terça-feira, 26 de julho de 2011

Liberdade para os deputados

Nunca compreendi a disciplina de voto a que os deputados se sujeitam, abdicando assim de exprimir posições próprias, como se, nas mais variadas matérias em discussão, cada partido defendesse uma única via e qualquer divergência fosse um grave delito.

Esta metamorfose de deputados em meros números, que para efeitos de votação e aumento de eficiência requereria apenas um representante de cada partido e a placa com o número correspondente de deputados, empobrece a actividade parlamentar e não dignifica os próprios.

Situação que pode ser confortável para uns, permitindo-lhes escudar-se atrás de decisões tomadas nos distantes corredores das cúpulas partidárias; mas que será certamente desconfortável para outros, motivando conflitos interiores, declarações de voto ou estratégicas ausências do hemiciclo nos momentos de votação.

Concordo por isso com a intenção do novo líder do PS, António José Seguro, de introduzir "a liberdade de voto como regra da acção dos deputados do PS na Assembleia da República", retirando assim os grilhões formais à actuação individual. Sobre os grilhões mentais cada um responderá por si e, mesmo isso, já será um ganho significativo.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

How much information is too much?

"How do we go about examining our own decision-making process and, if necessary, adjusting them? First off is to distinguish between information and process. There can be an over-emphasis on the collection of data and its analysis. Smart people with good information can still come to incorrect conclusions thanks to poor procedures for working with that information.

More isn't always better when it comes to collecting data. Not only do you risk diluting the quality of your information by casting too wide a net, but there is also the time factor to consider. All other things being equal, few decisions don't benefit from being made sooner rather than later."

G. Kasparov (2007) How life imitates chess.

Informação; processos; conhecimento; decisão; comunicação. Uso do conhecimento; uso eficaz; uso atempado. Pequenas grandes diferenças!

sábado, 9 de julho de 2011

Ensino Superior - Programa do Governo

O Programa do Governo para o Ensino Superior pouco revela sobre a sua visão para o sector e sobre o sentido da sua actuação.

Como objectivos estratégicos define a existência de um quadro legislativo/regulatório claro consistente e transparente; a manutenção do sistema binário; o reforço das políticas de regulação assentes em acreditação e avaliação independentes.

Das 10 medidas preconizadas são várias as que se referem ao quadro legal, regulatório e procedimental, ainda que em termos mais moderados que os constantes do programa eleitoral do PSD: acompanhamento, avaliação, revisão e melhoria das "leis estruturantes"; revisão da legislação referente à criação e alteração de cursos; continuação da regulação "incisiva" através da A3ES; simplificação de procedimentos burocráticos nas instituições.

Outras que podemos enquadrar numa lógica de continuidade referem-se à melhoria da informação sobre a empregabilidade dos cursos; apoio a estruturas de fomento do emprego dos diplomados e do empreendedorismo; manutenção dos programas de mobilidade; o investimento nos cursos de especialização tecnológica.

Há ainda duas medidas, anunciadas com palavras cuidadosas - estudo, discussão - em domínios que podem originar mudanças profundas no sistema de ensino superior: a reorganização da rede pública e o modelo de financiamento.

No primeiro caso o governo anuncia o "estudo de possíveis medidas conducentes à reorganização da rede pública de instituições de Ensino Superior, com eventual especialização das instituições em termos de oferta de cursos e de investigação". Assume-se, pois, a necessidade de reorganização da rede de instituições. Já o caminho apontado parece de difícil execução e mesmo de duvidosa razoabilidade. As insituições públicas existentes, se exceptuarmos as escolas superiores não integradas, são todas de carácter generalista, isto é, actuam em numerosas áreas do conhecimento, quer em termos de oferta de cursos quer de investigação. Uma eventual especialização implicará a separação de áreas por instituição, reduzindo a interdisicplinaridade interna, a competição entre instituições e as possibilidades de escolha de alunos e empregadores. Não sei se há exemplos internacionais sobre uma abordagem similar. Estranhamento não há referência explícita às possibilidades de reorganização da rede por fusões, consórcios, extinções. É pois uma área que carece de clarificação.

No segundo caso, o do financiamento (única área cuja legislação não foi profundamente alterada desde 2003) o governo preconiza a "discussão do modelo de financiamento do ensino superior, com vista, por um lado, a uma maior estabilidade e previsibilidade e, por outro, à consideração de factores de qualidade da actividade e de incentivos ao seu melhoramento". Nestes termos fica tudo em aberto, não se indicando uma visão em termos de repartição do financiamento (entre estudantes/famílias, estado, outras fontes), não se abordando os instrumentos disponíveis (fórmula, contratos institucionais, fundos competitivos), e não se referindo o que não seria adequado em modelos anteriores.

Nota-se que desapareceu, face ao programa do PSD, a referência à necessidade de conferir maior autonomia às instituições.

É preciso esperar para ver!

quarta-feira, 6 de julho de 2011

O outsourcing do risco

Os investidores, financiadores e outros operadores dos mercados recorrem a empresas externas, as agora tão famosas agências de rating, para fazer a análise do risco, designadamente nas acções de concessão de crédito a terceiros. Ou seja, fizeram o outsourcing de uma área já de si crítica, que encerra grandes incertezas, especialmente num clima turbulento como o que se vive há alguns anos, que movimenta somas astronómicas, prestando-se aos mais variados jogos de poder, e da qual depende a viabilidade não só de empresas como de países e, portanto, de milhões de pessoas.

Pior é que algumas entidades, como o próprio Banco Central Europeu, conferiram às notações de rating um carácter vinculativo e automático para determinadas decisões. Em lugar de utilizar, criticamente, as análises disponibilizadas a par com outros elementos, fizeram um verdadeiro outsourcing da própria tomada de decisão, desresponsabilizando-se irresponsavelmente!

Pior ainda, os operadores continuaram a confiar nas agências, não investindo em mecanismos próprios de avaliação (provavelmente caros, é certo, mas o barato sai caro) mesmo após o colapso da AIG, há cerca de 3 anos, as falhas detectadas nos sistemas financeiros, nos sistemas de regulação e no papel das agências de rating, que então avaliaram com níveis máximos de confiança empresas que já só o eram virtualmente.

E para piorar ainda mais a situação mantém-se o grosso deste mercado do risco entregue a 3 agências, conferindo-lhes um enorme poder.

Um poder que lhes poderia ter sido retirado pelos seus clientes, mas não foi! Um poder que lhes poderia ter sido retirado, ou pelo menos reduzido, pelos estados e operadores europeus, mas não foi! Com certeza que haverá conflitos de interesse, manipulações, corrupção. Com certeza que são interesses privados que ditam a sua actuação. Assim como com toda a certeza os mesmos problemas existem nos estados, e estão também na origem da situação em que nos encontramos, promovendo negócios ruinosos ou duvidosos, escondendo factos, esquecendo o interesse público em prol de interesses privados.

Estranho, por tudo isto, o ar ofendido e de superior moralidade de muitos líderes, que nada fizeram para alterar este estado de coisas mas a quem deixou de convir a interferência das agências.

O processo de notação da Moody's é, no dizer da própria, orientado para o longo termo. Uma vez mais, no clima de instabilidade actual, o grau de incerteza associado a este tipo de apreciações será enorme. Mas é com estas incertezas que lida quem solicita e concede empréstimos a 10 anos. A notação agora atribuída a Portugal, Ba2, significa que, no entender da Moody's, existe um risco suficientemente elevado de incumprimento para entrar na categoria "especulativo".

Ora temos entre nós políticos, economistas e comentadores, de vários quadrantes, que são da mesma opinião e que falam, aparentemente com menos controvérsia, da incapacidade de pagar a dívida em virtude do nível de (de)crescimento económico, da inevitabilidade de reestruturação da dívida (pelo menos a prazo), da impossibilidade de regressar aos mercados em 2013 e conequente necessidade de novos apoios especiais, da saída do Euro como alternativa, etc., etc.

Nada de substancialmente diferente, portanto!

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Descobri que não sou patriota!

Comecei a suspeitar que havia algo de errado quando deixei de acreditar que os feitos lusitanos de há 500 anos diziam muito sobre a capacidade do povo luso de hoje; dúvida que deve ser semelhante à que têm os gregos de agora quando evocam a sua antiga civilização. A sensação agravou-se quando não fui tomado de euforia no Euro 2004: não festejei a construção de estádios; não respondi ao apelo do mister Scolari; não trajei de verde e de vermelho; não andei de cachecol; não coloquei a bandeira na janela; não chorei na final quando perdemos com ... a Grécia. Mas a dura confirmação chegou esta semana, pela boca do próprio Presidente da República, quando disse que a opção por produtos portugueses e por passar férias em Portugal é, nada mais nada menos, que uma tarefa patriótica.

Consumir português, apenas porque o é, é bom para a economia? Devemos esquecer o preço, o poder de compra e a qualidade? Estimulará isto a nossa competitividade a médio prazo? Atrairá novos investidores estrangeiros? O discurso da abertura ao mundo parece ter desaparecido. Igual caminho para as virtudes do mercado e da concorrência, mesmo vindo de um Presidente-Economista. Mas se assim for reponham-se os mecanismos que nos ajudam a tornar tais atitudes mais racionais: introduzam-se barreiras e fronteiras, taxe-se o estrangeiro e subsidie-se o nacional. Boicotemos o que é espanhol, alemão, chinês ou brasileiro. Compremos alimentos nacionais, vestuário nacional, mobiliário nacional. Fiquemos pelos livros e pela música de autores portugueses, editados, produzidos e comercializados em Portugal. Deixemos de viajar e de contactar com outras culturas; deixemos a TAP para o transporte de estrangeiros ou para fazer de TGV entre Porto e Faro. Promovamos a saída dos McDonald, Zara, Lidl, CorteInglés e Auchan. Fechemo-nos, construamos muros nas nossas cabeças. Aproximemo-nos de uma Albânia que já existiu.

Mas uma nova dúvida assalta-me: o que é afinal um produto português? Um produto com código de barras 560? Será português o bacalhau que, podendo ser pescado por portugueses e em barcos portugueses, não vem das nossas costas? Será portuguesa a camisola feita numa fábrica do Vale do Ave, iluminada por lâmpadas holandesas graças à electricidade que vem de Espanha e de França, em que o gás natural usado nas caldeiras vem da Argélia e em que as máquinas são alemãs? Serão 100% made in Portugal as frutas que chegam aos nossos mercados em carros italianos, cujo gasóleo tem origem em petróleo da Nigéria e foi transportado até nós em barcos com bandeira do Panamá e com tripulação Filipina? Podemos dizer que são portugueses os produtos que circulam em estradas feitas por indivíduos de muitas nacionalidades e financiadas por contribuintes dos nossos parceiros europeus? Será, afinal, nacional o disco criado por artistas deste rectângulo, processado digitalmente num computador japonês e num estúdio adquirido através de crédito junto de um banco em que 30% do capital é detido por estrangeiros. E para tudo isto funcionar não nos esqueçamos ainda dos milhões de mensagem que circulam em telemóveis finlandeses, graças a satélites internacionais, e que utilizam na sua constituição terras raras da Mongólia. A nacionalidade de um produto não é mais do que uma convenção.

Noto que o Chefe de Estado não dirigiu um apelo particular às empresas, apenas reiterando o apelo ao consumo nacional. Ficamos sem saber o que pensa das empresas portuguesas que investem "lá fora", criando empregos para "os outros". Mas talvez as empresas não sejam afectadas pelo mesmo dever patriótico... Tal como o dinheiro, que não tem cor nem pátria. E que deve explicar porque também não se ouviu nenhuma sugestão aos investidores para confinarem as suas estratégias às empresas e à bolsa nacional. Ainda assim gostava que o Economista tivesse dito algo sobre a dimensão dos reais efeitos económicos que este "consome português" permitirá alcançar, a curto e a médio prazo.

Mas pode ser que eu esteja enganado. Nesse caso resta-me esperar que os outros povos sejam menos patriotas que os portugueses, que não se fechem, que continuem a comprar o que é português e a viajar até nós.