sábado, 28 de julho de 2012

Mitos

"Notas sobre o ensino superior" no Click, Antena 1.

Estão a decorrer as candidaturas para acesso ao ensino superior, altura em que milhares de estudantes finalizam as suas escolhas. Fazem-no num momento em que continua a crescer o desemprego de pessoas qualificadas e de jovens; em que é frequente ouvir-se um discurso que questiona, quando não desvaloriza, o ensino superior; e em que a escolha certa se parece centrar, cada vez mais, em torno de indicadores simplistas, como a empregabilidade dos cursos.

Este tempo, em que o pensamento crítico é escasso e a comunicação é rápida, cria um terreno propício à génese e propagação de mitos. Mas são mitos que, se aceites, podem vir a condicionar gravemente o futuro individual, o futuro de uma geração e mesmo o nosso futuro coletivo. Eis apenas três.

Mito 1 – Sendo cada vez mais difícil encontrar trabalho, não compensa investir num curso superior. Não é o que os números mostram: o desemprego de diplomados é elevado, sim, mas mais elevado ainda é o desemprego de pessoas com menor escolaridade. Por outro lado, não podemos ignorar o efeito da abertura das fronteiras: a mobilidade de pessoas tornou a concorrência global; estrangeiros trabalham em Portugal; portugueses trabalham no estrangeiro; empresas com dimensão internacional procuram os trabalhadores melhor qualificados, independentemente da sua nacionalidade. Ter um diploma pode não ser suficiente para abrir portas; pode mesmo fechar algumas; não o ter fechará, com certeza, muitas mais.

Mito 2 – As vagas no ensino superior devem ser ajustadas à dimensão do mercado de trabalho. Ora existe, aqui, um desfasamento temporal que é preciso ter em consideração: quem entrar este ano numa universidade, estará no mercado de trabalho, como mestre, apenas em 2018, ou 2019; é para esse futuro que definimos a atual oferta de formação, e não para o mercado em recessão de 2012.

Mito 3 – Portugal tem excesso de diplomados. Este não resiste a uma comparação com dados de outros países, da Europa ou da OCDE, e na qual apresentamos, invariavelmente, uma das menores taxas de diplomados. Se acreditarmos que um futuro melhor passa pelo conhecimento, então temos de recuperar rapidamente o nosso atraso.

Os portugueses precisam de mais formação superior.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

(Con)viver com a incerteza

Vida; incerteza; sonho; liberdade; escolha; aventura; descoberta; surpresa.
Vida; incerteza; sombras; receio; paralisia.
Equilíbrio-desiquilíbrio; conforto-desconforto; imitar-criar; decidir-seguir; acreditar-duvidar.
Racional; emocional; técnico; social; humano.

"There are no magic algorithms and sets of data that could give us the certainty we would like. We should not pretend we have the answers, even when clever people have done all the calculations, using advance techniques and what would once have been inconceivable computer power."

Verdade e ilusão: quanto precisamos de cada?
Expetativas positivas e negativas: deixar outros criá-las? deixar outros geri-las?
Convencer; convencer-se; ser convencido.

"For the pundits, politicians and policy makers: - When advising propsective students: be circumspect; - In policy discussions: do not treat what are uncertains estimates as hard facts."

Optimismo; realismo; pessimismo; ceticismo.
Gradações de cores ou de cinzas.
Factos e opiniões.
Meios e fins.

"I am not naive enough to believe these strictures will be widely adopted, but I make them all the same."

As citações foram retiradas de uma intervenção de John Thompson, numa palestra sobre o retorno do investimento no ensino superior, organizada pelo Higher Education Policy Institute.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Financiamento do Ensino Superior (III) - Flash(pouco)back

A Lusa noticia, hoje, a propósito da preparação do orçamento para 2013: "O presidente do CRUP queixou-se da falta de diálogo com o governo, afirmando que, desta vez, a tutela nem ouviu os reitores antes de lhes mandar as propostas de dotação orçamental. "Pela primeira vez em um ano e meio, sentimos que o CRUP ficou, por assim dizer, fora de jogo, porque a informação que veio da tutela não foi precedida de um diálogo que é curial manter", criticou."

Ora aqui fica um flash(pouco)back do que escrevi, no último ano, sobre o financiamento do ensino superior.

9 de julho de 2011, a propósito do program de governo:
No segundo caso, o do financiamento (única área cuja legislação não foi profundamente alterada desde 2003) o governo preconiza a "discussão do modelo de financiamento do ensino superior, com vista, por um lado, a uma maior estabilidade e previsibilidade e, por outro, à consideração de factores de qualidade da actividade e de incentivos ao seu melhoramento".

31 de outubro de 2011, sobre uma entrevista do Ministro da Educação e Ciência ao jornal Público:
Sobre financiamento: "Vamos ter de repensar isso tudo [fórmula de financiamento] para o ano." E à pergunta sobre que critérios poderão entrar responde: "Vamos pensar nisso". Compreende-se que o tempo foi pouco, desde a tomada de posse até agora, se tivermos em conta a necessidade de lidar com dois ministérios, iniciar o ano letivo, concluir o processo negocial da avaliação dos docentes do básico e secundário, estabelecer o orçamento para 2012. Mas a atual lei do financiamento data já de 2003 e elenca vários critérios a adoptar, relacionados com o número de alunos, o corpo docente e indicadores de qualidade, entre outros. Era de esperar que, pelo menos, fossem referidos os aspetos tidos com mais importantes.

19 de novembro de 2011, e o relatório do OE para 2012:
O relatório do Orçamento de Estado para 2012, entregue na Assembleia da República inclui, como medida a implementar durante o próximo ano, a "Adoção de novas regras para o financiamento público do Ensino Superior, reforçando a aplicação de critérios de qualidade". Um modelo de financiamento pode incluir várias componentes, e seria desejável uma discussão abrangente, mas é provável que tudo se centre no que se designa por fórmula de financiamento.

31 de março de 2012, no click:
A Lei do Financiamento em vigor data de 2003, e prevê que o valor a transferir seja calculado através de uma fórmula. As fórmulas podem ser simples e transparentes. Ou complexas e opacas. No Ensino Superior encontramos uma terceira espécie: as fórmulas mutantes, que variam de ano para ano, sem discussão ou justificação política.

9 de maio de 2012, documento de estratégia orçamental:
... a despesa com Ciência e Ensino Superior será reduzida em 2,5% em 2013, passando de 1.238 para 1.208 milhões de euros.

Em matéria de modelo de financiamento do ensino superior foi um ano perdido.

sábado, 14 de julho de 2012

Três coisas, mais uma.

"Faltam três coisas. [...] Número um, como disse: qualidade de informação. Número dois: horas livres para a digerirmos. E número três:o direito de realizarmos acções baseadas naquilo que aprendemos da interacção das duas primeiras."

A primeira, paradoxalmente, nesta era da informação, é, desde logo, difícil de obter. Estamos rodeados por muita informação, por pedaços de informação, mais ou menos mastigados, mais ou menos repetidos, competindo uns com os outros por ocupar o espaço na nossa mente. E estamos também rodeados por muita distração, disfarçada de informação, até porque o controlo desta é uma arma estratégica. É, pois, necessário adotar uma atitude ativa de procurar informação de qualidade, separar o essencial do acessório, os cabeçalhos do verdadeiro conteúdo, a leitura de um resumo pela leitura do texto.

A segunda coisa também não é trivial: horas livres para digerir a informação. Condicionados pela pressão da urgência em que se transformou o dia-a-dia, e pela busca de algum lazer, quando tal é possível, vamos deixando a informação acumular-se. Absorvemos pequenas porções, que depois repetimos, mas não chegamos a "grocar", usando a palavra criada pelo escritor de ficção científica Robert Heinlen, com o sentido de plena compreensão.

E, a terceira coisa, agir com base em informação de qualidade e adequadamente digerida. Passar dos pensamentos aos atos. Intervir em vez de delegar. Fazer em vez de esperar que outros façam.

A estas três coisas acrescento mais uma: o direito de discutir e de discordar, sem censuras impostas ou auto-impostas, sem um coro de pensamentos únicos e de caminhos ditos "inevitáveis."

A frase inicial é retirada de uma história sobre um mundo em que as pessoas eram mantidas alienadas, supostamente felizes, e em qualquer elemento suscetível de introduzir desconforto deveria ser eliminado. Uma história na qual os livros foram banidos e os écras tomavam conta das salas de estar. Uma história na qual os bombeiros incendiavam casas e livros. Um livro escrito em 1953: Fahrenheit 451, por Ray Bradbury.

domingo, 1 de julho de 2012

Poder

"A nós, ensinam-nos o axioma de Lord Acton: todo o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Era nisso que acreditava quando comecei a escrever estes livros, mas agora já não acredito que seja sempre assim. O poder nem sempre corrompe. O poder pode limpar. O que acredito que seja sempre verdade é que o poder é revelador. Quando alguém chega a ter o poder para fazer aquilo que sempre quis, então vêem-se as suas verdadeiras intenções."

Robert Caro, no Expresso.

Do poder como substância tóxica, a que ninguém está imune, ao poder como espelho.

Esta frase, muito mais do que sobre política e poder político, apesar do contexto em que é escrita - uma análise do funcionamento do poder através da investigação da vida do presidente dos EUA Lyndon Johnson - é sobre a relação entre pessoas, aquela onde de facto se confrontam, se exercem, poderes; relações que se mainfestam na vida de cada um, na sociedade, nas organizações e, claro, também na política.