e Subentendidos. Induzindo. Conduzindo.

Ouço vozes. Menos vozes, ainda assim, do que o número de orçamentos. Procuro compreender. Ver para lá da neblina. Removendo os cabeçalhos que iludem. Removendo os filtros que ditam o tempo do direto ou do diferido. Removendo os filtros que determinam a dimensão do texto. Removendo os filtros das perguntas que querem ser respostas. E escavo a terra, em busca dos contextos que se escondem.

Escuto as vozes.

"Subfinanciamento".
"Não estávamos em condições de preencher a plataforma da Direção-Geral do Orçamento, ou mais exatamente, estávamos impossibilitados, pelas regras da contabilidade e pela lei de as preencher".
"Na altura própria falaremos de orçamentos mas esse assunto não é um caso, porque todos os orçamentos estão submetidos na plataforma informática e lacrados".
"O senhor ministro veio dizer que não havia problema porque há o orçamento do ano passado, só que o orçamento do ano passado também não serve".
"Expresso o reconhecimento pela celebração, em 2016, do Contrato de Confiança entre o Governo e as universidades".
"Subfinanciamento crónico".
"O orçamento foi entregue no prazo exigido, mas a DGO pedia indicação do valor de receitas próprias que estaríamos disponíveis perante a progressão de carreiras na função pública, e a isso respondemos zero euros".
"Se tivessem pedido para dizer se o Politécnico tem hipótese de comportar esta alteração, então teria dito que não, não tem".
"É essencial que o Governo cumpra o contrato que assinou com as universidades".
"Subfinanciamento estrutural das instituções que deveriam receber mais 100 milhões de euros".
"As associações de estudantes pedem, com caráter de urgência, um aumento do investimento, através da OE'2018, nas residências dos serviços de ação social".
"Com a queda progressiva das dotações, vimos assistindo a uma queda sensível nas verbas para o funcionamento normal, incluindo a conservação das instalações".
"Asfixia financeira".
"Garantir, pelo menos, o fim da suborçamentação dos serviços públicos".
"Não recebemos sequer o valor suficiente para pagar os ordenados".
"Se tomarmos o referencial de receitas e despesas de todos os estabelecimentos do ensino superior público temos um superavit de 67 milhões. É compreensível?".
"Há subfinanciamento face àquilo que é o desempenho e a qualidade das nossas universidades".
"O financiamento histórico das instituições de ensino superior favorece os interesses instalados".
"Nesta fase não entramos em mais detalhes, até o orçamento ser apresentado no Parlamento".
"A minha expectativa é que se cumpra o acordo que assinámos no ano passado com o Governo".

(continua)

sábado, 23 de setembro de 2017

Um romance orçamental - 1. Agosto

2017. Agosto. Este ano, como poderia ser outro. As Universidades entram em hibernação. Sim, são criaturas que hibernam no Verão, como é sabido. Os estudantes, antecipando-se, na sua pressa, haviam já iniciado o fluxo migratório, à medida que acabava o último exame, o último trabalho, a finalização de uma tese. De volta ao ninho ou a outras paragens. Em setembro farão o percurso inverso. Menos alguns que terão acabado o percurso. Mais alguns que irão começar um novo caminho.

2017. Agosto. Este ano, como poderia ser outro. Os docentes entram num período de maior flexibilidade, em que os prazos são outros, que não os das aulas e avaliações. Tempo para artigos e livros, conferências e viagens, projetos novos ou antigos, preparação de uma nova cadeira ou reparação da cadeira habitual. E para férias, também. Em quase todos os serviços é tempo de pausa, apagam-se as luzes, desligam-se os computadores e fecham-se as portas, por pelo menos um par de semanas.

2017. Agosto. Salas vazias. Corredores quase desertos. O silêncio ganha o espaço que tantas vezes lhe falta. O silêncio instala-se, confortavelmente. Nas cadeiras e gabinetes. Estendendo-se nos laboratórios. Vagueando por entre livros fechados, cheios de palavras também elas silenciosas.

2017. Agosto. Ainda e sempre ficam alguns irredutíveis, por opção ou por obrigação. Porque há coisas que não podem parar. Porque às vezes é a melhor altura para trabalhar.

2017. Agosto. Este ano como poderia ser outro. É altura de preparar o orçamento para o ano seguinte. Instruções vindas de cima, de baixo ou do centro, consoante a perspetiva. Sempre iguais, mas sempre diferentes. Contas de somar e de sumir. Receitas e despesas. Certas e incertas. Um fato que nunca parece estar à medida, efeito dos excessos e das dietas. Um orçamento provisório, para juntar a muitos outros. Para ser negociado e alterado. Para ser entregue na Assembleia da República. Para ser negociado e alterado. Para ser aprovado. Para ser executado.

(continua)

domingo, 17 de setembro de 2017

Em modo de aprendizagem

"One of the most difficult things to learn - and one of the last things we ever learn about ourselves - is the personal impact we have on those around us."

Peter McCaffery (2004), "The Higher Education Manager's Handbook, effective leadership and management in universities and colleges", RoutledgeFalmer.

sábado, 16 de setembro de 2017

Nota positiva: cursos e emprego

O Expresso de hoje tem um artigo, da autoria de Cátia Mateus, intitulado "Estes são os cursos com menos desemprego". Um trabalho que parte das estatísticas disponibilizadas pela Direção-Geral de Estatísticas  da Educação e Ciência  (DGEEC), mas que não se fica por aí: analisa os dados criticamente, avança para outros tratamentos da informação e apresenta as limitações inerentes às próprias estatísticas. Um bom exemplo! Em particular quando emprego, desemprego e empregabilidade de cursos são, tantas vezes, incorretamente apresentados ou mal compreendidos.

Aqui ficam as limitações enunciadas:

"A contabilização da DGEEC calcula a empregabilidade dos cursos em função do número de diplomados inscritos nos centros de emprego. Ora, nem todos os diplomados desempregados estão registados no IEFP.

As percentagens apresentadas na plataforma Infocursos têm por base o número de diplomados que cada instituição formou entre 2012 e 2015, registando assim um desfasamento temporal de dois anos em relação ao contexto atual do mercado laboral.

A estatística não diferencia os cursos pela dimensão do seu universo de formandos, agregando na mesma lista cursos que formam 20 diplomados por ano, e outros que colocam no mercado centenas de profissionais anualmente. Além disso, diplomados que concluíram o curso em anos diferentes.

Não é possível, a partir destes dados, apurar o grau de experiência profissional dos desempregados, nem perceber se alguma vez chegaram a trabalhar na sua área".

E mais poderia ser dito. Os dados do desemprego nada revelam sobre a qualidade do emprego, sobre se os licenciados empregados o estão na sua área de formação, etc., etc.

Assunto que já passou por aqui e por outras ondas: http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2015/06/empregabilidade.html

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Sente-se inspirado? Sente-se inspirador?


Inspirar. Ser inspirado.
Libertar. Ser liberto.
Desafiar. Ser desafiado.
Encorajar. Ser encorajado.

Duas faces?

Deixar respirar. Respirar.
Respirar o mesmo ar.

Uma face!


"The first theme is composed of leadership (encouraging staff to take more initiative and responsibility for greater achievement) and managerial structures (simplifying the hierarchical structure and bureaucratic processes), as illustrated here:
This is where, I think, you get the distinction between a good university and a great university. A great university is one where the leadership inspires, where the leadership encourages, where the leadership is seen as one of us, but leading us on. If your university management doesn’t inspire, doesn’t encourage people intellectually, then, we see ourselves as being more independent rather than the group progressing on. I don’t think you can underestimate how important it is for the university’s management… leadership. The inspiration they can provide is absolutely essential for a positive climate (Professor 1, Arts & Humanities)."
Baris Uslu (2017), "The influence of organisational features in high-ranked universities: the case of Australia", Journal of Higher Education Policy and Management Vol. 39 , Iss. 5.

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Pão e circo















"Livre como um pássaro", dizemos nós, e invejamos as criaturas aladas pela sua capacidade de se moverem nas três dimensões. Mas, infelizmente, estamos a esquecer-nos do dodó. Qualquer pássaro que tenha aprendido a esgravatar a sua porção de alimentos sem ser obrigado a usar as asas renunciará a breve trecho ao privilégio de voar e permanecerá para sempre preso ao solo. Com os seres humanos passa-se qualquer coisa de semelhante. Se se lhes der pão de uma maneira regular e abundante três vezes por dia, muitos deles contentar-se-ão em viver apenas de pão - ou pelo menos de pão e circo."

Aldous Huxley, Regresso ao admirável mundo novo, Antígona.

Pão e circo. Alimento e distração.

Alimento, em forma literal ou figurada. Emprego, segurança, cargo, posição, promoção. Real, prometido, sugerido ou apenas intuido. Conforto e expetativas. Em troca pela possibilidade de voar, de rasgar a linha do horizonte, de querer ir mais longe, de arriscar cair para depois se levantar e ensaiar um novo voo. Exercício do poder, de um poder assimétrico mas muitas vezes de um poder consentido. "E vocês? Já escolheram o prato de onde querem comer?". Ouvi em tempos, assim mesmo, com todas as letras, carregadas de todo o significado. Ou se está a favor ou se está contra, sem meios termos. Alinhados à partida, sem ponderação. Por convicção ou por medo. Primeiro gosto de ver o menu!", respondi então. Desalinhado.

Circo e a sua galeria de personagens. O ilusionista, vendendo promessas. O domador de feras amansadas. O malabarista fazendo o impossível. O equilibrista, que nunca cai. O palhaço que faz rir, mesmo com ar sério ou triste. O contorcionista que dispensa a coluna vertebral. Debaixo da tenda abandonamo-nos à maravilha do engano. E deixamos de pensar nos outros "artistas", que andam por aí, no dia-a-dia. Tão profissionais que nem sempre damos por eles, pelo menos de imediato. Vendendo promessas de conforto e segurança; em equilíbrio permanente com o poder do momento; sem coluna vertebral; iludindo com pequenos gestos. Distraindo do que importa. Distraindo do real.

Pão e circo. Alimento e distração. Em abundância.

E se, entretanto, nos esquecermos de usar as asas?
E se, entretanto. nos esquecermos de como se voa?
E se, entretanto, nos tornarmos numa colónia de dodós?

Voar sempre, antes que seja tarde demais!

"I told you
That we could fly
'Cause we all have wings
But some of us don't know why"

INXS, Never tear us apart.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Thank You!

Across the world.
Looking outside to better view inside.
Posts based upon Mottos, Reflections, Plans and Actions from Universities around the World.

"Have You Said Thanks, or Been Thanked Recently?
This week is all about appreciating our staff at UC Berkeley, but it shouldn't be just one week out of the year - it should be all year round! Give a shout out to your colleagues via our Appreciate page. And we're including this Recognition Tool Kit so you're never without some ideas to keep the momentum, and dialogue, going. Here's one of our favorite sections of the Toolkit to get you started:

92 Ways To Recognize Your Colleagues

In budget-constrained times, ongoing, meaningful rewards and recognition can be provided to our staff to recognize their many contributions. Some are low-cost, others no-cost, just the time it takes to say “thank you.” Here are 92 ideas to help you embed employee recognition into your everyday work. Not all of them are appropriate for everyone, but the idea is to stimulate some new creative thinking on how to motivate and recognize colleagues. 

1. Smile - it’s contagious! 

2. Create a Hall of Fame with photos of outstanding employees. 

3. Arrange for a team to present results of its efforts to upper management. 

4. Plan a surprise lunch or get-together with refreshments. 

5. Encourage and recognize staff who pursue continuing education. 

6. Post a thank-you note on an employee’s door or cubicle. 

7. Create and post an Employee Honor Roll in a reception area. 

8. Acknowledge individual achievements by using the employee’s name when preparing a status report. 

9. Make a photo collage about a successful project that shows the people that worked on it, its stage of development, and its completion and presentation. 

10. Find out the person’s hobby and buy an appropriate gift. 

(...)"

Check 82 more ways at UC Berkeley, USA:
http://hr.berkeley.edu/compensation-benefits/perks/staff-appreciation-week/staff-appreciation-week-keynote-presentation

domingo, 4 de junho de 2017

Eu sei, porque o fiz.

Governos e indivíduos. Poder, delegação, (des)responsabilização, conforto. Expectativas e exigências. Nós e os outros. Representados, representantes e quem com eles trabalha. Simplificação, simplificação em excesso, falsificação. Da crença nos sistemas e nas instituições à desilusão. Serão os sistemas de poder inevitavelmente disfuncionais? Porque assim o induzimos? Agir, apesar de tudo. Agir, para mudar tudo. A várias escalas e dimensões. Dos Países, das instituições, de cada um. Assuntos de importâncias diferentes. Decisões com consequências distintas. Mas é de exercício de poder que estamos a falar. Feito por pessoas. E essas não são assim tão diferentes. E nós não somos assim tão diferentes. São vários os pontos de contacto, as experiências próximas. Como é dito, na primeira pessoa: "Eu sei, porque o fiz.". Leitura para refletir.

"Antigamente eu acreditava com tamanho fervor na capacidade e probidade de um governo iluminado que fui trabalhar para ele. Era um diplomata britânico, numa instituição e num sistema que tinha sido fundado sobre a profunda crença de que representantes do Estado, como eu, podiam compreender e arbitrar o mundo de forma eficaz, em benefício das massas menos informadas. Já não acredito nisso. A desilusão nasceu não da conversão ideológica mas da experiência.

No âmbito do meu trabalho, que abordava alguns dos mais preocupantes problemas do mundo, incluindo as alterações climáticas, o terrorismo e as guerras no Afeganistão e no Iraque (fui o responsável do Reino Unido por ambas nas Nações Unidas), foi-se tornando claro, a pouco e pouco, que o governo era incapaz, pela sua própria natureza, de compreender e gerir de forma eficaz aquelas forças. (...) em suma, compreendi, vaga e lentamente, a existência de um profundo e intrínseco défice dos governos: o facto de lhes ser exigido que tomem o que é complexo - a realidade - e o transformem em declarações e políticas simplistas, para melhor convencer a população de que o governo tem as coisas controladas. As pessoas que se encontram no governo não são más ou parvas, pelo contrário, mas o contrato entre as pessoas e as forças governamentais exige que aleguem algo que nenhuma pessoa sensata devia alegar, que o governo é capaz de prever e predizer a gigantesca complexidade do mundo contemporâneo e geri-la a nosso favor. Todos os políticos têm de alegar, perante os eleitores, que são capazes de interpretar o mundo e produzir determinados efeitos, tal como os representantes que trabalham para eles têm de fingir que também eles são capazes. Eu sei, porque o fiz.

(...)

Depois de quinze anos como diplomata tornei-me muitíssimo hábil a escrever telegramas, relatórios e conclusões políticas que reafirmavam ad infinitum a nossa versão dos acontecimentos, muitas vezes sem o mérito de qualquer conhecimento do terreno.(...) Não estava sozinho em tal ignorância, nem na arrogância de achar que, apesar disso, o governo podia declarar com confiança o que estava a acontecer ou o que poderia acontecer em tais locais.

A minha crise pessoal com o governo (...) irrompeu quando as histórias do meu governo sobre o Iraque ultrapassaram a barreira da excessiva simplificação e se tornaram mentiras flagrantes. (...) tinha ignorado os primeiros sinais, demasiado óbvios, no próprio trabalho tanto como em qualquer análise posterior, de que o governo permite e, na verdade, encoraja, os seus protagonistas a tornarem-se moralmente desapegados das consequências dos seus próprios atos, o que permitiu que me tornasse um arquiteto isento de culpas do grande sofrimento dos que se encontravam distantes: neste caso (...) de civis inocentes no Iraque. Só depois de uma reflexão prolongada, lenta e, por vezes dolorosa, cheguei a estas conclusões mais latas sobre a amoralidade intrínseca, mas também sobre a incapacidade, dos governos.

(...)

Observei o crescimento do coro de vozes furiosas nos ajuntamentos públicos e na Internet, exigindo ação, mudança, qualquer coisa, fazendo uso de uma retórica cada vez mais beligerante, mas sem nunca oferecer qualquer solução para além da rejeição da coorte atual de políticos medíocres.

Ponderei sobre a mudança em si, como reagir a este mundo tão complexo com um método que pudesse funcionar. que pudesse garantir a satisfação de descobrir uma verdadeira tração na assustadora face do penhasco íngreme dos problemas. Acabei por compreender que talvez o pior défice dos governos seja este: ao pretenderem arbitrar os problemas do mundo, encorajam de forma invluntária a nossa inação e o nosso desprendimento. Nesse desprendimento fermentam, perigosamente, a raiva e a frustração. 

(...) 

A resolução dos problemas cabe sempre a outra pessoa, nunca a nós.
Contudo, é a ação - e apenas a ação -que muda as coisas. (...) A escala das dificuldades do mundo -a face íngreme do penhasco- e a magnitude da globalização produzem uma sensação paralisante de impotência e frustração. Mas, de facto, um mundo mais interligado do que nunca.onde cada pessoa se encontra a alguns links de distância de todas as outras, significa que as ações no nosso próprio microcosmo podem ter consequências globais."

Carne Ross (2011), A revolução sem líder, Bertrand Editora

sábado, 27 de maio de 2017

Capítulo 1











Noite de segunda-feira. Noite silenciosa, convidando à leitura. Abro o livro de capa branca e letras fortes, cheias, a preto e vermelho, enquadradas por linhas, também elas vermelhas. No título, é negra a palavra Revolução, e a ausência de líder é realçada a encarnado. A este junta-se o nome do autor e elogios, de John le Carré e do periódico britânico The Guardian. Passada já a introdução, é altura de ler o primeiro capítulo. Pouco mais de uma dezena de páginas. Lidas ainda antes da meia-noite.

Amanhece. É terça-feira, ainda cedo. As primeiras notícias vi-as em casa, online, na Lusa. Ataque suicida em Manchester, na noite anterior, à saída de um concerto. Duas dezenas de mortos, mais algumas de feridos. Muitos são jovens. O terror e o horror, de novo. De novo na Europa, de novo em Inglaterra. Fazendo eco em todos os jornais e em todos os canais. São horas de ir trabalhar, com as notícias ainda no pensamento.

Passou o dia. Fim de tarde, com calor de Verão. A informação vai sendo atualizada. O assassino-suicida terá já sido identificado. Britânico, nascido em Manchester, descendente de líbios, 22 anos apenas. Da mesma geração e idade de muitas das suas vítimas. 22 anos. Jovem. Nascido antes do 11 de setembro que mudou o mundo. Nascido antes da invenção do Daesh, criação de mentes perturbadas, e alimentada, certamente, por interesses vários, ocultos nas sombras.

Chego a casa. De repente, lembro-me: o primeiro capítulo! O capítulo que lia, em silêncio, praticamente à mesma hora em que acabava o concerto na Manchester Arena, e a alegria dava lugar aos gritos e ao desespero. Um capítulo sobre o nosso mundo, global, interligado, complexo, perigoso. E sobre a replicação de comportamentos, o impacto máximo, a acção individual. Escrito por um britânico. Diplomata de ofício. Página 35. Capítulo 1. "A onda mexicana e o bombista suicida".

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Criticamente











Escrever criticamente já passou por aqui. Simplificar por exigência do tempo, recurso não renovável, e limitado para cada um nós. Simplificar sem falsear. Simplificar sem induzir em erro. Uma tarefa tanto mais difícil quanto mais complexos forem os assuntos e quanto mais diversos forem os leitores.

Ler criticamente, para quem está do outro lado da escrita. Refletindo, comparando, pesando, contraditando. Sem aceitar apenas porque o rótulo invoca autoridade. Sem aceitar apenas porque reforça as nossas próprias convicções.

Comentar criticamente. Porque o conhecimento deve ser ativo. Porque permite corrigir erros, superar lacunas, abrir novas perspetivas. Em benefício de outros leitores. Permitindo continuar a construir sobre bases mais sólidas.

A European University Association (EUA) divulgou, este ano, mais um trabalho sobre autonomia universitária na Europa. Trata-se de uma atualização de trabalhos anteriores, desenvolvidos ao longo da última década, permitindo vislumbrar padrões e tendências. E contém uma sistematização da informação de cada País, traduzida em 29 perfis de países/regiões, elaborados em colaboração com entidades nacionais de cada um.

No caso de Portugal, o perfil publicado continha elementos que suscitavam dúvidas de interpretação, algumas imprecisões e também erros de facto. Que comentei, em detalhe. Em resposta, a EUA foi diligente, e promoveu, em articulação com o parceiro nacional, a reanálise do perfil Português. Desse processo resultaram alterações significativas nos domínios da autonomia organizacional e de recursos humanos, e também em alguns aspetos da autonomia financeira e académica, sendo, no geral, mais clara e mais correta. E já se encontra disponível a versão atualizada do documento (pág. 151-155).

Mais contributos precisam-se, sobre este ou outros documentos, dando uso ao conhecimento de cada um. Criticamente!

quinta-feira, 25 de maio de 2017

Universidade(s) em debate - episódio 3

Primeiro debate, com moderador externo, entre as 6 (seis) listas de professores e investigadores que se candidatam ao Conselho Geral da Universidade do Porto. Disponível, para quem quiser ver, ou rever. https://www.youtube.com/watch?v=oxOw9kghvCw

Sinais daquilo que se considera importante.

Debate.
Transparência.
Divulgação para o exterior.
Participação de pessoas externas à Universidade.

Afnal, a sociedade é parte interessada das universidades públicas.
E o Conselho Geral é um órgão que inclui obrigatoriamente. por força da lei, membros externos à instituição, os quais serão cooptados pelos membros internos, eleitos.

Episódio 1, na Universidade do Porto:
http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2016/10/universidade-em-debate.html

Episódio 2, na Universidade de Coimbra:
http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2016/11/universidades-em-debate-episodio-2.html

domingo, 21 de maio de 2017

O (mais ou menos) longo braço das Universidades

Em artigo publicado no Expresso do passado sábado, 20 de maio, a propósito de atos, praticados fora de instalações universitárias, envolvendo pessoas-que-são-também-estudantes é interpelado, e citado, o Presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas:

Questionado pelo Expresso sobre a possibilidade de os jovens que protagonizam estes atos poderem ser sancionados pelas instituições de ensino a que pertencem, António Cunha enjeita a hipótese e frisa que a esfera de competências das universidades cinge-se às instalações das academias. "Fora disso não há qualquer alçada disciplinar por parte da universidade ou do reitor".

Ora, não é bem assim. Mas também não é uma resposta de Sim ou Não. De facto ... depende! Depende das Universidades. Os regulamentos disciplinares são elaborados e aprovados pelas próprias instituições, no exercício da autonomia disciplinar que lhes é conferida. E não são todos iguais. Sem ter feito uma pesquisa exaustiva, encontrei três que abrangem, de forma explícita, condutas dos estudantes "ainda que fora das instalações". Os das Universidades do Algarve, de Aveiro e de Trás-os-Montes e Alto Douro. E também com diferenças entre elas. O braço disciplinar das Universidades, pelo menos o de algumas, é mais longo, alcançando território exterior.

Se os acontecimentos específicos que suscitaram a entrevista são, ou não, abrangidos, é uma outra questão.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Sós ou acompanhados?















"Como se pode constatar (...) existem determinados aspetos que suscitam a opinião favorável dos conselheiros, que concordariam com a sua concretização no sentido de promover uma maior autonomia do conselho geral. É o caso da existência de um gabinete exclusivo de apoio administrativo aos membros do conselho geral e a existência de um gabinete dedicado ao apoio jurídico e técnico, que reuniu respetivamente 68% e 65% das respostas nos níveis de concordância (níveis 5, 6 e 7 da escala)." 

Oliveira, António Cândido; Peixoto, Paulo; Silva, Sílvia (2014), O papel dos Conselhos Gerais no Governo das Universidades Públicas Portuguesas: a lei e a prática, Imprensa da Universidade de Coimbra; Núcleo de Estudos de Direito das Autarquias Locais.

Leitura a propósito do funcionamento dos Conselhos Gerais das Instituições de Ensino Superior, que já entraram na sua terceira temporada. E que merece reflexão, abrangente, articulada com o pensamento sobre a restante organização e as demais estruturas. Autonomia e separação de poderes. Eficácia e eficiência. Racionalização ou racionamento. Apoio técnico, jurídico e não jurídico.

Apoio a Conselheiros. Conselheiros-Decisores, em tempo parcial. Em acumulação com as suas outras atividades "normais": professores e investigadores a ensinar e investigar; estudantes a estudar; trabalhadores não-docentes e não-investigadores desempenhando atividades nas mais variadas áreas; membros externos nos seus afazeres de origem. Conselheiros com experiências diversas e fragmentadas. Com conhecimentos parcelares. Com desconhecimentos.

Decisores sós ou acompanhados?
Por serviços dedicados ou transversais?
Com que dependência e a quem respondendo?

Questões que são mais do que aspetos de gestão corrente.
Respostas que influenciam a qualidade da governação.

quinta-feira, 18 de maio de 2017

A reforma por fazer

"O Ensino Superior mudou muito em apenas uma década. No entanto, paradoxalmente, a Lei que estabelece as bases do seu financiamento manteve-se inalterada na forma e quase votada ao esquecimento."
Artigo de opinião publicado, hoje, no Observador: http://observador.pt/opiniao/a-reforma-por-fazer/
O virar do século pertence a um passado ainda recente, mas que se vai esbatendo rapidamente com a velocidade dos dias. O euro dava então os primeiros passos; António Guterres era Primeiro-Ministro e a Europa apostava na Estratégia de Lisboa; um outro Papa visitou Fátima; o Facebook, o YouTube e o Twitter estavam por nascer. 
Esta mesma vertigem afeta quem trabalha no Ensino Superior: as Universidades de hoje são as mesmas de então; são as mesmas, mas são diferentes.
O português mistura-se agora com outras línguas, faladas fluentemente ou apenas arranhadas. Sons, rostos e hábitos dos novos estudantes, que chegam de paragens distantes. São já mais de 10%, os estrangeiros em várias universidades. Fruto da aposta Europeia na mobilidade e acelerado pelo Estatuto do Estudante Internacional.
Os currículos e os processos de aprendizagem vão-se modificando, induzidos pelo processo de Bolonha, pelas tecnologias, pela crescente formação secundária, pela preocupação com a empregabilidade. Os contextos são hoje mais variados, com ambientes reais ou simulados, estágios em empresas, desenvolvimento de projetos e participação em atividades de investigação.
Muitos cursos fecharam, outros foram modificados, alguns não chegam a abrir. Resultados da intervenção da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior. Avaliação, acreditação, certificação, sistemas de garantia da qualidade e, em breve, avaliações institucionais, são parte integrante do quotidiano das Universidades.
O percurso dos docentes mudou. Começando no doutoramento, engloba solicitações sempre crescentes: docência, investigação, cooperação, divulgação da ciência, captação de fundos, gestão universitária. E é objeto de avaliação individual. Muitos professores, à imagem das Universidades, são também eles os mesmos, e são também eles diferentes. A renovação geracional não aconteceu e a média etária aumentou. 
Os órgãos das Universidades encolheram. Os Conselhos Gerais são de reduzida dimensão e abertos à influência exterior, incluindo, obrigatoriamente, pessoas externas à Universidade. Uma imposição do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (2007), que criou também a figura das Universidades-Fundação, caminho seguido até agora por cinco instituições, e que continua a suscitar grande controvérsia.
Estes breves traços mostram como o Ensino Superior mudou, e muito, em apenas uma década, em grande parte por ação externa e legislativa, sobretudo a partir de 2006.
No entanto, e de forma paradoxal, a Lei que estabelece as bases do financiamento do Ensino Superior, e que data de 2003, manteve-se inalterada na forma e, talvez por isso, quase votada ao esquecimento. Senão vejamos. Associa o valor das propinas à qualidade dos cursos; nunca aconteceu. Estipula que as propinas devem reverter para o acréscimo de qualidade no sistema; carece de demonstração. Consagra um financiamento por fórmula e com indicadores de desempenho; a última fórmula foi publicada em 2006, sofreu algumas mutações e sucumbiu, dando lugar a um orçamento em que o passado é quem mais ordena; captar estudantes, realizar melhor investigação ou ter um corpo docente mais qualificado deixou de ter relação com a dotação atribuída pelo Estado. A Lei foi assim desaparecendo, sem combate, com a conivência de Governos, Assembleia da República e Instituições de Ensino Superior.
Um registo nada abonatório que se estende a diversas tentativas de contratualizar financiamento e cumprimento de objetivos. Os contratos que foram celebrados com as primeiras três fundações não foram cumpridos pelo Estado. O Contrato de Confiança, que visava aumentar a frequência do ensino superior, passou rapidamente à história. Agora temos um novo contrato, para a legislatura em curso, que prevê mais estudantes de pós-graduação, maior captação de investimento privado e um “fundo de resolução” a cargo das Universidades. Por seu turno, o Governo compromete-se a não reduzir as dotações do Orçamento do Estado, a apoiar a criação de emprego científico e académico, e a reduzir a burocracia. Um contrato que parece fruto do receio dos tempos, do receio das Finanças, ou do pragmatismo, dirão alguns; um contrato ambicioso e estabilizador, dirão outros. 
As discussões e medidas parcelares, como os estímulos ao emprego científico, a política de propinas ou alguns destes contratos, até podem fazer sentido, em particular se não se esgotarem com o tempo político. Mas não proporcionam uma visão abrangente e coerente, nem um rumo, para o Ensino Superior. Os modelos de financiamento não são apenas uma forma de distribuir recursos. São um instrumento poderoso de atuação que permite estabelecer um verdadeiro acordo social de configuração de objetivos e de repartição de responsabilidades entre Estado, instituições de ensino, estudantes e demais parceiros. 
Esta é uma reforma por fazer.