quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Grupos, Classes, Culturas, Valores

Voltando a Frederick Balderston, que esteve nas Notas em 2011, então a propósito das estruturas administrativas das universidades (http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2011/03/bem-me-quer-mal-me-quer.html), e que agora trago com uma visão sobre os diferentes mundos internos que coexistem e que, frequentemente, se entrechocam.

"The university faces another personnel problem. Faculty and research personnel share a value system and the attitudes about academic status that such a value system induces. Administrative staff members, including those at professional and senior levels, cannot share directly in this status system and are, worse yet, sometimes the victims of academic snobbery and academic contempt for bureaucracy. Most universities need to increase understanding between the two worlds if they are to avoid the retreat into bureaucratic rigidity that is an all too natural defensive reaction of administrators."

F. Balderston (1995) "Managing Today's University".

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Os Centaurianos

Hoje noticiam-se mais bolsas porque há mais dinheiro; ou porque o dinheiro apareceu depois de muita polémica, tomadas de posição, idas ao Parlamento e uma chamada a Belém; mais bolsas individuais onde ainda há pouco não havia muitas bolsas, não porque faltasse o dinheiro, asseguraram-nos, mas porque a política era outra, porque a política devia ser outra .

E foi então que me lembrei dos Centaurianos, que descobri na secção de perguntas de lógica da revista Jeux & Stratégie, na década de 80 do século passado. Descobri-os tal como o astronauta terráqueo, em missão espacial, que era figura central da história. Os Centurianos são criaturas simpáticas, aparentemente iguais à vista, mas repartidas por quatro géneros de particularidades bem distintas: os Verídicos, que dizem sempre a verdade; os Mentirosos, que mentem sempre; os Inconstantes, que tanto mentem como dizem a verdade; e os Loucos, que podem proferir frases verdadeiras, falsas ou contraditórias. O problema de cada enigma é que o astronauta não os distingue, de facto, e nunca sabe, à partida, a que género pertencem os seus interlocutores. Até que eles começam a falar...

À vous de jouer!

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Despesa em I&D - T1. Ep. 3 - O Regresso ao mar

Depois da tempestade em terra, protagonizada pela parte do Governo que tutela a ciência, e depois da mão dada, em termos orçamentais, pela parte do Governo dedicada à Economia, surge agora a visão vinda do mar, via Presidência do Conselho de Ministros.

A agenda dos programas de I&D deve pressupor o investimento em recursos humanos qualificados e em infraestruturas de ciência e tecnologia ligadas aos mares e oceanos, bem como a otimização dos recursos existentes, o fomento e reforço da cooperação, a partilha de meios entre instituições nacionais e a participação ativa e devidamente enquadrada nas redes internacionais. A I&D deve ser financiada de forma estável e com consistência programática, orientada para as necessidades funcionais e de conhecimento que decorrem da implementação da ENM 2013 -2020. 
em "Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020", aprovada pelo Governo.

Investimento em recursos humanos qualificados, dizem.
Financiamento estável e com consistência programática, escrevem.
Mais do que a apregoada cooperação interministerial parece ser um caso de cacofonia governamental.

A que se pode também juntar o recente anúncio, pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, da integração do Instituto de Investigação Científica e Tropical na Universidade de Lisboa. Instituto cuja tutela fora exercida, em anterior Governo, pelo então Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior em articulação com os Negócios Estrangeiros; que na configuração inicial do atual Governo (julho de 2011) foi integrado na Presidência do Conselho de Ministros; que transitou para os Negócios Estrangeiros (maio de 2013) e que agora, parece, regressará à esfera da Educação e Ciência, não sob a alçada do Ministério mas integrado numa Universidade. Na Universidade de Lisboa que no processo de fusão que lhe deu origem tinha já recebido o Estádio Universitário de Lisboa.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Cenários de um futuro presente

Eis uma visão das universidades que soa cada vez mais familiar:

As part of the active industrial policy, universities are delivering courses dictated by initiatives set out by regional assemblies that vice-chancellors sit on. They are also funded by government to play a wider role in their community. With limited government resources, however, local post-secondary institutions have merged so that there is one per locality to deliver the required skills and activities. The shape of the university sector is controlled by the local assemblies with one of each ‘type’ of university allowed in each region. Courses and student numbers are determined by the government’s industrial policy, taking into consideration the long term needs of sectors and public services in that locality. This leads to a focus on delivering students trained for planned jobs. Much of this training is done in collaboration with their potential future employer. Similarly, the research agenda is focused on economic and social issues requiring a technological solution. Universities are at the heart of their local communities. They provide residents with leisure services, evening classes, library access and technology use, which for many has become unaffordable.

Esta não é uma tradução de qualquer documento divulgado pelo governo português, nem de um programa partidário, nem de um texto de opinadores. Também não é uma referência, como caso de estudo, ao ensino superior nacional.

É apenas um cenário. Um cenário sobre o futuro das universidades. Um de quatro, considerados credíveis, ainda que convenientemente extremados para suscitar a reflexão, e consta de uma publicação da University Alliance, organização que reúne 22 universidades do Reino-Unido.

A designação do cenário: Uni_public.
O quadrante em que se situa: Collaborative Society; Contracting Economy.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Emprego absoluto

De vez em quando é útil regressar aos números absolutos. Número de pessoas, por exemplo, em vez de taxas, índices simples ou compostos, rankings ou outras figuras. Devidamente contextualizadas estas figuras estatísticas são extremamente úteis. Devidamente descontextualizadas prestam-se a todas as tentativas de manipulação ou, no mínimo, de tentativa de criação de "dúvida razoável".

Um outro olhar sobre as estatísticas do INE referentes ao 4.º trimestre de 2013, à atenção dos crentes no sucesso e dos crentes no desastre, que partilham a crença de que os outros é que estão entrincheirados.

População empregada, que é mais fácil de identificar e de contar do que a desempregada:

1) Em outubro-dezembro há mais 7900 pessoas empregadas do que havia em julho-setembro. É uma evolução positiva.

2) Em outubro-dezembro de 2013 há mais 29700 pessoas empregadas do que havia em outubro-dezembro de 2012. É uma evolução positiva, mas que não autoriza conclusões apressadas, uma vez que estamos a "saltar" de um ponto de um ano para outro, sem descrever o que aconteceu entre ambos.

Para comparar 2012 e 2013 o INE recorre à média da população empregada em cada um dos quatro trimestres. Já não estamos a fazer uma contagem simples, mas ainda assim esta média não se presta a múltiplas interpretações.

3) No ano de 2013 a população empregada diminuiu 121200 pessoas em relação a 2012. A elevada diminuição de emprego no início do ano de 2013 supera o aumento registado nos restantes meses. Uma evolução negativa com a dimensão, aproximada, de toda a população do concelho de Setúbal.

Um outro indicador a ter em conta: a evolução da população ativa, sendo esta a que tem 15 anos ou mais (conceito que eventualmente deveria ser revisto, pelo alargamento da escolaridade obrigatória).

4) A população ativa diminuiu 105400 pessoas, de 2012 para 2013. Um fonte de preocupação.

Estes são números claros. São números que retratam apenas uma pequena parte deste problema. Nada dizem sobre a qualidade do emprego, sobre as áreas, a idade ou a geografia. Para isso há outros dados, muitos outros.

O que nenhum deles mostra, porque são dados de conjunto, é que as políticas e as decisões coletivas e individuais não são neutras para as pessoas, para cada pessoa. Não mostra que alguns dos empregados de 2013 não o estavam em 2012. E que alguns dos desempregados de agora perderam o emprego durante este ano. Em caso algum estes dados permitem, só por si, prever o futuro. Porque as tendências que podem revelar não se autosustentam.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Eu patenteio, tu patenteias, ..., nós patenteamos (pouco), eles patenteiam (muito)

Notas para o Click, Antena 1, de sábado, 8 de fevereiro de 2014 (versão áudio)

O Governo, deputados da maioria e alguns comentadores descobriram um novíssimo indicador, incluído num relatório da Comissão Europeia de 2013, que mede, dizem, a excelência da investigação. Descobriram que Portugal está apenas em 18.º lugar, uma prova provada de que para fazer chegar a ciência à economia é preciso mudar a política pública para a ciência. O número e esta conclusão são repetidos, entram na esfera mediática e ganham eco. Perfeito alibi político. Mas suspeito que não sabem do que estão a falar!

O indicador em causa resulta de quatro outros, relacionados com a citação de publicações científicas, a presença de universidades em rankings, as patentes submetidas e o valor obtido em bolsas do European Research Council. Um caldo que, só por si, merecia reflexão e uma análise separada de cada factor, princípio básico para quem vem da ciência e para quem quer usar o conhecimento para melhor decidir.

Vejamos o número de patentes por milhão de habitantes. Pouca gente saberá que o incontestado líder europeu é … o Liechtenstein! Para além da Suiça, seguem-se a Suécia, a Alemanha, a Dinamarca e a Finlândia. No top 50 das instituições não está qualquer universidade. Estão empresas que incorporaram a investigação na sua estratégia: a Ericsson é responsável por quase um terço das patentes submetidas pela Suécia; a Finlândia tem a Nokia; a Alemanha a Bosch e a Siemens, número 2 neste ranking. Siemens que tem mais de 13.000 pessoas a fazer investigação e desenvolvimento, só na Alemanha, e que investe anualmente 6% das suas receitas, mais de 4 biliões de euros.

Em Portugal, desde 2009, faz-se cada vez menos despesa em investigação, nas empresas, no ensino superior e no Estado. São estatísticas do próprio Ministério da Educação e Ciência. A quebra foi maior no setor empresarial, onde a despesa em investigação é agora de apenas 0,7% do PIB. Muito longe dos mais de 2% da Suécia e da Finlândia.

O problema da inovação não é a transferência de conhecimento, ou de recursos, para as empresas; nem lá vai com benefícios fiscais; é estrutural e refere-se à baixa intensidade tecnológica da nossa economia. O dilema político consistirá em decidir se, neste quadro e no curto prazo, as universidades devem, ou não, ser o principal motor da investigação e desenvolvimento em Portugal. De resto, muita da argumentação usada no debate político sobre ciência não passa de uma cortina de fumo que não resiste ao vento de uma discussão séria.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Existência líquida

Chove. O mundo liquefaz-se. O ar é agora cinzento de água. As janelas deformam o olhar. As pedras escorrem, imóveis, pela rua abaixo. A estrada por onde passo é feita apenas de reflexos e de sombras. Ainda se sente terra. Ainda se pressente céu. Chuva. Gotas empurradas pelo vento. Gotas que tocam a pele, ficando connosco um momento. Gotas que tombam formando poças, correndo juntas, sem saber destino, em riachos que já foram nuvens, sopradas em direção a um mar qualquer. Gotas separadas, que ficam à margem, vendo as outras a passar. Gotas diferentes, em contra-corrente, buscando o impossível. Chove mais. Mais ainda. Os contornos esbatem-se. Tudo se torna indistinto. Tudo se confunde. As gotas caem agora do chão, feito nuvem, para a nuvem, feita chão. Também eu caio para uma nuvem. Acordo. Sou uma gota.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Caltech tem a palavra

Caltech, o Instituto de Tecnologia de Califórnia, é o líder das três últimas edições do ranking do Times Higher Education (THE), sendo já segundo quatro anos atrás.

Caltech é Caltech, uma instituição singular, pequena em número de estudantes e de investigadores, grande em orçamento e com uma cultura própria. Uma realidade bem diferente da média do ensino superior norte-americano, do europeu e, ainda mais, do português. O THE dedicou-lhe um artigo que vale a pena ler, e dar a ler, sem preconceitos, sem ilusões, sem mimetismos; ler com espírito aberto e questionar o que se faz e o que se diz, o que fazemos e o que dizemos, o que fazem e nos dizem. Questionar e recusar abertamente o que não faz sentido são características do espírito crítico, de uma atitude de investigação e de um ensino que se quer de nível superior.

Entre nós, quando se quer melhorar um pouco, quando não se tem a mínima ideia do que se quer fazer, quando se julga que se está a motivar outros ou a fazer política apregoa-se a excelência, de variadas formas, mais ou menos ocas e ilusórias: vamos integrar o pelotão da frente (mesmo depois de décadas entre os últimos), superar a média europeia, promover ou densificar a excelência (rarefeita até então), passar da quantidade (que em muitos indicadores nem sequer é satisfatória) à qualidade, entrar num novo ciclo, mudar de paradigma.

O melhor é mesmo passar a palavra a quem é, reconhecidamente, excelente. Fiquem então com uns extratos do artigo (que pode ser lido em http://www.timeshighereducation.co.uk/features/caltech-secrets-of-the-worlds-number-one-university/2011008.article).

Dimensão
"It is clear that Caltech is a special place, but how has it achieved this success? Rosakis’ first answer focuses on its size. “I always refer to this small size as being very similar to the size effect that exists in materials – there are special properties that exist when you are extremely small,” he explains in his airy office, the winter sun streaming through a bank of windows on to a chalkboard filled with mathematical formulae."

Propósito
“It is more important to do something that’s new than just to crank out the papers. It is not about the numbers or the citation index, it’s about looking beyond that and looking at what is new and truly different. Maybe that comes from a certain amount of self-confidence that the institution has. I think many places are very conscious of being judged by the outside, but Caltech doesn’t have that.”

Investigação fundamental
“There’s an unfortunate trend in the funding of science and engineering that focuses on ‘what are we going to get out of this in terms of application’ as opposed to ‘let’s enable the broad-based fundamental activity that has been demonstrated historically to lead to the kind of technological breakthroughs that become the dominant technologies in the world’.”

Contratação
Rosakis is much more blunt: “I cannot make mistakes when I hire. I really cannot. We have 16 faculty members in Information Science and Technology – Carnegie Mellon [University in Pittsburgh, a highly ranked research institution] has 200. If I make one hire or two hires that are wrong, I have a huge setback.
(...)

What this means is that decision-makers at Caltech spend “an enormous amount of time making sure that we identify the best available and have the resources to attract them”, Rosakis continues.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Verde, o novo tom laranja

Jorge Moreira da Silva fundou, em 2011, a Plataforma para o Crescimento Sustentável.

De entre o conjunto de relatores e colaboradores nas várias áreas de trabalho desta plataforma é possível identificar, pelo menos, 1 outro ministro do atual governo, nada menos do que 6 secretários de estado em funções, 1 ex-secretário de estado e um par de nomeados para cargos de relevo.

Jorge Moreira da Silva, agora Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, acaba de criar a Coligação para o Crescimento Verde.

Em comum o Crescimento. O sustentável ganhou cor. E a Plataforma passou a Coligação. Ou melhor, a Plataforma é membro desta Coligação.

A apresentação contou com a presença do Primeiro-Ministro, e líder laranja. Desaparecidos do Crescimento Verde estiveram os Ministros Azuis da outra Coligação, a que nos governa, e que tutelam pastas diretamente relacionadas com a economia: o Ministro da Economia e a Ministra da Agricultura e do Mar.

Cromatismos de poder.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Sombras

Luz.
Nuvem. Sombra.
Sombras. Nuvens.
Ramos. Troncos. Musgo. Pedra.
Penumbra.
Degraus. Rocha. Túnel.
Escuridão.
Gruta. Casulo. Concha.
Concha fechada.
Silêncio. Imóvel. No tempo.
Apenas.
Apenas tempo.
Tempo sem tempo.
Fresta.
Sopro.
Murmúrio.
Sair.
Rastejar. Deslizar. Subir.
Flutuar.
Rocha. Gotas. Arestas. Aragem.
Terra. Raízes. Folhas. Erva.
Ar. Orvalho. Noite.
Deitado.
Olhando.
Céu.
Pó de estrelas.
Nuvem.
Sombra.
Sombras.