quinta-feira, 26 de maio de 2011

Programa eleitoral do PS

O programa eleitoral do PS, em matéria de ensino superior, é curto e vago, tendo pouco de programa para uma legislatura.

Os parágrafos, dois, inseridos no capítulo "Promover a qualificação das pessoas" resumem-se a um "desafio" - a generalização do acesso ao ensino superior, a uma "atenção particular" às áreas da saúde e das ciências e tecnologias, e ao lançamento do "debate em torno da reforma da rede de instituições de ensino superior".

Esta última é uma questão que tem vindo a ser evitada, entre nós. Para a maioria das pessoas reforma da rede significará redução do número de instituições, concentrando recursos, reduzindo custos de funcionamento. Tal passará, porventura, por fusões (cenário que tem vindo a ser apontado, por alguns, para Lisboa); dificilmente por extinções.

No programa do PS a reforma da rede deverá permitir dotar o sistema de maior racionalidade e eficiência, reduzir sobreposições de oferta, ajustar os cursos às necessidades sociais e especializar as instituições numa lógica de rede.

Ideias demasiado vagas. O objectivo último da rede, o racional que deve presidir à sua configuração, não é indicado. Não é referida a tensão existente entre concentração (para aumentar a eficiência) e desconcentração (promovendo a acessibilidade e com eventual efeito multiplicador no território). Alude-se a uma especialização das instituições, parecendo ignorar-se que praticamente todas elas, com excepção das escolas superiores, apresentam um carácter transversal, com ofertas nos vários domínios do conhecimento (ciências naturais, engenharias, ciências sociais, humanidades). O mesmo comentário vale para as sobreposições da oferta: propõe-se reduzir o número de cursos de direito, de engenharia civil, de arquitectura ou de medicina? Apenas os cursos em que a procura é reduzida? E aqueles em que a procura, sendo elevada, é de difícil justificação face às necessidades de curto e médio prazo? Quem deve controlar o sistema? Perguntas que parecem ficar, em aberto, para o debate.

Fica também por referir, no programa, uma das poucas áreas que, formalmente, não sofreu uma profunda reforma legal nos últimos anos: o modelo de financiamento do ensino superior. E digo formalmente, porque a fórmula utilizada para distribuir o orçamento pelas instituiçõesde, e que era publicada anualmente, parece ter abandonado o Diário da República há já alguns anos.

Proposta confrangedora, para quem vem de 6 anos de governação.

domingo, 22 de maio de 2011

Para que servem os debates?

Nos formatos a que temos assistido os debates servem para pouco, muito pouco. Meras aparências de duelos, em que os pistoleiros ficam sempre de pé, sem vencedores e sem vencidos. Exibição de truques preparados, graças a muitas horas de trabalho não produtivo, procurando contradições no oponente, ou pior, apenas algo que se preste a uma manipulação de belo efeito frente às câmaras. Esquivas às perguntas incómodas. Calculismo absoluto. É isto o que os candidatos dos principais partidos nos têm oferecido.

Tudo com a complacência dos órgãos de comunicação, mais preocupados em medir audiências, descobrir vencedores, analisar as prestações dos candidatos, comentar à exaustão o vazio, repetir as perguntas, já feitas, nas entrevistas à saída, acompanhar todos os movimentos.

Proponho que se adopte, de futuro, um figurino próximo dos concursos televisivos. Aqui fica um esboço de guião: 5 debates, de duas horas cada, sobre temas pré-definidos (justiça, educação, economia, papel do estado, ...); as questões iniciais são iguais para todos e são colocadas por um painel de entrevistadores; os concorrentes, perdão, candidatos, em estúdio, não podem ver nem ouvir os seus oponentes, respondendo apenas ao painel; concedamos ainda uma intervenção livre ao critério da criatividade de cada um.

Talvez fosse mais revelador sobre o pensamento e a postura dos líderes partidários.

Publicado no Jornal Público, Cartas à Directora, em 24/05/2011

sábado, 21 de maio de 2011

Os centrifugados

"Dito de outra forma, isto significa que, quando a obtenção de resultados materiais favorece sobretudo (como facilmente se compreende) os decisores menos dados a preocupações habitualmente designadas por éticas e quando o reconhecimento social favorece mais o resultado do que os meios de o obter, é natural que os decisores económicos tendam a ajustar os seus comportamentos para os resultados e para os meios que mais facilmente os permitem alcançar. E quem, por qualquer rebuço ético, o não queira fazer, acabará centrifugado do processo, em favor de quem esteja disposto a fazê-lo, assim se estabelecendo uma hierarquia social ordenada pelo valor socialmente reconhecido como dominante - a riqueza material."

Vítor Bento (2011) Economia, moral e política, FFMS.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Instrumentalização

Paulo Portas, no debate com Francisco Louçã, e durante a sua intervenção final, teve a seguinte tirada: "Eu queria dizer, sobretudo aos jovens, que sejam eles a pedir, aos seus pais e aos seus avós, que não votem nem em emblemas nem em siglas, que façam uma avaliação de mérito (...)"

Ao fazê-lo elegeu os jovens como os mais esclarecidos; como aqueles que ajudarão outros a ver "o factor novo", marca que nesta eleição reclama para o CDS. E, assim, passou um atestado de menoridade aos "menos jovens", que por si não seriam capazes de destrinçar e de fazer a sua própria escolha, alienados na sua fixação por emblemas. Os mesmos "menos jovens" para os quais, curiosamente, reclama o natural papel de educadores.

Ao fazê-lo parece querer ignorar que tantos, independentemente da idade, seguem emblemas, clubes, partidos e modas. E que o seguidismo, em especial em torno de personalidades ou personagens, é extremamente perigoso. Tão perigoso que, ao longo do século XX, muitas terríveis aventuras, oriundas dos mais diversos quadrantes políticos, se apoiaram na (de)formação de jovens, e na sua utilização de forma instrumental.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Governo dixit

A argumentação do Governo e do PS sobre a crise é conhecida: ia tudo bem até à crise internacional; a crise afectou todos e de modo mais severo do que afectou Portugal; estávamos no caminho da recuperação até ao chumbo do PEC4.

Ora aqui fica uma breve recapitulação da matéria, com base numa pesquisa superficial na internet (pouco mais de 30 minutos), embora sem grande risco de descontextualização, e que os partidos ditos "da oposição" não têm, estranhamente, usado de forma intensa nesta campanha:

18 de Setembro de 2007 - O ministro de Estado e das Finanças considerou hoje que "a turbulência dos mercados financeiros" não deverá ter impacto negativo na economia portuguesa e, por isso, não existem razões para rever as previsões para o crescimento deste ano e do próximo. Lusa.

22 de Janeiro de 2008 - O ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, defendeu hoje, em Bruxelas, que a economia portuguesa tem condições para enfrentar com "confiança" os desenvolvimentos que possam ocorrer no exterior nomeadamente nos EUA. ... O responsável das Finanças recusou a ideia de ter um "optimismo balofo ou gratuito" ao defender que a economia europeia e portuguesa têm condições que permitem enfrentar a actual crise nos mercados internacionais. Lusa.

15 de Setembro de 2008 - O ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, manifestou-se hoje surpreendido com a duração da instabilidade que tem afectado os mercados financeiros, reconhecendo o impacto negativo que esta crise tem nos agentes económicos. Jornal de Negócios com Lusa.

17 de Agosto de 2009 - "Não é o fim da crise, não. Estamos longe disso, é certo, mas foi um primeiro sinal, como um dos países que mais rapidamente saiu da condição de recessão de recessão técnica em que tínhamos mergulhado há noves meses", acrescentou [José Sócrates]. Lusa.

1 de Outubro de 2010 - Convicto de que esse cenário vai mudar, José Sócrates garantiu que para o ano não haverá mais medidas de austeridade. As medidas que o Governo anunciou quarta-feira e que quer ver incluídas no Orçamento de Estado de 2011 "são suficientes para restaurar a credibilidade do Estado português junto dos agentes financeiros que financiam a economia lusa", disse. TSF.

8 de Fevereiro de 2011 - O primeiro-ministro declarou hoje, terça-feira, que as exportações portuguesas cresceram mais de 15% em 2010, acrescentando que tal demonstra que Portugal foi um dos países que mais rapidamente recuperaram da crise de 2009. Jornal de Notícias.

13 de Abril de 2011 - O ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, reconheceu ontem que Portugal só tem dinheiro disponível até Maio. "As necessidades de financiamento para o mês de Abril, estão cobertas, e mesmo para o mês de Maio não temos problemas. O primeiro grande momento de exigência será o mês de Junho e por isso também este é um timing que nos parece ajustado" para a entrada em vigor do programa de apoio europeu, reconheceu o governante numa entrevista à agência Reuters. Correio da Manhã.

13 de Maio de 2011 - Em 2012, Portugal será o único país em recessão, com uma contracção de 1,8%. É a estimativa da Comissão Europeia, que divulgou esta manhã as suas previsões de Primavera. Rádio Renascença.

sábado, 14 de maio de 2011

Programa eleitoral do CDS

No programa, que hoje apresentou, o CDS dedica uma única medida específica ao Ensino Superior: a obrigatoriedade das instituções de Ensino Superior disponibilizarem um "índice de emprego" dos cursos que ministram.

Esta medida aparece em conjunto com uma breve menção à necessidade de distinguir a qualidade dos cursos existentes, não se referindo contudo à adequação (ou não) da actual Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior.

E não é apresentado qualquer outro enquadramento mais abrangente, seja o da discussão da rede de ensino superior, do financiamento das universidades ou do seu eventual contributo para a criação de valor.

Assim, o desenvolvimento do ensino superior fica resumida a uma mera função da procura, por estudantes, a qual se espera determinada pela perspectiva de obtenção de emprego no curto prazo. O mercado de emprego condicionará a procura, à qual a oferta se deve ajustar.

É pouco e redutor, até porque implica olhar mais para trás (para as estatísticas do passado, para os empregadores do passado) do que para a frente (os empregos que se querem criar, as competências que se antevêm necessárias).

O tema da empregabilidade consta também do programa do PSD, bem como de diversas intervenções públicas ou opiniões expressas, em particular, nos últimos anos, em que formação, garantia de trabalho, obtenção de estabilidade e nível salarial são frequentemente associadas. Voltarei a este tema.

Quanto à ciência fica apenas o objectivo de "apostar na inovação e investigação sobre o mar".

domingo, 8 de maio de 2011

Programa eleitoral do PSD (I)

Há semelhança do que fiz em 2009 (ver arquivo do blog), irei ler as propostas dos principais partidos em matéria de ensino superior.

O programa do PSD foi hoje revelado, num momento que permite ter em conta o acordo estabelecido para o financiamento de Portugal nos próximos anos. Hoje ficam apenas as primeiras impressões, uma vez que necessitarei fazer uma leitura mais atenta (pág. 99 a 103).

Aqui ficam:

- a organização e escrita parecem indiciar um trabalho apressado, com passagens de difícel compreensão, oscilando entre aspectos muito concretos e aspectos vagos, com repetições e uma hierarquização pouco clara;

- coloca ênfase na alteração do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (de 2007) e na revisão do estatuto da carreira docente (que data de 2009), neste último caso visando designadamente flexibilizar e valorizar a possibilidade de diferentes percursos. Ora este aspecto é contemplado no regime em vigor e nos regulamentos de avaliação dos docentes que têm vindo a ser aprovados;

- coloca o foco na empregabilidade de curto prazo, designadamente para os cursos de primeiro ciclo, sendo esta um indicador de medida da viabilidade dos cursos e do desempenho institucional; a ver com atenção, não esquecendo o previsto aumento da taxa de desemprego e as necessidades de médio e longo prazo, que não se compadecem com uma lógica meramente vocacional;

- a posição sobre a rede de ensino superior não é clara, referindo uma revisão do mapa "num contexto de necessidade de racionalizar recursos", em conjugação com uma primazia às "instituições com cursos de referência", mas também com políticas de mobilidade de docentes que promovam a fixação em "novas zonas com ofertas de ensino superior".

- não é expressa uma posição sobre o papel do sistema binário (sendo implícita a sua manutenção) e sobre o ensino público e privado;

- não apresenta metas de formação superior nem faz referência aos objectivos subjacentes ao Contrato de Confiança celebrado em 2010 entre o Governo e as instituições de ensino superior;

- preconiza um novo modelo de financiamento do ensino superior.

Há ainda referência ao ensino superior noutras áreas do programa, embora por vezes de compreensão impossível, como é o caso da seguinte passagem no sector da indústria transformadora: "dotar os cursos do ensino superior com os "skills" necessários à actividade industrial resiliente à Globalização."

sábado, 7 de maio de 2011

Sim, mas ...

Poucos dias passaram após a conferência de imprensa de José Sócrates, em que anunciou um conjunto de não-medidas; sobre medidas concretas, sobre aquilo que espera os portugueses, sobre o que é necessário fazer, sobre os prazos, sobre a necessidade de mobilização, enfim, sobre o que é importante, nada disse. Conferência de imprensa oca, com um ministro de Estado como figurante, apenas para marcar terreno mediático antes da apresentação do programa de intervenção aos partidos da oposição. Sentido de estado nulo.

Poucos dias passaram sobre a imediata réplica de Eduardo Catroga, promovido momentaneamente a líder de campanha, reclamando, com surpreendente euforia, louros sobre os resultados alcançados e, então, ainda não conhecidos.

Menos dias passaram ainda sobre a divulgação do acordo propriamente dito, com as suas medidas, metas e prazos. Nem todas são facilmente compreensíveis e para cumprir muitas delas haverá, com certeza, caminhos alternativos, que agora importaria discutir.

E ontem o Presidente da República, para além de relembrar que existia e que durante este período esteve presente, actuando discretamente, apelou a uma mudança de políticas e de atitudes.

Não passou sequer uma semana e já se multiplicam sinais negativos sobre a possibilidade da tal mudança de atitudes. Primeiro, os partidos parecem não ter percebido que estamos já num day after, e que a retórica do passado não chega para cumprir objectivos daqui a um par de meses; corre-se o sério risco de estar a desbaratar tempo e energia em campanha, desbaratando possibilidades de discussão séria e de mobilização das pessoas.

Segundo, e não menos importante, responsáveis em vários sectores da vida económica e social, incluindo da comunicação, começam a recorrer ao "Sim, mas...", com que se iniciam e acabam muitos processos de não-mudança.

Sim, o Estado vai vender as Golden Share, mas talvez seja possível manter o controlo através de outros acordos ...

Sim, algumas medidas são boas e só é pena que não tenhamos sido capazes de as tomar, mas os prazos ...

Sim, há passos positivos, mas o meu sector ...

Sim, tem metas e prazos, mas o que acontecerá se falharmos apenas algumas, cumprindo outras, até porque no passado também não cumprimos as medidas todas do FMI ...

Sim, temos que fazer, mas falta ...

Lembro-me do que disse uma formadora, espanhola a trabalhar em Portugal, a propósito das diferenças culturais e de atitude que por cá encontrou: aqui começa-se sempre por dizer, respeitosamente, que sim, mesmo que não se concorde ou que não se tencione cumprir.

Estamos longe de conseguir criar o sentido de urgência necessário a uma real mudança, e há muitas vozes a contribuir para o evitar.