domingo, 27 de julho de 2014

Duas cidades

A cidade que era uma, como costumam ser as cidades, dividiu-se. E como não há cidades-meias ou meias-cidades, onde antes havia uma passaram a existir duas. Uma cidade com bairros esvaziados, vazios de pessoas, de carros, de vozes. Com janelas fechadas, persianas corridas, casas que dormem. Com espaço que cresceu, nas ruas, para os pássaros, para as pedras, para o silêncio. Ficaram,à noite, as mesmas luzes, fazendo sombras diferentes. Cidade abandonada. Enquanto esta se esvazia há, ao lado, outra que se enche. Atravessada por sandálias com gente em cima. Vista por olhares filtrados por lentes. Capturada pelas máquinas. Com sons de outras paragens, vozes de outras línguas. Cores, muitos tons, nas roupas e na pele. Gente conquistando a cidade, esta cidade, sobre dois pés ou duas rodas. Barcos repletos de novos descobridores, que desbravam os canais estreitos, antes de se lançarem numa nova invasão, em busca de comida, de troféus para mais tarde recordar, de um novo ponto no mapa, ou de uma simples sombra. Saberão eles que, na sua ausência, as suas próprias cidades se dividiram, e, também elas, não são agora uma, mas duas?

sábado, 26 de julho de 2014

Letras errantes

Há muito que as letras não se juntam.
Andam soltas, dispersas, sem rumo.
Na corrente ou contra a corrente.
Letras errantes.
Em colisão, amontoadas, enredadas.
Breves encontros, mal fazendo uma palavra.
Esboços de frases.
Fragmentos de ideias.
À espera.
À espera de fazer sentido.