sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Um romance orçamental - 4. Sob pressão

Capítulo anterior: http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/09/um-romance-orcamental-3-o-contrato.html

Flashes. Agosto... Altura de preparar o orçamento para o ano seguinte... Ouço vozes... Multiplicando-se... Subfinanciamento... Não estávamos em condições de preencher a plataforma... Todos os orçamentos estão submetidos na plataforma... Não recebemos o valor suficiente para pagar os ordenados... É essencial que o Governo cumpra o contrato...

Orçamento em preparação. Orçamento em negociação. Sob pressão. Sempre. Por menos cortes. Ou por mais aumentos. Dependendo da conjuntura. Afetando uns ou outros. Serviços, grupos, pessoas. Sob pressão. Universidades, Politécnicos e Ministro respetivo. Sindicatos. Associações. Bolseiros. Cada Ministro e Ministro das Finanças. Ministro das Finanças e Primeiro-Ministro. E partidos. E deputados. Que apoiam. Que apoiam, às vezes. Que se opõem. Sempre ou só às vezes. Por convicção ou porque sim.

Negociação. Sob pressão. Sempre. Desejada, em doses certas, para ganhar espaço, em Conselho de Ministros ou apenas face aos seus. Sob pressão. Encenada, em doses certas, para conduzir, de forma estratégica ou apenas tática. Sob pressão. Exigências. Cedências. Combinadas para mostrar firmeza ou para mostrar flexibilidade. Só que não há doses certas. Nem tudo é teatro. Nem tudo é controlável. Há outras vozes. E ainda bem.

Todos os orçamentos estão submetidos na plataforma, disse o Ministro. Mas a negociação continua. Sob pressão. Na praça que se faz pública. À margem de eventos. À mesa de um jantar discreto. Em reuniões anunciadas. Em reuniões dissimuladas. Em reuniões que não existiram. Através de recados trazidos por intermediários que não comprometem nem se comprometem.

Todos os orçamentos estão submetidos na plataforma, disse o Ministro. Mas, afinal, quem aprova os orçamentos?

(continua)

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Um romance orçamental - 3. O contrato

Do episódio anterior: "Ouço vozes. (...) "É essencial que o Governo cumpra o contrato que assinou com as universidades.""
http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/09/um-romance-orcamental-2-ouco-vozes.html

O contrato! Aquele contrato! Solene. Com dezanove assinaturas. Quatro são de Ministros. Firmado aos dezasseis de julho do ano da graça de 2016, no Paço Ducal da Casa de Bragança, sito na cidade-berço da nacionalidade. Entre paredes que representam, só ali, seis séculos de História. Bem mais, se olharmos para o Castelo, ou para a Condessa Mumadona Dias, virada para o Paço, feita estátua, devolvendo-nos o olhar.

Será este um contrato para ficar para a História? Para qual? A curta ou a longa? Para a dos contratos das Universidades-Fundação de primeira geração, também solenemente celebrados e, desde logo, não cumpridos por sucessivos governos? Para a de um outro contrato, a que até chamaram "de Confiança", que desapareceu sem deixar rasto? Veremos. Talvez já no orçamento de 2018.

Mas deixemos o tempo que já passou e o tempo que ainda não veio. Voltemos ao tempo presente. Ao que diz o contrato, em vigor. E que vigorará para a legislatura, dizem, e escreveram, Governo e Universidades, de comum acordo.

O Governo que governa compromete-se a não baixar as dotações do Orçamento de Estado. Menos mal. Nada que permita enfrentar o tão falado subfinanciamento. Nada que diga como o dinheiro é repartido entre as Universidades. Presume-se que mantendo o que vem de outra história. Nada diz sobre um financiamento calculado por fórmula. Mas é melhor que os cortes do passado. E espera-se que impeça cortes no futuro. Mas há mais. O governo compromete-se a suportar os aumentos salariais que determinar. E mais ainda. Compromete-se a suportar os "montantes necessários à execução de alterações legislativas com impacto financeiro que venham a ser aprovadas". Aqui parece caber todo um mundo. Como a contratação imposta de doutorados. Ou a regularização de precários. Ou outras disposições legais que afetem as carreiras. O Governo, cujas dotações não suportam o encargo de todos os trabalhadores das Universidades vai suportar, na íntegra este novo mundo. Não é pagar para ver. Ou não devia ser. O compromisso é só pagar. A menos que haja outras interpretações, com ou sem vírgulas. Já que letras em caligrafia reduzida e notas de rodapé não existem.

As Universidades, por seu turno, comprometem-se a fazer mais. Mais sucesso. Mais alunos a contactar com investigação. Mais alunos. Mais dinheiro privado. E quanto toca a dinheiro aparecem metas. Neste caso, o aumento terá de ser o dobro do crescimento do PIB. Metas que se reportam a 2020. Mas há mais ainda. Irão reduzir ou eliminar o recurso a bolsas de pós-graduação após três anos de trabalho doutoral. Tudo objetivos de equipa, de todas as instituições. Fica por saber o que acontece em caso de incumprimento, geral ou individual das ditas. Mas isso será lá mais para 2020. Tempo de outro Governo, que até pode ser o mesmo. E também deste lado há mais ainda. As Universidades criarão um mecanismo de entreajuda financeira para gerir situações de desequilíbrio financeiro. Mais uma vez mete dinheiro, E portanto mais detalhes. Um fundo para onde vai 0,25% da dotação de cada uma.

Contrato a avaliar. Com relatórios a submeter pelo Conselho de Reitores. Sobre todos os pontos do contrato. Todos os seis meses. Sujeitos a escrutínio público, com a mesma pompa? Não me parece.

Seja como for este contrato cria uma outra paisagem, que serve de fundo às vozes.

(continua)

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Um romance orçamental - 2. Ouço vozes

Do episódio anterior: "2017. Agosto. Este ano como poderia ser outro. É altura de preparar o orçamento para o ano seguinte."
http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/09/um-romance-orcamental-1-agosto.html

Preparar o orçamento. Um orçamento. Muitos orçamentos. Mais de trinta entre Universidades, Institutos Universitários, Institutos Politécnicos e Escolas. A que se somam mais uns quantos, por via de desdobramentos ao sabor da organização de cada instituição.

Preparados no recolhimento dos gabinetes e dos computadores. Fechados. Submetidos. Dígitos enviados para o mundo digital. Dígitos com poder sobre vidas reais. Autenticados, com sinete que não deixa marca. Lacrados, com cera que já não cheira. Para que não sejam alterados. Ainda invisíveis aos nossos olhos. Até serem revelados, nos idos de outubro.

Restam as vozes.  Multiplicando-se. Reitores e Presidentes, Conselheiros, Estudantes, Deputados, Comentadores, Sindicatos. Nos jornais, na rádio, na televisão, na esfera digital. Falando do que ainda não conhecemos. Dirigidas a todos para chegar a alguns. Deixando adivinhar. Com cambiantes, nuances, paletes de cor. Avanços e recuos. Entendidos e Subentendidos. Induzindo. Conduzindo.

Ouço vozes. Menos vozes, ainda assim, do que o número de orçamentos. Procuro compreender. Ver para lá da neblina. Removendo os cabeçalhos que iludem. Removendo os filtros que ditam o tempo do direto ou do diferido. Removendo os filtros que determinam a dimensão do texto. Removendo os filtros das perguntas que querem ser respostas. E escavo a terra, em busca dos contextos que se escondem.

Escuto as vozes.

"Subfinanciamento".
"Não estávamos em condições de preencher a plataforma da Direção-Geral do Orçamento, ou mais exatamente, estávamos impossibilitados, pelas regras da contabilidade e pela lei de as preencher".
"Na altura própria falaremos de orçamentos mas esse assunto não é um caso, porque todos os orçamentos estão submetidos na plataforma informática e lacrados".
"O senhor ministro veio dizer que não havia problema porque há o orçamento do ano passado, só que o orçamento do ano passado também não serve".
"Expresso o reconhecimento pela celebração, em 2016, do Contrato de Confiança entre o Governo e as universidades".
"Subfinanciamento crónico".
"O orçamento foi entregue no prazo exigido, mas a DGO pedia indicação do valor de receitas próprias que estaríamos disponíveis perante a progressão de carreiras na função pública, e a isso respondemos zero euros".
"Se tivessem pedido para dizer se o Politécnico tem hipótese de comportar esta alteração, então teria dito que não, não tem".
"É essencial que o Governo cumpra o contrato que assinou com as universidades".
"Subfinanciamento estrutural das instituções que deveriam receber mais 100 milhões de euros".
"As associações de estudantes pedem, com caráter de urgência, um aumento do investimento, através da OE'2018, nas residências dos serviços de ação social".
"Com a queda progressiva das dotações, vimos assistindo a uma queda sensível nas verbas para o funcionamento normal, incluindo a conservação das instalações".
"Asfixia financeira".
"Garantir, pelo menos, o fim da suborçamentação dos serviços públicos".
"Não recebemos sequer o valor suficiente para pagar os ordenados".
"Se tomarmos o referencial de receitas e despesas de todos os estabelecimentos do ensino superior público temos um superavit de 67 milhões. É compreensível?".
"Há subfinanciamento face àquilo que é o desempenho e a qualidade das nossas universidades".
"O financiamento histórico das instituições de ensino superior favorece os interesses instalados".
"Nesta fase não entramos em mais detalhes, até o orçamento ser apresentado no Parlamento".
"A minha expectativa é que se cumpra o acordo que assinámos no ano passado com o Governo".

(continua)

sábado, 23 de setembro de 2017

Um romance orçamental - 1. Agosto

2017. Agosto. Este ano, como poderia ser outro. As Universidades entram em hibernação. Sim, são criaturas que hibernam no Verão, como é sabido. Os estudantes, antecipando-se, na sua pressa, haviam já iniciado o fluxo migratório, à medida que acabava o último exame, o último trabalho, a finalização de uma tese. De volta ao ninho ou a outras paragens. Em setembro farão o percurso inverso. Menos alguns que terão acabado o percurso. Mais alguns que irão começar um novo caminho.

2017. Agosto. Este ano, como poderia ser outro. Os docentes entram num período de maior flexibilidade, em que os prazos são outros, que não os das aulas e avaliações. Tempo para artigos e livros, conferências e viagens, projetos novos ou antigos, preparação de uma nova cadeira ou reparação da cadeira habitual. E para férias, também. Em quase todos os serviços é tempo de pausa, apagam-se as luzes, desligam-se os computadores e fecham-se as portas, por pelo menos um par de semanas.

2017. Agosto. Salas vazias. Corredores quase desertos. O silêncio ganha o espaço que tantas vezes lhe falta. O silêncio instala-se, confortavelmente. Nas cadeiras e gabinetes. Estendendo-se nos laboratórios. Vagueando por entre livros fechados, cheios de palavras também elas silenciosas.

2017. Agosto. Ainda e sempre ficam alguns irredutíveis, por opção ou por obrigação. Porque há coisas que não podem parar. Porque às vezes é a melhor altura para trabalhar.

2017. Agosto. Este ano como poderia ser outro. É altura de preparar o orçamento para o ano seguinte. Instruções vindas de cima, de baixo ou do centro, consoante a perspetiva. Sempre iguais, mas sempre diferentes. Contas de somar e de sumir. Receitas e despesas. Certas e incertas. Um fato que nunca parece estar à medida, efeito dos excessos e das dietas. Um orçamento provisório, para juntar a muitos outros. Para ser negociado e alterado. Para ser entregue na Assembleia da República. Para ser negociado e alterado. Para ser aprovado. Para ser executado.

(continua)

domingo, 17 de setembro de 2017

Em modo de aprendizagem

"One of the most difficult things to learn - and one of the last things we ever learn about ourselves - is the personal impact we have on those around us."

Peter McCaffery (2004), "The Higher Education Manager's Handbook, effective leadership and management in universities and colleges", RoutledgeFalmer.

sábado, 16 de setembro de 2017

Nota positiva: cursos e emprego

O Expresso de hoje tem um artigo, da autoria de Cátia Mateus, intitulado "Estes são os cursos com menos desemprego". Um trabalho que parte das estatísticas disponibilizadas pela Direção-Geral de Estatísticas  da Educação e Ciência  (DGEEC), mas que não se fica por aí: analisa os dados criticamente, avança para outros tratamentos da informação e apresenta as limitações inerentes às próprias estatísticas. Um bom exemplo! Em particular quando emprego, desemprego e empregabilidade de cursos são, tantas vezes, incorretamente apresentados ou mal compreendidos.

Aqui ficam as limitações enunciadas:

"A contabilização da DGEEC calcula a empregabilidade dos cursos em função do número de diplomados inscritos nos centros de emprego. Ora, nem todos os diplomados desempregados estão registados no IEFP.

As percentagens apresentadas na plataforma Infocursos têm por base o número de diplomados que cada instituição formou entre 2012 e 2015, registando assim um desfasamento temporal de dois anos em relação ao contexto atual do mercado laboral.

A estatística não diferencia os cursos pela dimensão do seu universo de formandos, agregando na mesma lista cursos que formam 20 diplomados por ano, e outros que colocam no mercado centenas de profissionais anualmente. Além disso, diplomados que concluíram o curso em anos diferentes.

Não é possível, a partir destes dados, apurar o grau de experiência profissional dos desempregados, nem perceber se alguma vez chegaram a trabalhar na sua área".

E mais poderia ser dito. Os dados do desemprego nada revelam sobre a qualidade do emprego, sobre se os licenciados empregados o estão na sua área de formação, etc., etc.

Assunto que já passou por aqui e por outras ondas: http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2015/06/empregabilidade.html

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Sente-se inspirado? Sente-se inspirador?


Inspirar. Ser inspirado.
Libertar. Ser liberto.
Desafiar. Ser desafiado.
Encorajar. Ser encorajado.

Duas faces?

Deixar respirar. Respirar.
Respirar o mesmo ar.

Uma face!


"The first theme is composed of leadership (encouraging staff to take more initiative and responsibility for greater achievement) and managerial structures (simplifying the hierarchical structure and bureaucratic processes), as illustrated here:
This is where, I think, you get the distinction between a good university and a great university. A great university is one where the leadership inspires, where the leadership encourages, where the leadership is seen as one of us, but leading us on. If your university management doesn’t inspire, doesn’t encourage people intellectually, then, we see ourselves as being more independent rather than the group progressing on. I don’t think you can underestimate how important it is for the university’s management… leadership. The inspiration they can provide is absolutely essential for a positive climate (Professor 1, Arts & Humanities)."
Baris Uslu (2017), "The influence of organisational features in high-ranked universities: the case of Australia", Journal of Higher Education Policy and Management Vol. 39 , Iss. 5.