quarta-feira, 23 de maio de 2018

Uma questão de identidade










O Professor Universitário decidiu subscrever o Manifesto. Por estar preocupado com os destinos da Ciência em Portugal. Porque acredita na importância que a ciência tem para o desenvolvimento do País. Porque acredita que o financiamento é insuficiente, e que o funcionamento é deficiente. Porque não quer que sejam estas as razões que conduzem muitos à procura de outras paragens para fazer ciência. Umas breves palavras tecladas, nome, instituição, país, e três cliques depois - talvez tenha tido uma breve hesitação a preencher a ocupação/cargo - juntou a voz à de muitos da sua comunidade.

O coro de vozes decidiu "alertar o Governo e a Assembleia da República para os graves problemas existentes e apontar direções para a sua solução". O Governo, como órgão de condução da política geral e órgão superior da administração pública, com uma pasta para a Ciência, emparelhada com a Tecnologia e o Ensino Superior. A Assembleia porque detém competência legislativa e de fiscalização dos atos do Governo e da Administração.

O coro de vozes decidiu pedir ao "Governo e à Assembleia da República que reconheçam urgentemente a necessidade de traçar um rumo de médio e longo prazo para a Ciência em Portugal que de forma sustentada nos permita ultrapassar estes estrangulamentos e fazer avançar o nosso país através da ciência e da tecnologia". Um rumo a traçar, tempo futuro, tornando claro que não existe no presente. Um rumo "que garanta os fundamentos essenciais de regularidade, estabilidade e respeito acima definidos, tornando estes princípios essenciais da sua política de ciência". Princípios que, claramente, carecem de ser assegurados e de ganhar presença nas políticas.

O Professor Universitário, preocupado, olhou para o seu reflexo, enquanto premia "submeter". E viu, do outro lado, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, confiante, a fazer o mesmo gesto como só os reflexos sabem fazer, subscrevendo, também ele, o Manifesto.

O Professor-também-Ministro acabava de alertar a Assembleia que fiscaliza a atuação do Governo e, portanto, a atuação do Ministro-também-Professor, o qual, no seu gesto simétrico, parece recomendar à Assembleia que recomende ao Governo, e portanto, a ele próprio, uma atuação distinta.

O Professor-também-Ministro acabava de alertar o Governo para os problemas da política atual e da respetiva implementação, num recado destinado ao Ministro-também-Professor, o qual, no seu gesto simétrico, parece ter em mente outros destinatários, que não ele próprio. Recados talvez mais para cima, para o Primeiro de entre os Ministros; ou para o lado, para os colegas, com especial atenção ao Ministro das Finanças; ou para o público e para a comunicação social, procurando, num passe de mágica, transformar as críticas da comunidade a que sente pertencer numa validação das políticas e numa imagem de consonância.

O Manifesto Ciência Portugal 2018 foi subscrito, entre muitas outras pessoas, pelo Professor Universitário Manuel Heitor, também Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, e está disponível em http://cienciaportugal.org/manifesto2018/.