terça-feira, 23 de julho de 2013

O PM dissimulado

Paulo Portas tinha razão quando afirmou que a sua permanência no Governo seria um ato de dissimulação. Palavras cuidadosamente escolhidas por um político, e escritas para serem divulgadas.  remodelação hoje anunciada parece confirmá-lo: passa a ser Primeiro-Ministro, dissimulado de Vice-Primeiro-Ministro, num Governo em que o PSD se coligou com o CDS-PP. Senão vejamos, de acordo com as informações que circulam o VPM (sigla quase inversa de MVP - most valuable player, em que "player" faz todo o sentido) terá a seu cargo, além do que significa ser vice, as relações com a troika, a reforma do estado e a coordenação da área económica. Contará com António Pires da Lima na Economia, Assunção Cristas na Agricultura e Mar e Pedro Mota Soares na Solidariedade, Emprego e Segurança Social. Afinal as todas as pastas relacionadas com a atividade económica e que, dizem, são decisivas para o anunciado novo ciclo. E trata-se de facto de um novo ciclo, e de um novo Governo, liderado pelo CDS-PP, pelo que se justifica plenamente a apresentação de um novo programa e de uma moção de confiança, como o Presidente da República fez questão de informar. A menos que tudo continue a depender das Finanças... Em todo o caso, não sobra muito para Pedro Passos Coelho. Esperemos pois pelo novo programa, não sufragado, do governo dissimulado. 

sábado, 20 de julho de 2013

Desemprego e vagas: ligações perigosas.

Emissão do Click de 20 de julho, na Antena 1 (http://www.rtp.pt/play/p384/e123922/click).

A fixação de vagas para acesso ao Ensino Superior contou, este ano, com uma nova regra: o Governo impos uma redução de vagas para os cursos em que o número de inscritos nos centros de emprego é superior à média nacional, quando considerados os últimos 5 anos e o número de diplomados.

Esta relação emprego / vagas é, à primeira vista, atrativa; transmite uma mensagem simples, e confortável, de adequação entre formação e perspetiva de emprego. Mas, ao contrário do que possa parecer, não só não é razoável, uma vez que os níveis de emprego são condicionados por inúmeros factores, como não representa uma visão de futuro. Diria mesmo: é passado, é fechado, é negativo e é errado.

Passado porque um elevado desemprego nos últimos 5 anos, num período que se inicia, portanto, em 2008, e para o qual nem sequer são analisadas as tendências de evolução, nada nos diz sobre o futuro; sobre um futuro que, para os atuais candidatos se pode situar apenas em 2018-2020, altura em que provavelmente estarão a entrar no mercado de trabalho, como mestres.

Fechado porque traduz um olhar confinado, que não vê para lá das nossas extintas fronteiras. Considerando que apenas devemos formar para o emprego que o País oferece, em cada momento. Ignorando que o mundo mudou e que as pessoas e os empregos têm uma elevada mobilidade. Esquecendo que a globalização é uma via com dois sentidos. E que temos a obrigação de dar as melhores oportunidades a cada estudante. Isto independentemente do percurso que venham a seguir, em Portugal ou no Mundo, e que pode mesmo vir a ser semelhante ao de muitos desportistas, artistas ou gestores de eleição, que nos habituámos a referir, não como fuga de talentos, mas como casos de sucesso e de afirmação nacional. 

Negativo porque o critério utilizado é o desemprego e não o emprego; a falta de atividade e não o percurso de trabalho, esse sim, mais revelador sobre a valia da formação; ataca-se um sintoma sem atender à condição geral; liga-se à circunstância e não à estrutura.

E, por último, errado, porque induz a subordinação da formação ao emprego imediato.

"Se uma pessoa domina os fundamentos da sua disciplina e aprendeu a pensar e a trabalhar de forma independente, acabará certamente por encontrar o seu caminho, além de que terá mais facilidade em adaptar-se ao progresso e às mudanças do que uma pessoa cujo treino consistiu principalmente na aquisição de conhecimentos circunstanciais.". Quem o disse foi Albert Einstein.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

O que ouvi o Presidente dizer

Não aprecio particularmente as intervenções deste Presidente, quer quanto ao conteúdo, quer quanto à forma. Desta vez parece-me ter sido particularmente claro quanto à maioria dos aspetos, embora sem o dizer, em todos os casos, de forma explícita:

1) Considerou que a crise política da semana passada foi grave e inesperada, com efeitos imediatos e indesejados na envolvente do País. Sem o referir, é sabido que a crise foi causada pelo próprio Governo.

2) Por isso, e noutras condições, o Presidente convocaria eleições antecipadas. Por esse facto nunca referiu a solução que terá sido apresentada pelo Primeiro-Ministro, as promessas do PSD e do CDS, ou a existência de uma maioria parlamentar que continuaria a suportar o Governo, o que é uma alteração política muito significativa. Ao invés, explicou longamente, e de forma detalhada, os riscos e prejuízos imediatos de convocar eleições antecipadas neste momento, justificando a necessidade de procurar uma outra solução.

3) Na mesma linha de raciocínio, independemente da maioria parlamentar e do eventual sucesso do programa de assistência, anunciou, desde já, que o atual ciclo político não deveria chegar ao fim natual e que, em 2014, deveríamos ter eleições. Mais claro não é possível ser.

4) O Presidente considera que é necessário um acordo a três: PSD, PS e CDS. Acordo que, tendo em conta as declarações até agora efetuadas, será improvável. Para o efeito propôs, se necessário, a atuação de um mediador.

5) O Presidente afirma que há outras alternativas constitucionais, ou seja, que a alternativa que já lhe foi apresentada não serve; e que poderá recorrer a elas se não existir o entendimento que propõe. Um Governo de iniciativa presidencial, comprometendo os partidos a uma solução que considera ser a única? Solicitar ao PSD outro Primeiro-Ministro, capaz de fazer as pontes com o PS e CDS?

As reações iniciais destes três partidos mostram claramente que não perceberam, e que cada um tenta descobrir algo que não foi dito pelo Presidente e que esteja de acordo com as suas posições.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Boas notícias, finalmente !

Estes últimos 10 dias estão cheios de boas notícias; boas notícias sobre Portugal e o seu futuro.

Apesar de não sabermos sequer se temos um governo, meio governo, desgoverno ou que governo, o País, o País verdadeiro, aquele que está longe das cúpulas, dos telefonemas ansiososos, dos holofotes e dos comentadores, continua a funcionar. As instituições não colapsaram, as pessoas não ficaram prostradas, as empresas não fecharam. Há vida para além do Governo.

Uma semana depois da queda abrupta das bolsas, provocada pelos que professam a magna importância da estabilidade, ei-las que, viçosas, já recuperaram das perdas. Os fundamentais das empresas e da economia não foram afetados, o balanço global não é negativo e apenas o dinheiro mudou de mão, muito dinheiro. De entre gestores do risco, apostadores ocasionais ou compulsivos, manipuladores e gente que simplesmente se assustou, ou foi assustada, ganharam uns e perderam outros. O País não notou.

Os juros da dívida subiram e estes, ao contrário de outros objetos, sobem sempre mais depressa do que descem. Mas este perigo apenas se concretiza quando se vai ao mercado e, como já nos disseram, temos o financiamento deste ano assegurado. São apenas um indicador que pode ser gerido, calmamente, durante mais uns meses. Há tempos distintos.

Parece que eleições seriam sinónimo de desastre; apesar de, no essencial, nada irem mudar porque, dizem-nos, qualquer governo terá que seguir a mesma cartilha. Ora os mercados, inteligentes, sabem que a solução é quase única, pelo que, afinal, não há razões para alarme. As eleições poderiam até ter o efeito positivo da escolha, das escolhas individuais e coletivas; e legitimariam um governo para mais quatro anos - estabilidade q.b. - que tanto podia integrar um ou mais partidos, em várias combinações.

Só falta a economia crescer, mas estamos no bom caminho!

domingo, 7 de julho de 2013

A epístola de Paulo aos Lusitanos

O exame de acesso, na sua componente de português, filosofia, física, lógica e comportamento, versa a Epístola de Paulo aos Lusitanos, escrita no ano da graça de 2013 d.c., 39.º na era d.a. (depois de abril), e acontecimentos associados.

1. Examine a frase "Com a apresentação do pedido de demissão, que é irrevogável, obedeço à minha consciência e mais não posso fazer."
a) Defina "irrevogável";
b) Qual o facto irrevogável: a demissão, o pedido ou a apresentação do pedido de demissão?
c) Os pedidos podem ser recusados; o que sucede, então, aos pedidos irrevogáveis?

2. Elabore uma composição, com base no texto apresentado e utilizando uma das seguintes opções:
a) O grilo falante de Pinóquio, como imagem da consciência;
b) Um ou mais dos seguintes heterónimos: o agricultor, o reformado, o das feiras, o mercador internacional, o pregador;
c) Pedro e o Lobo, inserindo as várias personagens da história, incluindo o rebanho e os aldeões;

3. Discuta o papel da consciência ao longo dos diversos acontecimentos dos últimos dois anos, refletindo designadamente, sobre a sua eventual omnipresença ou frequente ausência.

4. Recorrendo à teoria da relatividade política escolha, e justifique, qual a opção que melhor descreve a duração de uma decisão irregovável:
a) Infinita;
b) Um bocado de tempo considerável;
c) Um piscar de olhos (podendo ser de um ou de ambos os olhos em simultâneo);
d) O tempo durante o qual permanecem constantes as condições existentes no momento da decisão;
e) De acordo com a referida teoria o tempo não existe.

5. Considere as seguintes expressões de ordem e relação:
- O n.º 1 definiu os outros números e a sua ordem;
- O n.º 3 julgava que era o n.º 2 até que o n.º 1 lhe disse que não era assim;
- Segundo alguns o n.º 2 era, afinal, o n.º 1, desconhecendo-se que n.º era o n.º 1;
- O n.º 2 saiu;
- O n.º 3 passou a n.º 2;
- O n.º 2 saiu (outra vez?), depois de ter julgado que era n.º 2, ter sido informado pelo n.º 1 (qual deles?) que era n.º 3, e de ter sido promovido a n.º 2 pela saída do então n.º 2;
- Isto está a ficar mais difícil: o 2.º n.º 2 que saiu voltou e passou a ser n.º 1b);
- O n.º 1b) alterou a ordem de outros números, passou alguns a 0 e introduziu outros no conjunto;
Quem é afinal o n.º 1?

6. Examine a frase "Em consequência [da confirmação da escolha da Ministra das Finanças], e tendo em atenção a importância decisiva do Ministro das Finanças, ficar no Governo seria um ato de dissimulação. Não é politicamente sustentável, nem é pessoalmente exigível."
a) Escolha a melhor pasta para um ministro dissimulado: Ministro sem pasta?
b) O que se deduz sobre a posição da consciência referida na questão 1?
c) Há um limite de decência para a insustentável leveza da política?

terça-feira, 2 de julho de 2013

Encontrar a solução

Saber que se está perante um problema, e é necessário encontrar uma solução, é bem mais fácil do que descobrir se se está perante um problema.

Quem gosta de resolver problemas de xadrez sabe isso muito bem: procurar um mate em 3 jogadas leva a reduzir drasticamente os movimentos possíveis, ainda que alguns possam ser muito improváveis à partida. Numa dada posição saber qual dos lados pode ganhar é uma tarefa totalmente diferente.

Ou, nas palavras de um dos maiores Grandes Mestres de todos os tempos:

What would intimidate you more, being told, 'Solve this problem', or being told, 'Find out if there's a problem?' Solving problems could almost be described as easy compared to figuring out whether we have a problem in the first place. It's hard to say we're lucky when we face a crisis, but knowing that action is called for is reassuring. The truest tests of skill and intuition come when everything looks quiet and we aren't sure what to do, or if we do anything at all.
...
Knowing there is a solution to find is a huge advantage; it's like not having a 'none of the above' option. Anyone with reasonable competence and adequate resources can solve a puzzle when it is presented in such a way. We can skip the subtle evaluations and move directly to plugging in possible solutions until we hit upon a promising one. Uncertainty is far more challenging.

Garry Kasparov, em "How life imitates chess"