sábado, 12 de dezembro de 2015

Regresso ao futuro - Episódio I - O olhar alienígena

Precisamos, de tempos a tempos, de ver através de outros olhos, que não os nossos. Desafiando os sentidos e a razão que se cria a partir deles. Ver de novo. Ver diferente. Ver de outro ângulo. Com outras lentes. Mudando as cores. Sem cor alguma. Tocando texturas. Regressamos depois ao ponto de partida, e vemos outro mundo, apesar de ainda ser o mesmo.

Este é o efeito de olhar através do outro, do estrangeiro, do alienígena. Que convocamos pelas mais diversas razões e para os mais diversos usos. Que apela, porque diferente, talvez mais sábio. Que repele, porque diferente, porventura sem perceber os cambiantes do nosso mundo. É outro. O que é suficiente para questionar certezas e hábitos, desde que a tal estejamos abertos.

Fim de 2015. O Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, chamou os olhos da OCDE, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, para vermos de modo diferente o nosso sistema de ensino superior.

Rewind.

2006. O Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago, apelando aos mesmos olhos, mas também aos da ENQA, Associação Europeia para a Garantia da Qualidade no Ensino Superior, para observar precisamente o sistema de garantia de qualidade, e aos da EUA, Associação Europeia de Universidades, para um olhar individualizado sobre as universidades e politécnicos que o desejassem.

O que viram esses olhos, em 2006 e 2007? O que anteciparam? O que propuseram? O que decidimos fazer com o olhar e com a razão alienígena?

Play.

Os olhos repararam numa enorme transformação ao longo de 20 anos, desde meados de 1980 até 2006: muito mais alunos no ensino superior, mais investimento em investigação, impressionante crescimento no número de doutorados. Taxas de crescimento invulgares pela sua dimensão.

A essas vistas saltaram também problemas: de definição estratégica, de gestão do sistema como um todo, de governação institucional, de qualidade, de insucesso.

E daqui resultaram propostas.

To be continued.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Descubra as diferenças

Antes era o programa eleitoral do PS. Agora o Programa de Governo. Pelo meio umas eleições; negociações; um governo que tomou posse; mais negociações; um governo que caiu; vários acordos; um presidente; um novo governo.

No jogo de diferenças, entre o antes e o agora, entre programa eleitoral e de governo, descobri duas, apenas duas na secção dedicada ao ensino superior.

A primeira logo na introdução. Antes lia-se "A modernização sistemática do Ensino Superior português passa necessariamente:", a que se seguiam cinco pontos. Agora a frase tornou-se mais extensa, continuando: " (...) passa necessariamente, pela articulação com as orientações que presidem à aposta na cultura, na ciência e no conhecimento, incluindo:", os mesmo cinco pontos. Talvez uma mera mensagem de articulação entre políticas, por vezes separadas.

A outra terá uma tradução concreta mais imediata e insere-se no domínio da Ação Social.

O PS propunha "Rever o regime de atribuição de bolsas, tendo em vista o cumprimento do objetivo europeu de aumentar o numero de estudantes do ensino superior e a democratização do acesso e garantindo a possibilidade de pagamento faseado de propinas". Rever o regime de bolsas é de interpretação ambígua, mesmo quando o mesmo esteja relacionado com o aumento da frequência do ensino superior.

No programa do Governo surge agora "Reforçar a Ação Social Escolar direta, através do aumento do valor das bolsas de estudo e do número de estudantes elegíveis, e da ação social indireta com a transferência do financiamento público adequado às universidades e politécnicos para assegurar serviços de alimentação, alojamento e transportes". Mais claro: mais estudantes abrangidos, bolsas mais elevadas e transferências "adequadas" para a ação social indireta. Esta é a formulação que podemos encontrar, exatamente com a mesma redação, no programa eleitoral do PCP, que acrescentava ainda "e apoio médico de qualidade e a preços acessíveis", expressão que caiu.

A seguir em sede de elaboração de orçamento, veremos de qual, e de alteração de regulamento de bolsas.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Uma questão de soberania

"Sobretudo, não pode omitir-se que a rede de investigação e ensino é uma questão de soberania e não de mercado, que os estudantes não são clientes, são responsáveis pelo futuro da comunidade, que as propinas são elementos do sistema tributário, submetidos aos critérios do Estado social, e não um preço pago por um serviço recebido. O ensino é uma questão de soberania, não é um problema de mercado."

Adriano Moreira (2013) Memórias do outono ocidental. Um século sem bússola, Almedina.

sábado, 21 de novembro de 2015

Um fenómeno estranho!

"Notas" no Click, Antena 1.
(gravado a 11 de novembro, em período final do XX Governo Constitucional, e emitido a 12 de dezembro, por questões de programação)

O financiamento público do ensino superior vai mudar radicalmente, qualquer que seja a configuração do governo, ou dos governos, nos próximos anos. Será mais estável, terá uma base plurianual e será contratualizado.

Esta é a certeza que se retira dos recentes programas eleitorais das maiores forças políticas: Portugal à Frente, Partido Socialista, Bloco de Esquerda e Partido Comunista Português. As três primeiras são claríssimas quanto à necessidade de um financiamento plurianual, numa convergência de 92% dos deputados, bem mais do que as ditas frentes “europeístas” ou “anti-austeridade”. E creio mesmo que PCP, PEV e PAN podem contribuir para o pleno, num verdadeiro pacto parlamentar.

Igualmente importantes são as palavras “estável”, inscrita por quem tem governado nas últimas décadas, os partidos da coligação Portugal à Frente e o Partido Socialista, e “previsível”, escrita pela PáF. Estabilidade e previsibilidade são conceitos que andam desaparecidos, mas que constavam das propostas da OCDE, formuladas em 2006 para o nosso ensino superior.

Estas mudanças permitiriam uma revolução na forma de gestão das instituições que, passariam de dotações anuais, fechadas tardiamente já com o ano letivo em curso, para uma perspetiva alargada no tempo, estimulando e recompensando uma abordagem estratégica.

Para isso é preciso definir o papel do Estado no financiamento de cada estudante e estabelecer uma relação mais direta entre o contributo de cada instituição e a dotação que recebe, tornando todo o processo mais legível, transparente e verificável.

O futuro parece, pois, promissor para o Ensino Superior. A menos que estas propostas sejam desejos e não compromissos. A menos que quem escreveu sobre ensino superior não tenha falado com quem escreveu sobre finanças. A menos que se repita o incumprimento, pelos sucessivos Governos, de contratos, como os assinados com as Universidades-Fundação. A menos que o destino seja o mesmo de um Contrato, a que se chamou “de Confiança”, e de que já ninguém se lembra.

“Sim. Por vezes as pessoas têm tendência a acreditar no que está escrito. É um fenómeno estranho!”, diz o druida Panoramix, em “O Papiro de César”. Em breve saberemos se os irredutíveis gauleses se estavam, também, a referir aos lusitanos.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Discordo

Discordo. É o que me vem ao pensamento, depois de tanto ouvir e ler, e de evitar ouvir e evitar ler, todo o ruído que ocupa o espaço de comunicação, televisão, rádio, jornais, redes sociais. Discordo de muito. Discordo de quase tudo. Talvez porque outros, com quem podia concordar, falam menos ou têm menos palco. Porque hoje em dia gritar parece, estranhamente, ser mais aceite do que conversar, do que debater, do que pensar, do que fazer silêncio. Porque muitos que recorrem a discursos cheios de valores são dos mais intolerantes. Porque muitos instruídos são, afinal, mal-educados. Porque os argumentam não colam, por mais forte que a cola seja. Porque vejo pessoas que conheço, ou que julgava conhecer, a adoptar posições de um radicalismo estranho. Discordo pois.

De quem não respeita os outros e recorre ao insulto.
De quem se acha dono da democracia.
De quem se arroga o poder de decretar as razões do voto de outros. Eu sei a razão do meu voto e apenas a do voto de mais algumas pessoas.
De quem só tem certezas e nunca se engana.
De quem não reconhece o erro.
De quem esquece o passado.
De quem não é coerente.
De quem usa o medo como arma.
De quem usa a mentira como balas.
De quem usa promessas vazias como engodo.
De quem cava trincheiras e dispara rajadas sobre tudo que vem "do outro lado".
De quem liquida a cultura de diálogo.
De quem acha que o país está (devia estar) de luto, como se o país fosse só deles.
De quem acha que o país está (devia estar) em festa, como se o país fosse só deles.
De quem acha que estávamos a caminho do paraíso, que agora foi roubado.
De quem acha que estamos já na terra do leite e do mel.
De quem só vê o céu ou apenas o inferno.
De quem só vê a preto e branco, perdendo a riqueza das pessoas e da vida.
De quem acha que o caminho acabou, porque perdeu ou porque ganhou.
De quem exige acordos inexpugnáveis e de quem clama ter acordos à prova de bala.
De quem pretende reduzir a democracia ao momento do voto.
De quem entende a democracia como um jogo de futebol, em que os votos são golos.
De quem entende que a democracia é o comando dos vencedores, a quem tudo é permitido.
De quem promete rejeitar programas, orçamentos ou medidas que não conhece.
De quem confunde o Parlamento com um qualquer programa de donos da bola.
De quem se comporta como hooligans verbais.
De quem considera que interpretações diferentes são ilegítimas.
De quem emite contínuos decretos constitucionais, sem competência para o fazer.
De quem lê os mercados como quem lê a sina.
De quem apenas especula, aparentando comentar.
De quem apenas comenta, para manipular.
De quem ateia fogos, para ficar a ver.

E se esta for a maioria, então canto com os Green Day:
"
I want to be the minority
I don't need your authority
Down with the moral majority
'Cause I want  to be the minority
"

sábado, 10 de outubro de 2015

Sai um Governo ...

Os Partidos esforçaram-se por nos fazer acreditar que estávamos a escolher um Governo e um Primeiro-Ministro. Muitos acreditaram ou queriam, ardentemente, acreditar. Não estávamos. Elegemos 230 deputados e a capacidade de formar Governo depende do número de deputados em cada bancada, e do que estes, na prática, fizerem, Se os Partidos forem coerentes alterarão em breve a Constituição, e passaremos a votar, diretamente, em candidatos a Primeiro-Ministro. E facilitarão a criação de maiorias absolutas. Mas não creio que tal vá acontecer. A coerência nem sempre convém.

Desta vez, e nem sequer será a primeira, será mais notória a diferença entre Governo e Assembleia, que terá, certamente, capacidade para legislar em algumas matérias sem o acordo dos partidos que apoiam o Governo.

Ouvem-se agora muitas interpretações sobre "a vontade do povo", como se ela fosse una, cada qual tentando legitimar a sua maneira de ver o mundo, ou, simplesmente, o seu desejo. Interpretações que ignoram, deliberadamente, os muitos significados por detrás dos votos: a favor, contra, porque sim, porque não, tanto me faz, para pior já basta assim, mudar custe o que custar, experimentar algo de novo, recusar qualquer mudança, clubes, modas, interesses e desinteresses,

Discordo de muitas das teses que circulam. Entendo que algumas são meros elementos da teoria de jogos, ou de meros jogos sem teoria.

Há quem ache natural a existência de coligações pré-eleitorais, mas não admita coligações pós-eleitorais. Há quem concorde com acordos parlamentares viabilizadores, mas não com os que possam ser opositores.

Há quem entenda que maioria relativa é igual a maioria absoluta e que, em consequência, quem perdeu tem de fazer de morto. Pessoas que repetiram que nós não somos a Grécia, mas que gostavam de ter o bónus de 50 deputados que lá se atribui a quem tem mais votos. Pessoas que talvez achassem que Sócrates devia ter governado até 2013, com um governo minoritário. Pessoas que deviam ouvir o que disse Paulo Rangel no último Expresso da Meia-Noite, lembrando, com naturalidade, os múltiplos exemplos que existem na Europa, de partidos que ganharam eleições mas não com margem ou capacidade política suficiente para governar.

Há quem ache que o mundo é a preto e branco, ou melhor à direita e à esquerda, sendo que um destes dois lados terá sempre maioria. Esquecem-se ou querem fazer-nos esquecer que há direitas, esquerdas e, imagine-se, até, centros. Ou são por nós ou contra nós. Não há compromissos através da linha divisória, invisível, talvez tracejada, mas haverá compromissos dentro de cada lado. Regressando às fronteiras e querendo acreditar que todos têm mais em comum do que diferente.

Há quem tacteie, talvez às cegas, procurando adivinhar o resultado no fim do jogo, antes de optar. Princípios políticos, preferências pessoais, estados de espírito, vontades. Puxando numa ou noutra direção. Pensamento externo. Pressões externas. Pensamento interno. Pressões internas. Partidos que se partem,

Há um Presidente em fim de mandato, mas que terá de decidir, mais tarde ou mais cedo, após negociações e audições. Haverá um Presidente em início de mandato.

Os recentes Governos de maioria absoluta, de Sócrates e Passos Coelho, contribuíram para um sentimento de que governar dispensa negociar. Maioria absoluta, poder absoluto. E, por isso, os principais partidos sempre apelam a uma maioria absoluta. Decidir sem concessões. Decidir sem negociação. Decidir sem ouvir. Suspeito que os outros partidos só não o fazem também porque estão mais longe da vitória.

O que sempre leva a uma estratégia de terra queimada, agudizada em períodos eleitorais, e que torna mais difícil o diálogo quando ele não só é necessário, como essencial.

Sai um Governo para o País no canto da Europa.

sábado, 3 de outubro de 2015

O mar que sobe

"Notas" no Click de hoje. 3 de outubro, na Antena 1.

A geração nascida na mudança de século está quase em idade universitária, e fará 30 anos, daqui a outro tanto tempo. 2000, 2015, 2030: três mundos diferentes.

Em 2000 a população mundial superava já os 6.000 milhões. A China, que não tinha ainda aderido à Organização Mundial do Comércio, era o país mais populoso; os Estados Unidos da América a maior economia; as torres gémeas faziam parte da paisagem de Nova Iorque; o Produto Interno Bruto de Portugal, a preços constantes, tinha crescido mais de 3%; a guerra no Kosovo acabara; a wikipedia não existia.

2015. Um mundo que ganhou mil milhões de pessoas. Que se deslocam muito mais, em virtude de menores barreiras e melhores transportes, para conhecer, para estudar, para trabalhar ou para fugir. Vidas que rotulamos: emigrantes, com “e” ou com “i”, migrantes apenas, talentos, cérebros, mão de obra, refugiados, gerações perdidas ou ganhas. Estados Unidos da América, Federação Russa (talvez ainda restos do império) e Arábia Saudita recebem o maior número.

Em pouco tempo a Europa encheu-se de histórias e de imagens que lembram outros tempos e outras paragens, como os boat people vietnamitas, de há décadas, ou as longas marchas. Mas é agora e é aqui! Estes são alguns dos 16 milhões de refugiados que se estima existirem e que se encontram, maioritariamente, na Jordânia, na Palestina, no Paquistão, na Síria, no Irão e na Alemanha.

As migrações são um tema familiar a este país que continua a encolher, mas que tem 2 milhões de portugueses a residir no estrangeiro, entre os quais 17% da população do Luxemburgo.

A mudança não pára: em 2030 a população global estará bem acima de 8 mil milhões; 60% viverão em cidades; a Índia será então o país mais populoso e a China a maior economia. Muito mais pessoas terão formação superior. O valor de um diploma será outro. Os sistemas de ensino e do trabalho serão, forçosamente, diferentes.

As pessoas continuarão a mover-se, transportando consigo o saber, promovendo novas cooperações, alterando equilíbrios que se davam por adquiridos. Em parte, este é o significado de uma economia globalizada e baseada no conhecimento.

Os muros não deterão o mar que sobe.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

O preço? 99,99!

Foi a jogo numa competição global e foi classificado. Os resultados vão ser noticiados. Que título prefere:

A. Está entre 175.º e 200.º
B. Figura nos 200 melhores do mundo.
C. Ocupa o 178.º lugar.

Não continue a ler! Feche os olhos e pense um pouco.
Agora faça um exercício semelhante, considerando que ocupa outro lugar:
A. Ficou em 21.
B. Está entre os 100 melhores.
C. Integra o grupo 20-40.
D. Está entre as 200 melhores do mundo.

Qual escolheria?
Respostas diferentes que geram perceções e impactos diferentes.
Pois é algo parecido com isto que acontece com o ranking global de universidades do Times Higher Education, ontem revelado. Esta edição contém dados de 800 universidades, agrupados em vários parâmetros, cada um com um determinado peso para a classificação final. Qualquer folha de cálculo, ou mesmo uma folha de papel e uma boa dose de trabalho, permite fazer uma lista ordenada das 800 universidades. Mas a lista divulgada não é essa! É assim:
As 200 primeiras universidades estão, de facto, ordenadas de 1.º a 200.º. Seguem-se lotes de 50, sem distinção dentro de cada um: 201 a 250; ...; 351 a 400. Depois lotes de cem: 401 a 500; 501 a 600. Finalmente um lote de duzentos: 601 a 800.
Como a distinção dentro de cada grupo não é divulgada, e como todos tendemos a olhar para cima, parece facilmente que, por exemplo, qualquer instituição que figura entre 201 e 250 está, na verdade, quase a entrar nas "200 melhores"; e a universidade que figuraria em 800º está ao lado, sob o mesmo título, da universidade que apareceria em 601.º Quanto mais atrás se está mais é possível gerar a ilusão que o patamar é outro. A menos que se queira fazer as contas!
Estratégias usadas noutros mercados: Qual é o preço? 99,99!

O meu voto

No dia 4 de outubro vou votar. Não considero a abstenção, até porque não ficarão cadeiras vazias no Parlamento. Não vou votar para escolher um Governo, porque nenhum candidato apresentou a sua futura equipa. Não vou votar, sequer, para escolher um Primeiro-Ministro: porque essa escolha não consta do boletim de voto; porque isso depende de todos os votos e do método de apuramento de deputados; porque depende da leitura do Presidente da República e, eventualmente, da capacidade de estabelecimento de alianças sobre as quais não me pronunciei. Não vou votar num programa: porque nenhum representa totalmente as minhas opções; porque muitas questões estão omissas; porque outras são, simplesmente, mal abordadas. Vou votar, tendo à escolha listas de candidatos, mas não podendo escolher, individualmente, cada um deles. Vou votar, podendo escolher deputados que terão a responsabilidade de legislar sobre todas as matérias exceto as que se referem à organização e funcionamento do Governo; deputados que serão os únicos a poder legislar sobre eleições, partidos políticos, orçamento de Estado, referendo, bases gerais do ensino e defesa nacional; deputados que podem alterar a Constituição, e aos quais cumpre zelar pelo seu cumprimento e pelo das leis; deputados que apreciarão os atos do Governo e da Administração. Ser deputado é assumir uma função crítica que nos influenciará a todos; função que requer, não um mero número numa qualquer bandeira, mas sim pessoas críticas. É isto que, democraticamente, está em causa.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Programas Eleitorais - Financiamento: o grande consenso?

Em termos de financiamento do ensino superior existe, surpreendentemente, um ponto de partida para um entendimento muito alargado quanto ao modelo público de financiamento. Consegue identificar quem propõe o quê?

1. Financiamento adequado e plurianual das instituições de ensino superior, contratualizado para cobrir despesas de funcionamento e programas de investimento.

2. Quadro de financiamento estável a longo prazo, com base em objetivos e com definição plurianual, envolvendo financiamentos-base, projetos de modernização pedagógica, projetos de reforço de equipamentos e infraestrutura.

3. Plano estratégico de investimento no Ensino Superior Público que eleve o financiamento público das instituições, assegurando as condições materiais e humanas adequadas ao seu funcionamento.

4. Financiamento estável e previsível, através de um modelo plurianual que inclua estímulos à reorganização da rede, à exploração das vantagens competitivas das instituições e à melhoria contínua.

5. Financiamento público estável, num regime plurianual e contratualizado por objetivos, assente numa fórmula baseada em indicadores de estrutura e de desempenho, complementado por dotações atribuídas por concurso e linhas de financiamento para dinamizar o aumento da eficiência.

Eis a solução: 1. Bloco de Esquerda; 2. Partido Socialista. 3. Partido Comunista Português. 4. Portugal à Frente. 5. Livre-Tempo de Avançar.

Caminhamos a passos acelerados para um modelo de financiamento estável e plurianual? A memória, mesmo a de curto prazo, aconselha prudência! Senão vejamos:

Os Governos gerados pelo PS e pelos partidos do PàF não cumpriram os contratos, plurianuais e por objetivos, celebrados pelo Governo com as 3 universidades que passaram ao regime fundacional. O Contrato de Confiança, assinado com universidades e politécnicos, e que visava aumentar significativamente a frequência do ensino superior, com metas e compromissos plurianuais, passou rapidamente à história. A Lei de Financiamento em vigor (Lei 37/2003), define uma componente base, por fórmula, que inclui indicadores de desempenho; prevê, igualmente, a possibilidade de celebração de contratos plurianuais.

Ora o que há é um efetivo problema, do lado do(s) Governo(s) em cumprir compromissos nestas áreas, ou até em definir metas, por exemplo, quanto ao investimento do Estado por estudante. Haja vontade política!

Assunto diferente é entrar nos pormenores de uma qualquer fórmula de financiamento, escolher indicadores, medir, ponderar, calcular. Como alerta uma comunicação recente da Comissão Europeia, COM(2015) 408 final, de 26 de agosto último: "(...) it is clear that implementing performance-based funding instruments brings along many challenges. Leaving aside certain pratical aspects such as the need for effective systems of data collection and monitoring, a core issue relates to the choice and definition of indicators of performance and potential impact (including unintended as well as intended consequences)". E os aspetos práticos referido, em Portugal, não são de somenos.

Já no que se refere a propinas, as posições são bem diferentes, estando ausente dos programas do PS e do PàF, sendo rejeitadas em absoluto pelo BE e pelo PCP, e sendo diminuídas pelo Livre.

domingo, 27 de setembro de 2015

Programas Eleitorais - Autonomia

É comum ouvir falar da importância da autonomia universitária, das suas virtudes e mesmo da necessidade de a reforçar. Mas quase sempre em termos vagos. E, no que toca a partidos e governos, em termos esquizofrénicos: onde a tutela do Ensino Superior apregoa autonomia, a das Finanças implementa microgestão.

O atual Governo proclamou a intenção de criar um regime de "autonomia reforçada". Nunca se soube, verdadeiramente, em que tal constituiria. A coligação que lhe está na origem propõe agora rever o regime jurídico das instituições "garantindo uma autonomia institucional adequada à melhoria do serviço público", ou seja, uma frase vazia, ainda para mais remetendo para uma avaliação global, futura, do dito regime.

Numa outra parte do programa propõe-se "reforçar a autonomia das instituições de ensino superior na utilização das receitas obtidas em projetos de I&D com financiamento empresarial". Aqui, a gestão de dinheiro proveniente de empesas e destinado a investigação terá regras distintas daquele vindo de empresas mas para apoiar o ensino, por exemplo, ou de dinheiro de instituições não empresariais, ou de verbas públicas.  A autonomia não será da instituição, mas sim função da origem e destino das receitas. Em lugar de uma autonomia reforçada caminharemos para uma autonomia mitigada e complicada.

No que diz respeito à primeira parte, o PS vai exatamente no mesmo caminho: avaliar o regime jurídico "reforçando a autonomia das instituições" e "garantir um quadro de longo prazo para reforçar a autonomia das instituições, nomeadamente a administrativa e financeira", não se coibindo ao mesmo tempo de pretender estimular a adocão do regime fundacional. Vazio, também.

Para a CDU, autonomia é uma expressão omissa. Aqui não será uma questão de vazio, mas de vácuo.

O Bloco de Esquerda "defende a autonomia" nas universidades, mas esta é a única verdadeira referência ao tema.

O Livre proclama a necessidade de uma "verdadeira autonomia" e efetiva aplicação do regime de autonomia na gestão de recursos previsto para as fundações,  e o seu alargamento a todas as instituições.  Contraditoriamente, digo eu, propõe "abrir lugares no quadro das instituições públicas", ignorando as disposições do regime fundacional em matéria de contratação.

O conceito de instituições públicas autónomas é uma verdaeira dificuldade para os partidos de todo o espectro, pelo que representa de cedência ou de partilha de poder de decisão.

Interessante notar, na generalidade dos casos, a omissão ao eventual papel do ensino superior privado.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Programas Eleitorais - Ensino Superior (5)

Livre, Tempo de Avançar

"
Revalorizar e democratizar o ensino superior
Devido ao envelhecimento da população, à erosão das condições económicas de grande parte da população e ao desinvestimento no setor, as instituições portuguesas de ensino superior têm vindo a perder uma parte significativa da população estudantil, sobretudo aquelas que se situam no interior do país e enfrentam um processo de desertificação. A desarticulação e as ambiguidades acerca das funções dos subsistemas universitário e politécnico têm provocado hiatos, sobreposições e desperdícios. Por seu lado, algumas instituições reproduzem modelos académicos pouco inovadores, com escassa relação com o tecido produtivo e a vida comunitária, tendo reforçado recentemente modelos de gestão centralistas e autoritários, negligenciando a iniciativa e vontade de participação de docentes e estudantes. 
As instituições do ensino superior devem ter uma verdadeira autonomia, reger-se por princípios de participação democrática, funcionar em rede com outras instituições nacionais e internacionais e apoiar o desenvolvimento social, económico, ambiental e cultural das regiões em que se localizam. Em paralelo, é fundamental criar condições para que mais cidadãs e cidadãos frequentem e concluam com sucesso estudos superiores, independentemente da sua localização, condição socioeconómica e etapa de vida. Aproveitar a difusão da língua portuguesa – hoje a 6ª mais falada no mundo – é um vetor estratégico para a internacionalização das instituições de ensino superior portuguesas e uma condição para a disseminação da própria língua.
A candidatura cidadã “LIVRE/Tempo de Avançar” defende: 
a) Promover a articulação entre instituições. Queremos apoiar a formação de consórcios e fomentar a colaboração entre Instituições de Ensino Superior (IES) com vista à otimização de recursos e processos de gestão e a providenciar formações diversas e multidisciplinares, com diferentes valências científicas e pedagógicas. Apoiar a criação de cursos e conteúdos avançados para as plataformas eletrónicas (e-learning e blended-learning) para incrementar o acesso livre à educação superior, promovendo a formação ao longo da vida. 
b) Democratizar a gestão das instituições do ensino superior. Pretendemos avaliar a experiência de governo resultante do atual regime jurídico das IES e reintroduzir um órgão académico representativo dos corpos das IES com funções deliberativas, recuperando a dinâmica de debate democrático e reflexão crítica no seio das instituições. Devem ser introduzidos mecanismos de promoção da diversidade social, política e cultural das personalidades externas que compõem o Conselho Geral. O princípio da paridade de género na composição de listas candidatas aos órgãos colegiais de governo deve ser adotado, de acordo com a lei geral (mínimo de 1/3 do género menos representado). O regime de autonomia na gestão de recursos previstos para as IES fundacionais deve ser efetivamente aplicado e alargado a todas as IES. 
c) Financiar as instituições do ensino superior, de forma estável e transparente. As IES devem ser dotadas de um financiamento público estável, num regime plurianual e contratualizado por objetivos. Queremos completar o financiamento público assente numa fórmula baseada em indicadores de estrutura e de desempenho, destinada a suportar as despesas de funcionamento e estrutura, com dotações atribuídas por concurso, destinado a implementar projetos e estratégias locais alinhadas com o perfil institucional e com as necessidades de desenvolvimento do país e da região. Defendemos ainda a abertura de linhas de financiamento para dinamizar o aumento da eficiência das IES, por exemplo, na formação pedagógica dos docentes, no reforço à transferência de conhecimento, no apoio à angariação de fundos europeus (por exemplo, o Horizonte 2020) ou de captação de financiamento privado. 
d) Reduzir o valor das propinas. O valor das propinas da formação inicial deve ser reduzido para valores não superiores ao salário mínimo nacional, com vista à progressiva gratuitidade deste nível de ensino. Defendemos a regulamentação do valor das propinas da formação pós-graduada, impondo tetos máximos e preparando um processo de redução progressiva do seu montante, de acordo com padrões europeus. 
e) Democratizar o acesso aos estudos superiores. Propomos a revisão dos mecanismos de atribuição de apoios sociais diretos e indiretos aos estudantes do ensino superior, eliminando os constrangimentos e as assimetrias das normas atuais. Os apoios aos estudantes devem ser atribuídos independentemente da situação de dívida do seu agregado familiar à segurança social ou à autoridade tributária. Defendemos a expansão do valor da bolsa mínima de estudo, ponderada a partir de indicadores de custo de vida ajustados localmente e a promoção da articulação entre IES e o poder local para promover o alojamento estudantil, no quadro de políticas de habitação jovem e revitalização dos centros urbanos. Torna-se, também, imperioso contrariar o abandono do ensino superior, alargando as políticas de monitorização e prevenção e estabelecendo programas de incentivo ao reingresso. 
Queremos expandir a produção de recursos educacionais em regime livre através de cursos e conteúdos online que suportem o acesso à educação mais avançada por parte da população portuguesa. Pretendemos estimular a diversificação dos mecanismos de acesso ao ensino superior e os programas de acompanhamento dos alunos com percursos formativos não tradicionais, com vista à promoção do seu sucesso académico e profissional. Promoveremos a verificação dos resultados de aprendizagem e o nível de retenção como elementos da medição do desempenho das IES. 
f) Internacionalizar as instituições do ensino superior. A formação avançada em português e inglês deve ser dinamizada, facilitando a atração de estudantes internacionais e promovendo o português como língua de ciência e cultura no  mundo. Pretendemos reforçar os programas de financiamento de períodos de mobilidade estudantil e docente no ensino superior, de duração variável, através de fontes de financiamento públicas e parcerias do Estado com o setor empresarial. Promoveremos a criação de parcerias institucionais, cursos articulados e o reconhecimento mútuo de currículos do ensino superior de países de língua oficial portuguesa. 
Garantir a dignidade do trabalho docente e científico 
Em Portugal, o crescimento do setor de I&D foi baseado em contratos de trabalho a termo, com a duração máxima de cinco anos, que não se traduzem na integração ou na progressão na carreira de investigação. Tem-se agravado também o abuso da figura do “bolseiro de investigação”, usado para contratar milhares de trabalhadoras e trabalhadores científicos ou técnicos, durante anos a fio, sem quaisquer direitos laborais ou proteção social. Estas práticas contrariam as recomendações da Carta Europeia do Investigador (Comissão Europeia, 2005). Carreiras de investigação inexistentes ou pouco atrativas resultam na “fuga de cérebros”. Por seu lado, esta precariedade, já comum entre o pessoal docente do ensino superior privado, tem vindo a caracterizar recentemente um número crescente de docentes do ensino superior público, dadas as restrições impostas pelo governo à abertura de lugares no quadro das instituições. 
As trabalhadoras e os trabalhadores científicos e o pessoal docente do ensino superior requerem condições de trabalho competitivas num mercado de trabalho que é global. Além disso, a integração, a estabilidade e a formação contínua destes profissionais são fundamentais para a coesão intergeracional, a renovação das instituições, assim como para assegurar a qualidade dos programas de formação e de investigação.
A candidatura cidadã “LIVRE/Tempo de Avançar” defende: 
a) Rever o Estatuto do Bolseiro de Investigação. Defendemos a revisão do Estatuto do Bolseiro de Investigação, limitando a atribuição de bolsas a investigadores em formação que realizam estágios de iniciação científica ou a investigadores que se encontrem no período de formação curricular associado à obtenção de grau académico. 
b) Garantir contratos de trabalho a pessoas bolseiras e investigadoras. Propomos a celebração de contratos de trabalho (a termo certo, no âmbito de projetos isolados ou de projetos estratégicos de unidades de investigação; ou a termo incerto, no âmbito de carreira de investigação acedida por concurso) com todas as pessoas investigadoras e pessoal de apoio à investigação que se encontrem associadas a projetos de investigação há mais de dois anos e que não se encontrem em período de formação curricular. Desta maneira, as bolsas de pós-doutoramento, “cientista convidado” ou “gestão de ciência e tecnologia”, até agora atribuídas, serão substituídas por contratos de trabalho. 
c) Equiparar as carreiras de docência e investigação. O Estatuto da Carreira de Investigação Científica (ECIC) deve ser revisto para que seja equiparado em nível de exigência, direitos e deveres ao Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU) e ao Estatuto do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP), de modo a que nenhuma das carreiras seja desvalorizada. A possibilidade de integração de ambas as carreiras num mesmo estatuto deve ser analisada, sendo que a revisão destes estatutos deverá incluir a possibilidade de mobilidade entre as carreiras de investigação e docente, dentro da mesma instituição ou entre instituições diferentes, permitindo uma melhor gestão dos recursos e necessidades das instituições. 
d) Abrir lugares no quadro das instituições públicas. Queremos desbloquear a abertura dos concursos de contratação de docentes, investigadores e técnicos, de modo a satisfazer as necessidades das instituições e restituir a qualidade do seu trabalho, cumprindo o preconizado nos estatutos em termos de estabilidade do corpo docente. Combater a prática recorrente de utilizar trabalhadoras e trabalhadores precários para responder a necessidades permanentes. 
e) Apoiar a formação pedagógica e a mobilidade dos docentes do ensino superior. Apoiaremos a criação de programas de formação pedagógica dos docentes em cooperação entre IES, com vista à melhoria da qualidade de ensino e à adoção de um ensino centrado no estudante e no desenvolvimento de competências. Promover a mobilidade de docentes entre IES portuguesas e em redes internacionais de IES. 
f) Assegurar a igualdade de direitos no ensino superior público, particular e cooperativo. Propomos o alargamento às instituições de ensino particular e cooperativo da adoção dos estatutos de carreira docente, garantir a democracia interna e a liberdade de ensino e investigação e reforçar as garantias de representação sindical nestas instituições.
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terça-feira, 15 de setembro de 2015

Programas Eleitorais - Ensino Superior (4)

É a vez do Bloco de Esquerda.

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Ensino Superior e Ciência

A democracia no acesso ao conhecimento continua a ser um desafio central por resolver. A expansão do ensino superior e a diversificação das áreas científicas foram objetivos políticos importantes nas últimas três décadas. Mas na questão do financiamento das instituições, da democracia no acesso ao ensino superior e da sua gestão, na distribuição geográfica, na consolidação de massa crítica e na renovação de um corpo de docentes e investigadores com direitos e com estabilidade, há lacunas e há retrocessos muito preocupantes. Corrigi-los é essencial para o país.

O financiamento da educação está hoje, em termos de valores absolutos, ao nível de 2004. O investimento na educação continua em Portugal abaixo da média europeia e da OCDE. No ensino superior, o investimento médio por aluno é de menos 30%. As instituições têm sido subfinanciadas e estão na maioria dos casos privadas de financiamento plurianual. As propinas, que foram sempre apresentadas como não se destinando a financiar despesas correntes, ganham peso no orçamento das instituições de Ensino Superior: rondam os 40%, em média, e nalguma instituições ultrapassam os 50% do seu orçamento. A lógica de que as instituições devem “ir ao mercado” para se financiar, disputando entre si financiamento competitivo, tem contribuindo para uma dualização crescente das instituições e para uma desresponsabilização pública pelo seu funcionamento.

O modelo de governo instituído pelo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) eliminou os espaços de exercício da democracia e da participação. Limitando a participação dos estudantes e não docentes, e inclusive dos docentes, o RJIES introduziu uma lógica mercantil no funcionamento do sistema, patente na entrada para os Conselhos Gerais dos representantes dos principais grupos económicos (enquanto representantes da “comunidade”). Além disso, o RJIES estabeleceu uma hierarquia inaceitável entre universidades do mesmo sistema, introduzindo incentivos financeiros em função das escolhas de modelo de gestão e condicionando, por essa via, a autonomia das instituições. O Bloco de Esquerda rejeita o modelo fundacional e defende a autonomia e democracia nas universidades.

Os estudantes portugueses contam-se entre os que mais pagam para estudar. Já em 2011, as famílias usavam 22% do seu rendimento para pagar os custos diretos de educação universitária. A maior parte do custo de um estudante do Ensino Superior é assim financiado pela família diretamente, ao contrário do que acontece por exemplo na Alemanha, em França, na Suécia ou na Letónia.

A instabilidade do corpo docente e dos investigadores tem sido crescente em Portugal. Estranguladas financeiramente, com regras que limitam a abertura de novas vagas nos quadros, muitas instituições recorrem ao trabalho não pago, ao trabalho precário e aos contratos a tempo parcial para preencherem necessidades permanentes (42% dos docentes do ensino superior são precários). No campo da ciência, o regime das bolsas de investigação perpetuou um modelo de desenvolvimento científico assente na precariedade dos seus agentes, que não beneficiam de segurança nem de proteção social nem de oportunidades de carreira. O próprio valor das bolsas está congelado há mais de uma década.

A política científica foi das que mais sofreu com o governo da direita. O corte abrupto nas bolsas de investigação (as bolsas de doutoramento foram reduzidas a metade) e o processo de avaliação dos centros de investigação - atabalhoado, opaco e profundamente contestado - traduziram-se numa rutura de linhas de investigação e no encerramento de instituições científicas insubstituíveis. A retórica da “excelência” foi pretexto para o recuo a visões unidimensionais da pratica científica, para o corte no financiamento e para o desaparecimento competitivo de vastas áreas do conhecimento.

Caminhos

- Financiamento adequado e plurianual das instituições de ensino superior, contratualizado para cobrir despesas de funcionamento e programas de investimento. O Bloco opõe-se à existência de propinas como método de financiamento do Ensino Superior.

- Revisão do modelo de gestão das universidade e politécnicos, recuperando a paridade entre estudantes e professores na composição dos órgãos, repondo a participação do pessoal não docente, pela sua integração obrigatória nos Conselhos Gerais, consagrando a existência de um Senado em cada instituição, garantindo que a eleição do reitor passe a ser feita por um colégio eleitoral alargado e representativo e instituindo a paridade de género nas listas para os órgãos de gestão.

- Revisão do regulamento de bolsas, de modo a alargar o universo de beneficiários da ação social escolar direta, reformulando-se a fórmula de cálculo e definindo um calendário certo e regular para a transferência das bolsas . Além disso, o Bloco propõe a isenção imediata de propinas para os estudantes bolseiros, para os desempregados e para os estudantes cujo rendimento seja inferior ao salário mínimo nacional, e o alargamento da rede de residências universitárias e o reconhecimento dos direitos dos estudantes-trabalhadores.

- A estabilização e renovação do corpo docente do Ensino Superior, aplicando-se a Diretiva 1999/70/CE, relativa à efetivação dos contratos de trabalho a termo, abrindo novos concursos que permitam renovar o corpo docente das instituições e evitar a emigração de muitos dos quadros mais qualificados, que não encontram oportunidade de carreira em Portugal.

- O investimento em ciência e investigação deve atingir 3% do PIB, tal como definido em compromissos europeus. O financiamento da ciência deve não apenas ser retomado, sob um processo de avaliação de unidades que seja transparente e claro nos critérios e nas regras, com painéis de avaliação sólidos, participação e autorregulação dos cientistas, considerando investigação fundamental e compromisso social.

- Novo estatuto do investigador científico, com contrato de trabalho e proteção social, em lugar de um sistema assente em bolsas de investigação para situações que extravasam a condição e os momentos de formação, e que atualize os atuais valores das bolsas, congelados há quase década e meia. O recrutamento de novos cientistas para o sistema de ensino superior e investigação, pela abertura de vagas na carreira de investigação e por contratos de Investigação para projetos de médio e longo termo, é condição imprescindível de um compromisso sério com a ciência.
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segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Programas Eleitorais - Ensino Superior (3)

A CDU - Coligação Democrática Unitária, apresenta a particularidade de apresentar nas suas páginas o programa eleitoral do Partido Comunista Português e o manifesto eleitoral do Partido Ecologista os Verdes.

PCP

O Ensino Superior não é um luxo, é um direito.
Os interesses do grande capital e da integração europeia têm determinado a política de direita também no, desvirtuar do sistema público de Ensino Superior com um pesado preço na sua qualidade, na sua produção científica, na modernização dos sectores de produção e consequentemente, na criação de riqueza e na qualidade de vida do povo português. 
Um caminho que conduzirá a um ensino superior a dois tempos com o regresso do ensino superior e do ensino médio modelo que vai ao encontro das imposições europeias. 
Há quinze anos era assinado o acordo de harmonização e compatibilidade dos currículos dos diversos sistemas de ensino superior europeus que ficou conhecido como a “Declaração de Bolonha”. Um processo que, como o PCP alertou, nada tinha a ver com a proclamada intenção de melhor adequar os paradigmas de ensino e avaliação, traduzindo-se numa escalada das certificações acompanhada por uma real diminuição das competências. 
Em simultâneo verificam-se reduções sucessivas nos financiamentos, congelamento dos salários e das carreiras docentes, a precarização de uma percentagem significativa de professores, a sistemática não contratação de novos docentes e o bloqueio à sua progressão remuneratória, a par da degradação das condições de funcionamento das escolas. 
Na área da investigação científica, em vez da sua promoção, prossegue a extinção do financiamento plurianual das unidades de investigação da FCT e a sua substituição por um modelo de financiamento por projecto «competitivo», a drástica diminuição das condições e montantes de financiamento dos projectos de investigação, a redução do número de bolsas de pós-graduação atribuídas anualmente, e a recente farsa do processo de avaliação das unidades de investigação. 
Investir no Ensino Superior Público, condição de progresso e desenvolvimento
- Assegurar o carácter unitário do Sistema de Ensino Superior Público, sem prejuízo das diferentes missões do Universitário e Politécnico, um sistema único, com soluções organizativas diferenciadas e âmbitos de intervenção pedagógica diversos;
- Estabelecer um plano estratégico de investimento no Ensino Superior Publico que eleve o financiamento público das instituições, assegurando a supressão do pagamento de propinas e as condições materiais e humanas adequadas ao seu funcionamento; ~
A segmentação do Ensino Superior em ciclos, com elevados custos de propinas em cada ciclo torna o acesso ao conhecimento e à formação profissional de nível superior ainda mais um privilégio das famílias de elevados rendimentos e contribui para a reprodução das classes do sistema capitalista pondo em causa o principio constitucional da igualdade de oportunidades. 
- Reforçar a Acção Social Escolar directa, através do aumento do valor das bolsas de estudo e do número de estudantes elegíveis, e da acção social indirecta com a transferência do financiamento público adequado às universidades e politécnicos para assegurar serviços de alimentação, alojamento, transportes e apoio médico de qualidade e a preços acessíveis;
- Promover um debate nacional e na academia sobre a distribuição geográfica das instituições de Ensino Superior público, com ofertas formativas diversificadas, privilegiando uma efectiva rede pública, assegurando que nenhuma instituição pública seja encerrada, salvaguardando a coesão territorial nacional; 
- Revogar o Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior e garantia de um quadro legal que valorize o papel do Ensino Superior Público no desenvolvimento económico, social e territorial;
- Anular o anterior processo de avaliação e reavaliação dos centros e unidades de investigação;
- Valorizar as carreiras docentes do ensino superior e criação de uma efectiva carreira de investigador transformando as sucessivas bolsas pós-doc em contratos a tempo indeterminado; 
- Aumentar significativamente os Programas doutorais e as bolsas de doutoramento;
- Reforçar a rede de centros de investigação criando assim as condições para a plena integração dos institutos politécnicos no sistema científico e tecnológico nacional; 
- Prorrogar o período transitório para os docentes, que não tiveram as condições, nomeadamente a isenção de serviço lectivo e o não pagamento de propinas, concluírem o doutoramento; 
- Garantir a salvaguarda de todos os postos de trabalho do pessoal docente, investigadores e pessoal não docente, independentemente da natureza do vínculo laboral. 
O imperativo da luta pela construção de uma Escola Pública, gratuita, de qualidade e para todos, ao serviço dos portugueses e do País, está nas mãos do povo, dos trabalhadores do sector educativo, dos estudantes, contribuindo com a sua participação nesta luta decisiva para o desenvolvimento integrado de Portugal.

PEV
No Ensino Superior os ataques verificam-se ao nível do seu sub-financiamento que, aliado ao aumento das propinas e redução dos apoios sociais, tem levado ao abandono de muitos estudantes, por falta de condições económicas para suportar os seus custos. É cada vez mais um Ensino Superior só acessível a alguns.
Também o Sistema Nacional de Tecnologia e Ciência tem vindo a ver a sua componente pública cada vez mais enfraquecida, por via da desresponsabilização do Estado perante este seu papel essencial. Os cortes orçamentais têm provocado problemas estruturais às Universidades, Politécnicos e Laboratórios que produzem ciência, pela via da investigação e desenvolvimento.
- Um ensino superior que permita a frequência das mais amplas camadas da população, bem como o reforço significativo das verbas do OE para o ensino superior.
- Mais financiamento para o Sistema Científico Nacional bem como a transparência na atribuição de verbas.
- A contratação de novos quadros superiores, investigadores e técnicos para o trabalho no sector público de I&D e para as áreas de investigação e ciência.

domingo, 13 de setembro de 2015

Programas Eleitorais - Ensino Superior (2)

Agora a vez do programa do Partido Socialista.

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Modernizar, qualificar e diversificar o ensino superior

Um dos principais objetivos de Portugal para 2020 deve ser o de atingir 40% de diplomados de ensino superior na faixa etária 30-34. Em 2013, eram ainda 29%, enquanto a média europeia atingia os 37%. Esse grande desígnio nacional deve ser acompanhado por políticas de estímulo ao emprego jovem, de atração de recursos humanos qualificados e de dinamização de comunidades de inovação, com o envolvimento ativo de instituições de ensino superior, empregadores e atores sociais e económicos.
A progressiva democratização do Ensino Superior construída nas últimas décadas foi conseguida, apesar da escassez de recursos em muitos períodos, com o trabalho persistente, sério e exigente de muitos. Este tipo de cultura de trabalho é a base de desenvolvimento de uma sociedade do conhecimento e tem de ser valorizada e fomentada. A modernização sistemática do Ensino Superior português passa necessariamente:
- Pela persistência das políticas públicas apostadas na qualificação superior de ativos, incluindo os recursos para o desenvolvimento do Ensino Superior num contexto de exigente consolidação orçamental, assim como o reforço de fundos estruturais para sustentação dos instrumentos de Ação Social escolar no ensino superior;
- Pela ação metódica de avaliação e acreditação independente de instituições e ciclos de estudo, tendo por base critérios de referência internacional cuja adoção permita a desburocratização dos procedimentos;
- Pela aposta na internacionalização, quer no sentido do estabelecimento de parcerias estratégicas de colaboração com instituições estrangeiras, quer no sentido da atração de estudantes e investigadores estrangeiros;
- Pelo reforço contínuo da abertura a sociedade civil e aos mercados de trabalho, consagrando práticas sistemáticas de relacionamento interinstitucional, incluindo estágios de trabalho, flexibilização de horários e curricula, modernização pedagógica, assim como o estabelecimento de consórcios e a optimização contínua dos processos de governo das instituições públicas. Deve, neste sentido, ser promovido o aumento da participação e da responsabilidade de membros externos às instituições nos seus órgãos de governo;
- Pelo estímulo à adoção de sistemas de gestão flexível pelas instituições, com promoção de valorização das boas práticas. 
A consolidação do ensino superior como motor de progresso futuro depende ainda de políticas públicas estáveis, consensualizadas e focadas no desenvolvimento científico do Pais e na sua crescente abertura e relevância internacional, assim como na garantia da autonomia das instituições científicas e de ensino superior. Requer a modernização contínua e sistemática das aprendizagens dos estudantes, a disponibilidade das universidades e politécnicos para proceder a reestruturação das respetivas redes e da oferta formativa à escala nacional e regional, promovendo a qualidade e tornando ainda mais eficiente o uso dos recursos públicos. 
A consolidação do ensino superior exige ainda uma total articulação entre as políticas de desenvolvimento dos sistemas científico e de ensino superior, devendo as instituições ser dotadas de condições materiais e de governação para o efeito, com o consequente aumento do nível de responsabilização e exigência.
Para concretizar estes objetivos um governo do PS desenvolverá as seguintes medidas fundamentais.
Alargar e democratizar o acesso ao ensino superior
O PS irá avaliar o regime de acesso ao ensino superior e promover um debate público, visando a sua modernização e adequação aos novos contextos, nomeadamente tendo como objetivo:
- Alargar a base de recrutamento dos candidatos ao ensino superior e a qualificação dos portugueses, estimulando a aprendizagem ao longo da vida e valorizando um quadro diversificado de instituições universitárias e politécnicas, tendo em conta as grandes alterações na oferta formativa que estão a acontecer à escala global;
- Rever o regime de atribuição de bolsas, tendo em vista o cumprimento do objetivo europeu de aumentar o numero de estudantes do ensino superior e a democratização do acesso e garantindo a possibilidade de pagamento faseado de propinas;
- Criar um programa de apoio à mobilidade no ensino superior e a estudantes deslocados que associe Estado, universidades e municípios;
- Reestruturar e desburocratizar o sistema de ação social escolar, de modo a conseguir ganhos de eficiência e responder melhor às necessidades dos estudantes carenciados nos diferentes ciclos de ensino;
- Estimular o ensino à distância nas instituições de ensino superior, de forma a que este possa representar um modelo alternativo e efetivo, nomeadamente face aos objetivos de qualificação superior de ativos.
Reativar um pacto de confiança no ensino superior
Reativar um pacto de confiança no ensino superior, incluindo uma prática de financiamento aliada a contratos a estabelecer em função de projetos institucionais e estimulando a cooperação interinstitucional. Este pacto tem como objetivos:
- Estimular um quadro de financiamento estável a longo prazo, com base em objetivos e com definição plurianual, envolvendo financiamentos-base, projetos de modernização pedagógica, projetos de reforço de equipamentos e infraestrutura.
- Assegurar uma avaliação adequada do regime juridico das instituições de ensino superior, reforçando a autonomia das instituições e o regime fundacional e garantindo a sua diversificação institucional;
- Estimular uma melhor integração entre ensino e investigação;
- Incentivar o processo de contínuo melhoramento da rede pública de estabelecimentos e programas, através de processos de reforço, cooperação ou associação entre instituições, e tendo em conta critérios de cobertura territorial, procura social, especialização e internacionalização.
- Aproveitar e desenvolver a diversidade do ensino superior, universitário e politécnico, promovendo um quadro diferenciado de instituições que estimule a qualificação de todos os portugueses e favoreça formas de colaboração e de partilha de recursos entre instituições sempre que adequado;
- Garantir um quadro de longo prazo para reforçar a autonomia das instituições, nomeadamente a administrativa e financeira, o reforço e estímulo à adoção do regime fundacional pelas instituições de ensino superior públicas, o estabelecimento de consórcios e a otimização contínua do sistema de governo das instituições públicas, consagrando a responsabilidade de membros externos as instituições nos seus órgãos de governo;
- Promover uma melhor integração entre as instituições de ensino superior e as políticas de desenvolvimento regional. 
Criar condições para a renovação de docentes e especialistas nas instituições de Ensino Superior
O PS defende o lançamento de um novo programa de apoio a atração e renovação contínua de docentes e de especialistas para as instituições de ensino superior, que estimule mecanismos de recrutamento mais competitivo, de promoção e qualificação interna e de joint appointments com custos partilhados. Este programa deve estar articulado com as medidas de promoção do emprego científico não precário e beneficiar da introdução de mecanismos de contratações compensadas pela reforma parcial de docentes do quadro. Este programa terá como principais objetivos:
- Mais emprego qualificado com um incentivo claro ao rejuvenescimento e renovação das instituições de ensino superior;
- Maior capacidade de transferência de conhecimento, com impacto social e económico;
- Aumentar a mobilidade de docentes do ensino superior;
- Avaliar o desenvolvimento das carreiras nas instituições de ensino superior aos objetivos de reforçar a interação entre o ensino e a investigação e a ligação ao tecido económico e social. 
Melhoria dos níveis de sucesso educativo no ensino superior
- Criar um programa de apoio à modernização pedagógica, através de concurso para projetos de base competitiva, garantindo a implementação sistemática de práticas pedagógicas verdadeiramente centradas no estudante e estimulando a sua autonomia;
- Aprofundar e especializar a formação pedagógica dos docentes do ensino superior, garantindo a formalização do trabalho sistemático de estimulando projetos de modernização pedagógica em todas as áreas do conhecimento e a cooperação entre instituições;
- Incentivar programas com elevada flexibilidade curricular e segundo as melhores práticas internacionais (designadamente com adoção de major/minor) com o objetivo de estimular a adequação das formações aos desafios que emergem. 
Reforçar os instrumentos de internacionalização das instituições de ensino superior
O PS defende o reforço dos instrumentos de internacionalização do conhecimento, em particular parcerias internacionais, acompanhados de mecanismos transparentes de avaliação dos resultados e dos seus impactos. Esta medida deve:
- Inclui instrumentos de apoio à dinamização de parcerias para acesso aos programas de financiamento de mobilidade (Erasmus+ e outros), assim como iniciativas para a criação de circulação entre estudantes do ensino superior de língua portuguesa;
- Estimular o reforço de parcerias internacionais, mas também a criação de instrumentos de acesso a plataformas de financiamento da mobilidade;
- Desenvolver um programa específico de apoio a criação e desenvolvimento de redes temáticas entre instituições universitárias com parceiros internacionais;
- Reforçar o apoio à divulgação internacional das instituições de ensino superior, promovendo Portugal como destino de formação superior graduada e pós-graduada, no espaço da língua portuguesa e em outros idiomas. 
Criar programas de apoio a estágios curriculares para estudantes do ensino superior, com coresponsabilização institucional na empregabilidade sustentável e duradoura dos mais jovens
- Apoiar a institucionalização e sistematização de estágios curriculares e extracurriculares e a flexibilização de horários e curricula em todos os anos de todos os programas de ensino superior, licenciatura e mestrado, tendo por objetivo garantir uma maior expectativa de emprego para os jovens; 
- Associar os estágios curriculares a mecanismos de apoio à empregabilidade dos licenciados e graduados;
- Incentivar a colaboração entre universidades, institutos politécnicos e empresas e outros empregadores, de modo a aprofundar a ligação territorial das instituições do ensino superior e a facilitar a transição entre a academia e a inserção profissional.
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sábado, 12 de setembro de 2015

Programas Eleitorais - Ensino Superior (1)

A maioria dos eleitores não lê os programas eleitorais, nem sequer uma parte deles: são normalmente extensos, muitas vezes superficiais, aborrecidos. Mas sobretudo não influenciam o sentido de voto. Os cabeças de cartaz, os clubes, as opiniões já detidas, a sensação de que não têm mais do que promessas, de que não são para cumprir, pesam mais.

É previsível que na campanha que vem aí, ou melhor, que já por aí anda há meses, não se fale muito de educação e se fale menos ainda de ensino superior. Seja pelo silêncio dos partidos, seja pela ausência de perguntas e de jornalismo na comunicação social. Talvez umas referências abstratas à importância da economia baseada no conhecimento e das metas europeias para 2020.

Mas são reveladores. Ideias, explícitas ou implícitas, que fazem o seu caminho; que foram escolhidas em detrimento de outras; que foram colocadas porque assim; que já lá estavam e continuam; que foram substituídas. Vazios expressivos. Incoerências, tiradas palavrosas ou falta de articulação que revelam impreparação.

As "Notas" trarão as propostas dos diferentes partidos para o Ensino Superior, tal qual constam dos programas disponíveis online.

Para começo aqui ficam as propostas da coligação Portugal à Frente.

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Um Ensino Superior diversificado e aberto ao Mundo

O ensino superior português começou a dar os primeiros passos no sentido de redefinir a sua vocação e de identificar um modelo estratégico de desenvolvimento que lhe permita assumir um lugar de maior relevo na sociedade do conhecimento e num mundo cada vez mais globalizado e competitivo, nos domínios da formação altamente especializada, da investigação científica e da criação cultural.

É responsabilidade do Estado constituir-se como facilitador e integrador de um maior diálogo e cooperação entre as instituições do ensino superior, visando a consensualização dessa estratégia de desenvolvimento a médio e longo prazo que permita valorizar as suas vantagens competitivas. Cabe também às políticas públicas definir, com clareza, o enquadramento, seja normativo, seja financeiro e orçamental, em que essas estratégias se deverão desenvolver. Um enquadramento que se exige claro e estável, de modo a que as opções de cada instituição possam ser assumidas com responsabilidade e no exercício da sua autonomia.

Para realizar esses objetivos, elegem-se como prioritários os seguintes eixos de atuação:

- Promover uma maior participação no ensino superior, por forma a que todos os jovens com um diploma do secundário possam aceder a um ensino superior de qualidade. Propomos que, em 2020, a participação dos jovens no ensino superior atinja os 50% e que a percentagem de diplomados (30-34 anos) atinja os 40%. Serão criadas condições para a expansão do ensino à distância (e-learning e b-learning), com garantias de qualidade e de presença internacional do melhor ensino em língua portuguesa e estabelecidos mecanismos de apoio às políticas de internacionalização das instituições;

- Reforçar a qualificação e a requalificação de ativos, especialmente através de cursos de TeSP (Técnico Superior Profissional), licenciaturas e mestrados profissionalizantes. Todos os ciclos de estudos de TeSP devem reforçar a preparação dos futuros diplomados para a sua inserção na vida ativa. A oferta formativa e as condições de acesso dos ativos serão ajustadas à sua realidade;

- Promover o maior sucesso académico dos estudantes, estimulando a criação de instrumentos de apoio no sentido de ultrapassar as dificuldades académicas e de encontrar um percurso individual com sucesso. Deverá ser prosseguida a otimização do sistema nacional de apoio social e incentivado o reforço dos mecanismos locais para resposta rápida em situações especiais;

- Assegurar uma adequada compreensão da oferta educativa, em ordem a possibilitar uma escolha plenamente informada. Serão seguidas as melhores práticas europeias para melhorar a compreensão da diversidade da oferta educativa e a empregabilidade de todos os diplomados;

- Apostar na criação e transferência de conhecimento, de modo a que o sistema de ensino superior veja reforçada a sua função de investigação e o seu impacto social. Será incrementada a articulação entre as estruturas de investigação académica e as próprias instituições de ensino superior que lhes dão suporte;

- Valorizar o trabalho científico e tecnológico ao serviço da inovação empresarial e dignificá-lo, tanto na avaliação docente como na avaliação de instituições de ensino superior e de centros de investigação;

- Reforçar a autonomia das instituições de ensino superior na utilização das receitas obtidas em projetos de I&D com financiamento empresarial;

- Reestruturar a rede de estabelecimentos, promovendo uma oferta mais racional e de maior qualidade. É possível e desejável reconfigurar a rede de ofertas, criando condições para que, de forma gradual e numa base voluntária, as instituições se possam especializar em domínios do conhecimento e das tecnologias onde apresentam mais vantagens. A partir de uma consensualização sobre os princípios, propõe-se que cada instituição identifique o seu potencial mais relevante, de forma a concentrar no seu desenvolvimento o fundamental dos seus recursos;

- Assegurar um financiamento estável e previsível, através de um modelo plurianual que inclua estímulos à reorganização da rede, à exploração das vantagens competitivas das instituições e à melhoria contínua. Na transição progressiva para o novo modelo, serão consideradas as condições especiais das instituições sediadas em regiões de baixa densidade demográfica e o seu contributo para o desenvolvimento regional. Apesar de se ter mantido o rácio docente/discente no período de correção orçamental, o rejuvenescimento dos recursos humanos é uma questão a equacionar no binómio ensino/investigação;

- Rever o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), garantindo uma autonomia institucional adequada à melhoria do serviço público. Terminado o período experimental das universidades-fundação e completada a sua autoavaliação, será feita a avaliação global do funcionamento do RJIES, usando as experiências concretas para melhorar o desempenho futuro das instituições e da rede.
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quinta-feira, 10 de setembro de 2015

(I)real politik

Passos vs. Costa. Ilusões de um Portugal sem mundo. Visões de uma jangada de pedra. Em que crise ou crescimento depende apenas da maldade ou habilidade de uns quantos políticos. Em que o mercado externo só existe nas folhas de deve e haver. Em que Espanha, França e Alemanha não parecem contar. Em que a China é lá bem longe. Em que o Brasil é para férias. Em que Angola ainda é miragem. Em que as migrações, sejam elas quais forem, ficam reduzidas à fuga de cérebros.  A globalização pontua discursos, como figura elegante de uma retórica desligada da realidade. Sim, trata-se de uma campanha portuguesa. Não,  não somos o centro do mundo.

terça-feira, 14 de julho de 2015

18

18 são os Países do zona Euro, para além da Grécia: Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos e Portugal.

Todos participaram nas reuniões.  Em muitas reuniões. Curtas de uma hora, ou longas de quase um dia. De alguns ouviu-se falar. Muito. Da Alemanha, sempre acompanhada pela França em reuniões restritas. Da Holanda que presidia. De umas pitadas de Itália. De uma gotas ácidas da Finlândia. Palavras de circunstância de muitos dos presentes, em tweets e posts. Documentos estrategicamente disponibilizados à comunicação social, onde também se negoceia, criando pressões ou amenizando tensões.

Das posições e argumentos da maioria, se é que falaram, nada se sabe. São negociações.  Não foi apenas a Alemanha versus Grécia, embora David versus Golias esteja sempre no imaginário. Não foram apenas a França e a Alemanha a quem parece que todos telefonam em primeiro lugar. Foi uma decisão por unanimidade. Por ação ou omissão todos são co-responsáveis pelo acordo traçado.

sábado, 4 de julho de 2015

Demokratia?

Yannis Varoufakis em entrevista ao El  Mundo: "Si ocurrera eso [a vitória do sim no referendo], la democracia se encontraria en peligro, porque significaría que ha ganado el miedo." Ou o exercício da democracia como uma via de sentido único, em que não se admite uma escolha diferente, a não ser fundada no medo.

Afinal, nada de muito diferente de um amplo espetro de partidos, nos mais variados países, em que se apregoam os caminhos únicos, se pedem maiorias absolutas e se reclamam cheques em branco. Como veremos na campanha que aí vem.

domingo, 28 de junho de 2015

Demokratia ou Taktiké

Grécia. Europa. União Europeia. Euro. Zona. Zonas. Governos. Ministros. FMI. Banco Central. Bancos Centrais, Bancos. Milhões. Pessoas. Milhões de pessoas. Um futuro por construir. Construir. Destruir. Uns e os outros. Nós.

Não sei o que realmente se discute naquelas reuniões de 30 pessoas, muitas das quais duraram, apenas, uma hora. Reuniões que se repetem, e que alternam com telefonemas e outras reuniões, mais restritas, diariamente. Que começam e acabam subitamente. Que são sempre muito importantes, decisivas, e a última oportunidade.Os discursos revelados não traduzem, necessariamente, as negociações. Os comunicados e as declarações para a imprensa são escolhas criteriosas para influenciar o processo, para reforçar posições, para abrir ou fechar portas, para consumo interno.

Não sei se, no geral, são todos contra um, exceto na assinatura do último comunicado.

Agora um referendo. Expoente da democracia ou expediente tático?

Tsipras foi eleito democraticamente há cinco meses, com um programa de mudança, com linhas vermelhas definidas. A democracia representativa conferiu-lhe a missão de liderar o País. Após cinco meses de negociações, e considerando que a atual proposta de acordo contraria o seu mandato, devolve a palavra ao Povo. Aconselhando, desde logo a rejeição da referida proposta.

Nenhum problema quanto a isso, mas muitas questões.

Achará Tsipras que os gregos mudaram de opinião nestes cinco meses, e as linhas vermelhas então aprovadas, devem passar, pelo menos, a linhas tracejadas? A ser assim não se trata apenas, ou principalmente, de um referendo à proposta de acordo, mas de uma moção de confiança ao Governo: continuar a prosseguir o programa com que foi eleito ou mudar de rumo; manter-se em funções ou sair.

Achará Tsipras que a composição do parlamento grego já não reflete a vontade dos gregos? Eleições por proporcionalidade e votações diretas não dão os mesmos resultados, assim como é diferente votar em pessoas ou fazer escolhas de sim e não. Mas admitindo que as opiniões expressas pelos diferentes partidos têm as suas bases de apoio, o referendo poderá não trazer nada de muito novo. Uma posição semelhante para Tsipras. E depois?

Votarão os gregos, massivamente, do lado de Tsipras? E isso trará outro peso para a mesa de negociações? Afinal, o Governo tem toda a legitimidade democrática, com ou sem referendo.

Votarão os gregos a favor do projeto de acordo? E, em coerência, caminharão para eleições antecipadas? Que podem dar sinais contrários.

Não poderia o referendo ter sido convocado uma semana antes, para este domingo? Porquê? Porque ainda havia esperança nas negociações? Para mostrar, como Tsipras sempre quis, que o calendário é o dos Chefes de Estado e não o dos pagamentos ao FMI? Apenas para ganhar tempo? Para preparar outros planos?

Entretanto, como diz Henrique Monteiro, parecemos andar distraídos de outros perigos que grassam no interior da Europa. Uma Europa em que se voltam a construir muros, como na Hungria. Uma Europa que ser rearma a leste.

sábado, 6 de junho de 2015

Empregabilidade

Sobre empregabilidade, emprego e desemprego,  no Click de hoje, Antena 1.

Empregabilidade é o termo do momento no ensino superior: está presente nas “Linhas de orientação estratégica”, do Governo, e no documento de trabalho lançado pelo Partido Socialista; em discursos vários, nas academias, nos jornais; parece ser um novo imperativo para toda e qualquer formação. De tanto uso, em tão pouco tempo, é um termo já gasto e que vai perdendo o seu significado real. Mais ainda porque, em simultâneo, os números que nos inundam são de emprego e de desemprego, o que são coisas distintas.

Ora empregabilidade é uma capacidade, não é um estado. É a capacidade para arranjar emprego, para se manter empregado, para evoluir e se adaptar, e não a situação de estar, num dado momento, com trabalho. Por isso, as respostas sobre a valia dos cursos superiores não se encontram nas estatísticas dos centros de emprego e formação profissional. Por isso, a solução cómoda de usar esses dados, os únicos recolhidos de forma consistente e em todo o território nacional, não serve. Por isso, são outras as perguntas que é preciso fazer, as que revelam alguns aspetos da relação entre a formação e o emprego, são outras.

Não basta pois saber se o diplomado transitou para o mercado de trabalho e se o conseguiu em um mês ou em um ano. É necessário saber, desde logo, se o trabalho em causa requer o nível de habilitação superior detido, licenciatura, mestrado ou doutoramento, ou se, ao invés, pode ser desempenhado por pessoas com menores habilitações. Este será o critério mínimo para aferir sobre a empregabilidade própria de um curso superior.

É preciso, depois, passar a um segundo nível de análise: o da correspondência entre a área de ocupação e a área de formação, tornando mais evidente se o conhecimento obtido é requerido para o emprego alcançado. Para o retrato ser mais fiel, deveremos aprofundar a análise: níveis remuneratórios alcançados; perspetivas de evolução; impacto de outras formações, académicas ou profissionais, obtidas ao longo da vida ativa; que empregadores existem; em que cidades, regiões ou países. Esta informação não existe ainda, de forma consistente e comparável, para todos os cursos nacionais. E levará, certamente, algum tempo até que tal aconteça.

Entretanto, o mundo muda, os empregos mudam, de natureza e até de lugar, e, assim, a capacidade para os obter, em 2020, não será igual à de 2015.

Por tudo isto, a escolha de um curso superior, bem como as estratégias das universidades e dos governos, não devem ficar reféns dos dados de desemprego, os quais têm um significado muito limitado, e são, apenas, um olhar sobre o que foi, não permitindo vislumbrar o que será.

sábado, 30 de maio de 2015

O Pré-Programa do PS (I)

Os programas políticos, em matéria de ensino superior, são, em geral, vagos e redondos. Oscilam entre os pregões de uma autonomia, sempre mais reforçada, e uma vontade mal escondida de conduzir mais de perto os destinos das instituições de ensino superior. Falta visão, falta diagnóstico, falta fundamentação, falta concretização. Enfim, costuma faltar tudo aquilo que as verdadeiras opções encerram.

O documento de trabalho do PS, em discussão, não foge à regra: reativar um pacto de confiança, designação com ecos do passado, de um "contrato de confiança" que resultou apenas em mais desconfiança; reforçar a autonomia, presume-se em relação ao próprio governo e em particular ao ministério das finanças, mas desde logo estimulando a adoção do regime fundacional; consolidar e desenvolver a natureza binária do ensino superior, sem mais dizer sobre o assunto; apoiar a flexibilização de horários em todos os anos de todos os programas. 

Eis, para começo de conversa, o verbo, os verbos, das medidas propostas pelo PS:
- alargar
- reestruturar e desburocratizar
- estimular
- assegurar
- estimular
- incentivar
- consolidar e desenvolver
- garantir 
- [mais] aumentar
- [mais] aumentar
- aumentar
- criar
- aprofundar e especializar
- incentivar
- inlcuir
- estimular
- desenvolver
- apoiar
- associar
- incentivar

A continuar.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Freeze!

"There are imbalances in our daily lives and we constantly struggle to transform them positively. Gaining control means finding the most favourable balance and working constantly to make positive exchanges. Norman Mailer wrote that at every moment we are either 'living a little more or dying a little bit'. There is no standing still, no maintaining a perfect equilibrium. We can, however, in effect freeze time by pausing for a moment in our constant search for what to do next and instead clamly evaluate the pluses and minuses. We can flout the laws of thermodynamics to create energy and quality through positive transformations."

G. Kasparov (2007) How life imitates chess.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Noite

É noite na sala. Ligo o candeeiro. A luz, amarelada, enrosca-se sobre a mesa. Fica imóvel, quase sem respirar, quente. Tudo o resto são sombras. Encostadas às paredes, sentadas nas esquinas, deitadas sobre o tapete, folheando os livros. Sombras e silêncio. A cidade já dorme. A casa também. Foram-se os passos. Foram-se as vozes. Foram-se os ruídos. Ligo a música. Ouço o sax suave de Paul Desmond. Ouço a música e sinto o silêncio que está ao meu lado. Sobre a mesa, um copo, alto. Gin n.º 3, água tónica e limão. E gelo que murmura. Ligo o ecrã. Luz branca e fria que espera, pacientemente. Espera pelos dedos, pelo deslizar. Pelo toque que lança letras, negras, que se penduram. Pelo sapateado que forma palavras. Pelas palavras que formam frases. Espera pelo sentido. Espera que faça sentido. Escrevo. Gosto da noite.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Público e privado

O Fundo Monetário Internacional divulgou, hoje, o documento "Portugal - selected issues paper" . Hoje, meados de 2015. Folheei o documento. De relance. Algumas pesquisas de palavra-chave. O que encontrei lembrou-me declarações passadas do Primeiro-Ministro. Verão de 2011. Que remetiam para um relatório do Banco de Portugal, de 2009. A famosa frase sobre os vencimentos no setor público serem 10 a 15% superiores aos do privado. Que serviu de álibi aos cortes que se seguiram.

Na altura, 2011, escrevi a esse propósito um texto, que intitulei "O embuste". Nele escrevi que o citado relatório não suportava as conclusões do Governo. Dizia o Relatório "No caso das profissões nas quais ambos os setores são empregadores importantes verifica-se uma penalização [no setor público], a qual indicia pouca capacidade por parte da Administração Pública para atrair os trabalhadores que as desempenham. Pelo contrário, o prémio é particularmente alto em áreas como a saúde e a educação, nas quais o setor público é o principal empregador, o que em parte reflecte o forte poder negocial dos funcionários públicos nestas áreas."

Ou ainda: "Os funcionários públicos têm um ritmo de progressão na carreira mais lento do que os seus congéneres do sector privado."

O que me levou, então, a concluir: "Desconhecimento? Impreparação? Justificação de última hora? Falta de coragem para assumir a facilidade prática da medida? Pura manipulação para reduzir a contestação de trabalhadores públicos, para induzir uma fratura entre trabalhadores do público e do privado, ou para a breve trecho, alargar a medida aos privados? Qualquer destas razões é má e traz consigo a falta de confiança. A verdade não se apregoa, pratica-se!".

Passaram quase quatro anos. A troika saiu. Há quem celebre muitos sucessos. Bons indicadores, à boleia de outros Países, como se fossem só nossos. A reforma do Estado é uma miragem. Anúncios de estudos e guiões. Soundbites que já não soam. A mistificação sobre público e privado continua, e deixou raízes. Mas só acredita quem quer. Ou melhor, quem não quer ver, ler, pensar.

Hoje, escreve o FMI: "A key objective should be to reduce the disparity between public and private sector wages. At present, lesser qualified workers receive relatively high pay in the public sector compared to both peers in the private sector and more highly skilled civil servants. In addition, the wage grid is relatively flat and depends mostly on years of experience, rather than performance. This makes it difficult to attract highly qualified staff, as private sector opportunities (with lower entry salaries but steeper increases for performance) are considerably more attractive. In order to become more attractive for highly-skilled workers and benefit from ongoing improvements in the quality of tertiary education, the civil service should identify specific skills that are needed in the public sector, and revised the relatively flat wage structure that proves costly and impairs talent attraction in these areas."

Passaram 6 anos sobe o relatório do Banco de Portugal. O declínio continua. O declínio continuará, à medida que quem quer mais salário e reconhecimento sair do Estado e procurar outras oportunidades. Deixando um Estado menos capaz. Menos capaz de regular. Menos capaz de providenciar.

Portugal, selected issues paper: http://www.imf.org/external/pubs/cat/longres.aspx?sk=42937.0.
O embuste: http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2011/10/o-embuste.html.

domingo, 3 de maio de 2015

À consignação

Com a aproximação das eleições, e ainda antes dos programas partidários, começam a surgir, ou a ressurgir, propostas e medidas várias, que vale a pena analisar, comentar, criticar, melhorar, ou descartar.

Um dos documentos recentemente divulgados é o relatório "Uma década para Portugal", que se centra, segundo os autores, na apresentação de um "caminho para a promoção do desenvolvimento económico e da coesão social".

Em matéria de ensino superior, e apesar de apresentar um diagnóstico em que refere a conhecida baixa qualificação da população portuguesa e o enfraquecimento recente das instituições de ensino superior, centra-se unicamente, ao nível das propostas, no papel que as instituições de ensino superior devem ter na promoção da empregabilidade dos seus alunos (pág. 60 - "Reforçar o acesso e a empregabilidade no ensino superior").

E quais são as propostas? Basicamente duas: 1) Alocar recursos adicionais às universidades para ações de promoção de empregabilidade. 2) Criar incentivos de médio e longo prazo visando premiar resultados neste domínio e, sobretudo, para que as instituições adaptem os seus programas, através do reforço de competências várias e da promoção de estágios, por exemplo. Neste domínio ponderam consignar uma proporção do IRS pago pelos ex-alunos de cada Universidade ao seu financiamento.

Vamos por partes, reconhecendo desde logo que este não é um documento de política setorial que não tem, nesta matéria, detalhe suficiente, e que muita da reflexão que se segue será aplicável a propostas dos mais variados setores.

1. A palavra "empregabilidade" pontua todos os discursos, com aparente consenso; mas, de tão gasta, tornou-se um chavão impreciso, à semelhança do que aconteceu, por exemplo, com a expressão "desenvolvimento sustentável", há algumas décadas. Valeria a pena começar por aqui: o que se entende por empregabilidade? A transição do estudo para o trabalho? Para qualquer trabalho? A curto prazo? A capacidade para se manter empregado a médio prazo? Empregabilidade é diferente de ter emprego, e mais diferente ainda de qualidade de emprego.

2. Parece estar a generalizar-se, progressivamente, a ideia de que as instituições de ensino superior (IES) deverão ser as principais responsáveis pelo emprego imediato dos seus diplomados. É uma visão meramente utilitarista do ensino superior, reduzindo-o a um objetivo meramente profissionalizante, ajustado às necessidades locais de curto prazo, sem visão de futuro, e que ignora as empresas, afinal as principais criadoras de emprego,

3. Ao eleger este como o único tema sobre ensino superior, o Relatório não enfrenta um dos problemas que diagnosticou, o enfraquecimento recente das IES, não revelando nada sobre modelo ou níveis de financiamento para o setor.

4. A primeira proposta, vaga, é a alocação de recursos adicionais às IES, para ações de promoção da empregabilidade. Não é claro que tipo de ações nem que verbas seriam envolvidas. Instituições mais fortes, com melhores equipamentos, melhores profissionais, melhor geridas, melhor avaliadas, proporcionarão melhor formação. Mas isso requer uma abordagem global e não uma afetação parcelar de uma verba.

5. A segunda proposta, de consignação de uma proporção do IRS dos ex-alunos, à sua instituição de origem, é uma medida que me parece profundamente desajustada por um número de razões:

a) Não descortino o fundamento conceptual: IRS não é só rendimento do trabalho; ainda que assim fosse, o "sucesso" financeiro não é determinado, só ou sobretudo, pelo curso, e menos ainda quanto mais se progride na carreira e na idade, com outras componentes de aquisição de experiência.

b) Ignora o mundo global, em que há diplomados que trabalham e pagam impostos noutros países; veja-se a frase: "Esta medida visa premiar cada instituição pela capacidade de gerar valor em Portugal dos alunos que formaram".

c) Beneficia as instituições maiores (mais diplomados) e com cursos em determinadas áreas (associadas a melhores remunerações médias), sendo um incentivo ao crescimento e a uma uniformização de apostas em determinadas áreas.

e) A afetação de receita, por esta via, às IES não está inserida numa perspetiva global de financiamento, nem está quantificada.

f) Implica, na prática, o Estado prescindir da capacidade de afetar a porção da receita fiscal correspondente, para Educação ou outros fins, uma vez que seria de afetação automática.

h) Tem vários problemas práticos de aplicação de que são exemplo pessoas com vários diplomas (licenciatura, mestrado, doutoramento) obtidos em diferentes instituições; ou o IRS de agregados familiares vs. consignação que corresponde ao histórico individual.

i) Não são apresentados exemplos de aplicação similar, parecendo pretender ser um substituto, imposto, de uma lógica de mecenato, prática corrente nos Estados Unidos da América, por exemplo.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Ser diferente

Dispensa comentários.

"A única salvação do que é diferente é ser diferente até ao fim, com todo o valor, todo o vigor e toda a rija impassibilidade; tomar as atitudes que ninguém toma e usar os meios que ninguém usa; não ceder a pressões, nem aos afagos, nem às ternuras, nem aos rancores; ser ele; não quebrar as leis eternas, as não-escritas, ante a lei passageira ou os caprichos do momento; no fim de todas as batalhas - batalhas para os outros, não para ele, que as percebe - há-de provocar o respeito e dominar as lembranças; teve a coragem de ser cão entre as ovelhas; nunca baliu; e elas um dia hão-de reconhecer que foi ele o mais forte e as soube em qualquer tempo defender dos ataques dos lobos."

Agostinho da Silva, Diário de Alcestes.

domingo, 26 de abril de 2015

Ser apenas meio

Há realidades a preto e branco, poucas talvez, mas em que há uma fronteira com dois lados. Há realidades em tons de cinza, com matizes, subtilezas. Há os que são definidos pela positiva e os que são definidos pela negativa, ou por várias negativas. Para Thomas Friedman há um mundo que se torna mais plano, como resultado do fim da guerra fria, da tecnologia, de pessoas preparadas para a usar, de mudanças nas organizações que o permitem e promovem. Um mundo mais ligado em que a geografia conta menos. Que permite que este texto seja já acessível a milhões de pessoas; ou que uma fotografia seja partilhada em grupo, antes mesmo de ser vista pela pessoa que está ao lado. Que permite reorganizar processos através do globo, dando novas oportunidades a uns, tirando oportunidades a outros. Em que a mudança já aconteceu, ainda que nem todos a tenham ainda compreendido. Mas em que nem todos vivem. Mas em que muitos ficam do lado de fora.

"Não existe apenas o mundo plano e o mundo não-plano. Muitos vivem numa espécie de quinta dimensão situada entre ambos. Neste grupo incluem-se aqueles a quem identifico como os que não têm poder. São um vasto grupo de pessoas que não entraram completamente no mundo plano. Ao contrário dos que estão demasiado doentes, que ainda têm uma hipótese de entrar no mundo plano, os que não têm poder são aquelas que podemos dizer que estão num mundo "meio-plano". São pessoas saudáveis que vivem em países com zonas que já estão no mundo plano, mas que não dispõem das ferramentas, das competências ou das infra-estruturas necessárias para participarem, de forma significativa ou sustentada, no processo. Apenas dispõem de informação suficiente para saberem que o mundo em torno delas está a ficar plano e que elas não estão a recolher qualquer vantagem disso. Ser plano é positivo mas implica muita pressão. Não ser plano é terrível e implica muito sofrimento. Mas ser "meio plano" resulta numa situação muito especial de ansiedade."

T.L. Friedman (2005) "O mundo é plano. Uma história breve do século XXI".

sexta-feira, 24 de abril de 2015

24 de abril

24 de abril de 2015. É noite. Na minha sala Ray Charles canta Georgia on My Mind. Sons de 1960. Ainda não tinha nascido. Sons também de hoje. Escuto. Como se ele ainda estivesse aqui. E a luz fosse apenas meia. Por entre o fumo. Por entre a música. Salto no tempo. 24 de abril, 25 de abril, amanhã, ontem, há 41 anos, 1974. Memórias de uma revolução. Liberdade. Democracia. O tempo não pára. Recuo. 1945. Fim da guerra que não acabou com o mundo. Animais na Quinta que é deles. Animais de George Orwell. Pessoas. "Eram sempre os porcos que formulavam as moções. Os restantes animais percebiam como é que se votava, mas nunca conseguiam formular as suas próprias propostas.". O pêndulo oscila. 2015. Ano de eleições. Ano de votações. Democracia não são apenas eleições. Democracia não é apenas votar. Hit the Road Jack.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Das tribos

"Yet, ironically, many staff members are far more loyal to the university than students or faculty. In one sense this is because they are more permanent than students and faculty. Students are essentially tourists, spending only a few short years on the campus, and seeing relatively little of its myriads activities. Similarly, many faculty members view their appointments in the university as simply another step up the academic ladder. Their presence at and loyalty to the institution is limited, usually outweighted by their loyalty to their disciplines and their careers. In contrast many staff members spend their entire career at the same university, although may assume a variety of roles. As a result, they not only exhibit a greater institutional loyalty than faculty or students, but they also sustain the continuity, the corporate memory, and the momentum of the university. Ironically, they also sometimes develop a far broader view of the university, its array of activities, and even its history, than do the relative short-timers among the faculty and students."

James Duderstadt (2000), A University for the 21st century.

quarta-feira, 11 de março de 2015

Números preteridos

Sabia que nunca houve tantos estudantes inscritos nas universidades públicas como em 2014? É verdade! De acordo com os dados publicados eram 198 380, perfazendo uma série de quatro anos consecutivos acima de 190 000 estudantes. Números facilmente acessíveis, basta ir à Pordata. Números raramente ditos: pelos governantes; pelos políticos; pelos jornalistas; pelos académicos. Valores 17% superiores aos registados em 2007, nas vésperas do início da crise internacional; um acréscimo de 10% se considerarmos os últimos 10 anos; de 56% se recuarmos 20 anos. Números preteridos em relação às análises de curto prazo; à queda das entradas no último par de anos; aos ciclos da comunicação; aos circos da comunicação; com ou sem agendas escondidas. Questões de escalas: de tempo, de valor, de valores que não números. A recordar quando se discute o papel das universidades; ou o financiamento público das mesmas.

domingo, 1 de março de 2015

Solidariedade por decreto

O Expresso publicou, neste sábado, uma entrevista ao Secretário de Estado do Ensino Superior (SEES), José Ferreira Gomes, a propósito do financiamento do ensino superior público e das alterações que o Governo propõe nesta matéria. Muito haveria (haverá) a comentar sobre o significado político de algumas das afirmações, sobre a realidade dos números e a realidade percebida, sobre o papel do financiamento, sobre as medidas de reforço da "coesão territorial". A prioridade é, agora, clara: manter todas as instituições custe o que custar.

Mas fico-me apenas por um outro aspeto, que podendo parecer de mera semântica, não o é, antes me recordando versões da Newspeak de George Orwell: a linguagem manipuladora; de forma consciente e deliberada; ou de forma inconsciente, de tal forma os conceitos deformados se vão entranhado.

Veja-se esta passagem da entrevista:

"P: As [instituições] que estão mais desafogadas vão emprestar dinheiro às que têm mais dificuldades?
R: Vão dar. Não se chamava fundo de coesão, mas isso aconteceu até agora. E têm a expectativa de, uma vez corrigidos os desiquilíbrios, virem o seu esforço a ser recompensado. O crescimento de alunos que estamos a prever, por haver mais jovens a terminar o secundário e maior procura pelos novos cursos superiores profissionais que criámos, permitirá reequilibrar o sistema e corrigir gradualmente, em quatro, cinco anos, a situação das que deviam receber mais dinheiro.
P: Os reitores estão convencidos com a aplicação desse princípio de solidariedade ente instituições?
R: A solidariedade nunca é fácil. (...)"

Podíamos começar pela própria pergunta, pelas instituições "mais desafogadas", qual graduação, de mais a menos, mas em que todas estão desafogadas; talvez umas "folgadas"; nenhuma "afogada". E pelo conceito de "empréstimo". De acordo com o SEES não se trata de empréstimo mas de uma doação: "Vão dar." Ora o que se passa é que não vão dar; vão é receber menos. Quem vai retirar de um lado, não distribuindo, para dar a outro, com o objetivo de manter todas as instituições a funcionar, é o Governo, através de um mecanismo que desenhou e pretende agora ver validado; não são as instituições; não se trata de uma auto-gestão financeira da rede pública de ensino superior.

E podíamos continuar com o que, uma vez mais, o SEES coloca nas próprias instituições: a expectativa de "virem o seu esforço a ser recompensado". Não sei se as instituições têm essa expectativa, nem sobre o modo de recompensa. Cria-se assim a ideia de que há um ato de voluntarismo inicial das instituições, e uma recompensa no fim do caminho. Com um data apontada de modo vago, quatro, cinco anos, suficientemente distante para não representar um compromisso.

E, embora induzido pela pergunta, alimenta-se a conotação com um ato de solidariedade "que não é fácil", a bem do equilíbrio do todo. Uma "solidariedade" que não é de iniciativa das instituições, que talvez seja afinal recompensada, e que é difícil. Solidariedade por decreto, como já tinha sido feito com a "Contribuição Extraordinária de Solidariedade".

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Ideias de Universidade(s)

Leituras sobre a ideia de Universidade. Conceitos em confronto, em competição, ou em sobreposição. Modelo Intelectual. De Gestão. Consumista. Abordagens de acordo com um outor modo de encarar o ensino superior; muitas vezes sem suficiente reflexão; sem suficiente discussão. Faz falta entre nós: discutir a Universidade.

"We suggest that (...) higher education in the United Kingdom is currently a site of contestation between three distinct paradigms: the intellectual model, the managerial model and the consumerist model.

The intellectual model is the paradigm of academics (...). According to such a model, the university is not a business, nor is it a feeder to the marketplace, but is, rather a space of intellectual engagement, in which the chief values are the inherent value of knowledge, free and critical thinking, diversification and disciplinary integrity, and a passion for scholarship and research.

The managerial model is the paradigm of government and policymakers, funding and regulatory bodies, and in most cases university management. Its language is a language of performance indicators and league tables, quality assurance processes and their impact on the curriculum, the standardisation of practices and the rhetoric of employability, and continual restructuring.

The consumerist model is the paradigm of students and parents, employers, the media, and often also publishers. It articulates an obsession with the National Student Survey and the concept of ‘student satisfaction’. The rhetoric of employability and skills is found here as well, but in the form of a market-driven obsession with vocationalism. In the consumerist language, the most important indicator of quality is value for money, indicative of the process of commodification. The student-as-consumer is a consummate rights bearer in the tradition of possessive individualism, a consequence of which is the ‘culture of appeals’ that has recently developed in the sector."


Excertos de Darren O’Byrne & Christopher Bond (2014) Back to the future: the idea of a university revisited, Journal of Higher Education Policy and Management, 36:6, 571-584.