segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O indicador composto

O indicador, dedo, serve para apontar. O indicador composto, de seu nome completo, indicador composto de excelência em ciência e tecnologia serve para atirar. Para atirar à oposição, para atirar aos bolseiros e investigadores, para atirar aos jornalistas, para atirar a alguns deputados que o promovem, suponho, sem saberem muito bem do que estão a falar. Parece ser uma descoberta recente do governo e da comissão europeia.

Dizem-nos, Ministro, Secretária de Estado da Ciência, bancadas da maioria, que a posição que Portugal ocupa, 18 no seio da União Europeia, prova que chegou a altura de investir na excelência, reduzindo na quantidade.

É um uso seletivo da informação, à medida para justificar opções políticas já tomadas.

O referido indicador consta de uma publicação, de 2013, da União Europeia: Research and Innovation Performance in EU Member States and Associated Countries - Innovation Union progress at country level; e baseia-se num trabalho, do ano anterior, elaborado pelo Joint Research Centre: Composit Indicators of Research Excellence. Assenta em quatro parâmetros: i) fracção das publicações mais citadas (top 10%); ii) número de instituições presentes no top 250 das universidades mundiais e top 50 de organismos de investigação (rankings Leiden e Scimago), por milhão de habitantes; iii) patentes submetidas por milhão de habitantes; iv) valor de bolsas do European Research Council em relação à despesa de I&D no estado e ensino superior.

Não sou perito na área, mas gosto de ver, por mim próprio, a informação de que se fala. E analisá-la criticamente.

Misturar número de doutorados, programas de bolsas e este indicador é mistificação. E não nos disseram muitas coisas, algumas que sabem, outras que talvez não saibam. Para começar brandiram o indicador, como arauto da verdade incontestável, sem referir o que ele mede, os pressupostos e as limitações. Dá trabalho, custa tempo, mas assim devia ser a política, ainda para mais sobre ciência. Não nos disseram que os dados usados referem-se a 2010, ou anos anteriores quando são usadas médias de vários anos. Não disseram que o efeito de citações, em muitas áreas científicas, é diferido no tempo: cita-se hoje, por vezes, o que foi feito há anos, o que resultou de investimentos passados. Não disseram que as patentes não têm que resultar do investimento público em ciência. Não questionaram o valor de usar como critério as bolsas atribuídas pelo ERC. Não disseram que a situação até já pode ser pior, porque desde 2009 que Portugal gasta menos em ciência.

Não disseram que o referido relatório contém outros indicadores. Que ocupamos a posição 17 em intensidade do conhecimento na economia, assumido como indicador de transformação estrutural da economia. E que neste âmbito ocupamos a posição 23, sim, 23, no que se refere à taxa de emprego em atividades económicas de conhecimento intensivo face ao grupo empregado entre os 15 e os 64 anos. E que decorre do baixo investimento em investigação nas empresas, em queda acentuada nos últimos anos. E que talvez decorra da dimensão de algumas e dos setores de atividade com maior implantação.

Medidas do Governo, a este propósito: benefícios fiscais para as empresas. E noutro setor do Governo, ali no ministério da Economia, diriam ainda mais, o que é preciso é transferir financiamento das universidades para as empresas.

O dilema não é esse, e é bem maior, até porque o tempo não joga favoravelmente a nosso favor, enquanto vamos divergindo: é possível ter uma dinâmica forte de investimento em investigação nas empresas ou, em muitos domínios, o setor público vai ter de fazer as "despesas"?

Há leituras a que vale a pena voltar, periodicamente, como esta, sobre o papel do conhecimento em tomadas de decisão (no caso em matéria ambiental, ams extrapolável), Willingly and knowingly – The roles of knowledge about nature and the environment in policy processes, RMNO, Lemma Publishers, 2000, e que referi numa entrada de blog a.c.2008 (antes da crise da 2008). Eis um pequeno extrato:

Observation 6: knowledge is often not used for the formulation of policy.
Large quantities of knowledge produced for the benefit of policy are never used in that policy-making. This selective (under)use of knowledge can be attributed to different factors. Some are person-bound (for instance: the paradigm of a policy-maker, interests of policy-makers and users, knowledge monopolies), other relate to the way in which knowledge is presented (too much, too little structure, too little interaction, bad timing).

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Despesa em I&D - T1. Ep.2

O primeiro episódio  desenrolou-se na arena internacional, com escala em várias capitais europeias (http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2014/01/despesa-em-i.html).

A cena decorre agora em terras lusas, num dia em que os governantes e administradores da ciência - Ministro da Educação e Ciência, Secretária de Estado da Ciência e Presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia, passaram pela Assembleia da República.

Deixemos agora a percentagem do PIB (grandeza que encolheu em anos recentes). Até porque o que permite fazer ciência, como de resto todas as outras atividades, não são percentagens, mas pessoas e dinheiro. Deixemos pois as comparações da estrutura da despesa e mesmo do volume da despesa, que ignora os preços reais em cada país, que ignora portanto que nem todos os euros são iguais. Esqueçamos ainda as guerras parlamentares sobre as virtualidades da comparação entre despesa pública e dotação orçamental; ou sobre 2008, ou 2010, ou 2013, fazendo por esquecer o efeito cumulativo do investimento ou o efeito cumulativamente subtrativo do desinvestimento.

Olhemos apenas para os euros, realmente gastos, em Portugal, nas empresas, no estado, nas universidades.

Facto: 2009 foi o ano que registou a maior despesa em I&D: 2764 M€.

Facto: de 2009 a 2012 gastou-se sempre menos, de acordo com dados provisórios de 31 de dezembro último.

Facto: o decréscimo foi de 295 M€ em três anos, ou seja, quase 11%.

Conclusão: Portugal está a investir menos em investigação.

Facto: um pouco mais de metade da quebra, 150 M€, refere-se a despesa executada nas empresas, que passou de 1311 M€ para 1161 M€; a restante refere-se a despesa executada no estado, no ensino superior e em instituições privadas sem fins lucrativos.

Facto: a despesa executada pelo Estado caiu 42 M€, ou seja, quase 21%.

Facto: a despesa executada no Ensino Superior caiu cerca de 52 M€, ou seja cerca de 5%.

Alerta interpretativo: há despesa executada nas empresas que corresponde a financiamento público e despesa executada em entidades públicas que corresponde a financiamento privado.

Conclusão: o Estado investe menos em investigação; as empresas investem menos investigação; as universidades investem menos em investigação.

Conclusão: o investimento privado não será a solução de curto prazo.

Alerta interpretativo: nem todos os efeitos desta "poupança" são imediatamente visíveis nos resultados da investigação. As publicações de hoje correspondem a trabalhos do passado. As citações a trabalhos do antes passado. A falta de equipamentos de ponta, a deterioração, a quebra de acesso a bases de dados terão efeitos no amanhã e no depois de amanhã.

Facto: as dotações orçamentais (a preços correntes) de 2013, estão ao nível das de 2008.

Conclusão: o Estado assumiu o retrocesso do esforço público de investigação que veementemente nega.

Os factos são da responsabilidade exclusiva do Ministério da Educação e Ciência, e constam de relatórios da Direção Geral das Estatísticas da Educação e Ciência, disponíveis na internet: Dotações orçamentais para C&T e I&D, de maio de 2013, e Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico - IPCTN12 - Resultados provisórios, de dezembro de 2013.

As conclusões são da minha responsabilidade.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Despesa em I&D

Despesa em atividades de investigação e desenvolvimento por setor de execução, em 2012, expressas em percentagem do produto interno bruto (dados retirados da Pordata, baseados no Eurostat, OCDE, INE).

Despesa total
Portugal, com 1,50%, encontra-se ainda longe da média da União Europeia a 27 (2,07%) e muito longe dos países que proporcionalmente mais investem: Finlândia (3,55%), Suécia (3,41%), Dinamarca (2,98%), Alemanha (2,92%), Áustria (2,84%). Eslovénia (2,80%).

Despesa executada no Ensino Superior
Portugal (0,58%) executa mais despesa em I&D neste setor do que a média da UE-27 (0,49%), e mesmo do que a Alemanha (0,53%), embora francamente menos do que países do Norte da Europa como a Dinamarca (0,95%), a Suécia (0,92%) ou a Finlândia (0,77%).

Despesa executada no setor Estado
Sim. O setor Estado realiza investigação. Em Portugal apenas corresponde a 0,10% do PIB. Na UE-27 0,26%. Na Alemanha 0,43%, face a 0,53% no Ensino Superior.

Despesa executada em empresas
Aplicada e não só, porque empresas de ponta fazem investigação fundamental.
Finlândia (2,44%), Suécia (2,31%), Eslovénia (2,16%), Dinamarca (1,96%), ..., UE-27 (1,31%).
Portugal (0,70%) surge apenas na 16ª posição.

Estes números não dizem tudo. Estes números não dizem muito. Estes números não mostram o modelo de cada País. Mas dizem alguma coisa. Dizem que a diferença não se esbate transferindo verbas de investigação das universidades para as empresas. Dizem que a diferença não se esbate reduzindo as verbas executadas no ensino superior. Dizem que é preciso que haja mais despesa em investigação, nova despesa em investigação, nova despesa em investigação realizada nas empresas. Não sei se o caminho que alguns querem seguir é apenas o do mercado, do expoente da competição, mas a ser, em coerência, tal implicaria que as empresas paguessem mais investigação, esta diferença que temos em relação à maioria dos países.

Se compararmos 2012 com 1995 os números dizem algo mais. Dizem que triplicamos a despesa em I&D. Ora se partimos de uma situação de décadas de pouco investimento, a convergência de resultados não se alcança apenas com a, já de si difícil, convergência do nível de investimento; é preciso um esforço maior. Dizem ainda que se desinvestiu na investigação executada no setor Estado, que diminuiu de 0,14% para 0,10%. É uma situação que, neste domínio, nos coloca quase na ponta da cauda, apenas à frente de Chipre e Malta (se excluirmos a Dinamarca e a Irlanda, que em termos do setor empresarial estão noutro campeonato). Talvez tenha a ver com a situação dos Laboratórios de Estado. Seria preciso analisar outros dados.

À atenção de quem gosta de ver, e de mostrar, apenas uns números, mas não outros. E de teorizar sobre investigação útil e aplicada, universidades e empresas. Há muita informação à nossa volta, à espera de ser usada. Não de ser manipulada numa tentativa de fazer encaixar a realidade na teoria ou na ideologia.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Ritual de submissão

Sou contra a disciplina de voto. Empobrece a democracia. Empobrece a participação individual. Desresponsabiliza. Transforma pessoas em meros números. Insulta os eleitores. Contraria tudo que se apregoa sobe a importância de consensos, discussão, transparência. É um ritual de submissão. Falta um mecanismo pelo qual os eleitores possam retirar a confiança aos eleitos.

Podia continuar a adjetivar a coisa. Prefiro citar a a eloquente crónica de hoje de Pedro Santos Guerreiro, no Expresso: "Que dizer dos deputados que votaram contra a sua consciência? Que não a têm? Que dela abdicaram? Declarações de voto não valem um voto. A objeção ou é um exercício ou não é objeção, é plasticina. A disciplina de voto pode fazer sentido, mas não neste caso. Mas serve de capote para acomodar a cobardia sentada no Parlamento. A disciplina de voto tornou-se a disciplina de veto. Veto à própria Assembleia, que aprovara o processo legislativo, precisamente porque então houvera liberdade de voto. Ontem não houve liberdade. Escreveu-se torto por linhas tortas. Foi tudo triste. Tudo triste."

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Eles não sabem !?

É sempre arriscado comentar excertos do que alguém diz. Por isso procuro evitá-lo de modo a que as "Notas" possam ser de mais além, e não apenas da superfície. Mas nem sempre é possível ter acesso integral às mensagens, sem montagens, sem intermediação. Esta é uma dessas situações. Correrei o risco de uma interpertação incompleta, mesmo incorreta.

Desta vez foi Pires de Lima, sobre a investigação que se faz, tema muito em foco (citado no Expresso de hoje):

"Uma boa parte da investigação é financiada por dinheiros públicos e não chega à economia real. Não chega a transformar o conhecimento em resultados concretos que depois beneficiem a sociedade como um todo."

Terá ainda dito não ser possível "alimentar um modelo que permita à investigação e à ciência viverem no conforto de estar longe das empresas e da vida real". Terá ainda referido o elevado número de doutorados em Portugal e o contraste com o baixo número de doutorados nas empresas.

Terá preconizado a necessidade de "(...) criar um modelo de estímulos e de sinais que ligue a investigação, a ciência, a educação, à vida concreta e real das empresas e que se traduza em produtos, marcas e serviços que possam fazer a diferença no mercado e devolver à sociedade o investimento que fizemos", bem como a incorporação de uma educação para o empreendedorismo nas escolas.

Vamos por partes, porque com os mesmos factos eu chego a conclusões muito diferentes. O primeiro problema, e de monta, não é, pelo menos em grande parte, a investigação financiada por dinheiros públicos não chegar às empresas. O problema é que as empresas, desde logo, não financiam uma "boa parte da investigação". O mesmo se pode referir em relação ao baixo número de doutorados nas empresas. Ora o "homem" da economia, das empresas, do mercado, é lesto a colocar o problema apenas de um lado: as universidades não investigam o que é preciso; os doutorados não têm as características que as empresas querem. Eu diria que as empresas, muitas empresas não podem, não querem ou não precisam (razões distintas para setores e empresas distintas) de investir em investigação e em investigadores.

Outra questão, também fundamental: o papel da investigação publicamente financiada. Nesta visão, como em muitas outras, a investigação deve ter utilidade a curto prazo, deve ser o mais aplicada possível. Nestes tempos medidos em microsegundos, preenchidos por hipersolicitações e habitados por todos nós, seres com pouco tempo para pensar, o Sr. Ministro deve ter-se esquecido que para a navegação orientada através das estrelas foi preciso muita investigação "inútil", que permitiu compreender a posição e movimento dos astros, a sua relação com o nosso planeta, o modo de interligar pontos à superfície. Ou que para produzir telemóveis e computadores alguém, muitos, muito antes, estudaram minerais, estudaram compostos, estudaram a radiação, para compreender. As utilizações vieram noutras épocas, por outras gentes. O telemóvel é um bom exemplo da quantidade e qualidade de conhecimento inicialmente não aplicado (http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2012/06/o-que-vemos-ao-olhar-para-um-telemovel.html). Este é um papel singular das universidades. Do interesse público.

Terceiro ponto: a formação de doutorados e o emprego. O percurso de doutoramento é um percurso de desenvolvimento de capacidades de investigação de forma autónoma, alargando o conhecimento disponível. Como tal, segue um processo próprio e tem um tempo próprio. Naturalmente que pode incidir sobre partes de problemas reais, das empresas, do meio natural, da sociedade. Mas não unicamente e não dando acesso, necessariamente, a determinado tipo de emprego.

Mais haveria para dizer sobre a vida "real" das empresas ou sobre a vida "real" da investigação "confortável". Ou sobre o fabrico do "homo imprenditoris", desde o berço até à criação de sucesso,  contraditoriamente, talvez, sempre apoiado de fundo em fundo, de estímulo em estímulo, de curso em curso. Mas fiquemos por aqui.

Não sei se "eles" sabem. Sei que o mundo deles não é o meu. E espero que não seja o de muitos mais.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O mito da especialização

Pessoas especializadas, instituições especializadas, cidades especializadas, regiões especializadas, talvez países especializados. A especialização é um dos chavões de hoje, associado à ideia de competitividade, de sucesso e de excelência. Mais uma via de sentido único. Um chavão que tende a ser aplicado a tudo, como caminho indiscutível de verdade. E, como tal, foi rapidamente apropriado pelo discurso político. Leia-se o seguinte exemplo aplicado às universidades.

"Considero que não é necessário fechar instituições de ensino, mas sim especializá-las em algumas áreas e regular a oferta ao nível regional em função das necessidades do mercado de trabalho."

Especialização em áreas e em regiões para satisfação do mercado de trabalho. Todo um programa, todo uma maneira de ver o mundo em apenas duas linhas, por Duarte Marques, coordenador do Grupo Parlamentar do PSD para o Ensino Superior (no Público online de hoje).

Não sei o que é uma universidade especializada. Não sei sequer se uma universidade especializada é ainda uma universidade. Mas acredito que a convivência e a mistura entre áreas diversas aumenta a abertura de espírito, o surgimento de novas ideias, a proposta de soluções em que o social, o cultural e o tecnológico são partes iguais.

A apologia da especialização é até contrária, embora igualmente perigosa, a outra muito em voga sobre fusões entre instituições de ensino superior. Recorde-se a recente fusão entre a Universidade de Lisboa e a Universidade Técnica de Lisboa, que não faz, nem pretende fazer, da nova Universidade de Lisboa uma instituição mais especializada. Bem pelo contrário.

Focar as instituições na sua região natural e numa ligação direta às voláteis necessidades de emprego é um erro ainda maior (ver, por exemplo, http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2013/07/desemprego-e-vagas-ligacoes-perigosas.html), parecendo ignorar a dimensão global do conhecimento, a competição internacional, a mobilidade das pessoas, isto para não falar da mobilidade do capital e das indústrias.

Vale a pena refletir sobre o artigo de opinião assinado por Ricardo Hausman, Professor de Economia em Harvard, intitulado "O mito da especialização", e publicado na última edição do Expresso. Eis alguns extratos:

"Algumas ideias são intuitivas. Outras parecem tão óbvias depois de serem expressas que é difícil negar a sua verdade. São poderosas, porque têm muitas implicações não óbvias. Colocam-nos num quadro mental diferente quando olhamos para o mundo e decidimos agir sobre ele. (...) Muito embora algumas ideias sejam intuitivas ou óbvias, podem também ser erradas e perigosas. Como é normalmente o caso, não é o que não se sabe, mas o que erradamente se pensa saber, que nos prejudica.
E a ideia de que as cidades e países acabam por se especializar, e que por isso se devem especializar, é uma destas ideias muito erradas e perigosas. Quando uma ideia é ao mesmo tempo intuitivamente verdadeira e realmente falsa, isso acontece muitas vezes porque é verdadeira num nível, mas não no nível em que está a ser aplicada.
(...)
A escala à qual a especialização dos indivíduos leva à diversificação é a cidade.
(...)
As cidades são os sítios onde se reúnem as pessoas que se especializaram em diferentes áreas, permitindo às indústrias combinar o seu conhecimento. As cidades ricas caracterizam-se por um conjunto de competências mais diversificadas, que suporta um conjunto mais diversificado e complexo de indústrias - e fornece desse modo mais oportunidades de emprego a diferentes especialistas."

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

A receita de sempre

Em artigo de opinião (Expresso, 11 de janeiro) afirma a Secretária de Estado da Ciência "Precisamos de estimular a investigação e a inserção de doutorados nas empresas, quer através de incentivos fiscais (...) quer pela alocação de fundos comunitários para esse fim, uma das prioridades para o próximo programa comunitário de apoio à C&T".

A receita é a mesma de sempre, seguida em muitas áreas: "follow the money", a eterna cenoura. Para cultivar ou colher; para apostar nas pescas ou abater frotas; para exportar; para contruir estradas ou caminhos de ferro; para apostar nas energias renováveis ou nas energias fósseis.

A verdadeira mudança seria a aposta na investigação, pelas empresas, por muitas empresas, isoladamente ou em associação, encarada como aposta estratégica própria para um futuro melhor.

A verdadeira mudança para a competitividade seria passar de um modelo de investigação "empurrado" pela oferta, de doutorados, de cursos, de fundos, para um modelo "puxado", ou pelo menos "equilibrado" pela procura, pela necessidade das empresas.

Casos haverá em que é preciso ultrapassar barreiras iniciais, criar condições para a mudança de ambos os lados, de todos os lados. Mas aqui não se trata apenas de casos. Trata-se do sistema.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Como eles se divertiam ...

"The screen was lit up, and it said: 'Today's arithmetic lesson is on the addition of proper fractions. Please insert yesterday's homework in the proper slot.' Margie did so with a sigh. She was thinking about the old schools they had when her grandfather's grandfather was a little boy. All the kids from the whole neighborhood came, laughing and shouting in the schoolyard, sitting together in the schoolroom, going home together at the end of the day. They learned the same things, so they could help one another on the homework and talk about it. And the teachers were people ... The mechanical teacher was flashing on the screen: 'When we add fractions 1/2 and 1/4 -'. Margie was thinking about how the kids must have loved it in the old days. She was thinking about the fun they had."

Visões de um futuro que olha para o presente, imaginado passado. O futuro estava colocado em 2157. O presente era o ano de 1951 d.c., bem a meio do último século. A Guerra tinha acabado. Do lado de cá do Atlântico, Portugal tinha universidades em Coimbra, Lisboa e Porto. O único troço de auto-estrada ligava Lisboa ao Estádio Nacional. A televisão não existia sequer: apenas chegaria meia dúzia de anos depois, algumas horas por dia, em canal único, a preto e branco. Não havia computadores pessoais, telemóveis, ou tablets. A comunicação à distância não era omnipresente e, muito menos, pessoal ou instantânea.

A informação estava organizada em livros, guardada em bibliotecas. Longe de teclas e de dedos que as correm sem as ver, a qualquer hora e em qualquer lugar. O ensino fazia-se em sala de aula. Os professores eram pessoas. Muito longe do ensino à distância, que só podia ser feito à velocidade de ida e de volta das cartas escritas em papel. Muito longe de um ideal de ensino personalizado, individualizado, acessível por todos mas ao ritmo de cada um. Muito longe das iTunesUniversities e dos Massive Online Courses dos anos 2000, de um ensino cada vez mais intermediado tecnologicamente.

Isaac Asimov imaginava dias em que o "professor" era mecânico, ajustado ao nível e ritmo de cada estudante, presente em casa. Em que as crianças diziam com a mesma naturalidade "I hate school". E em que, um dia, olhariam para trás imaginando o passado. Um passado divertido.

What Fun They Had, é um conto muito rico, que ocupa apenas três páginas e meia de livro em formato de bolso, já algo amarelecidas, como as do livro que Margie encontra.