sexta-feira, 24 de junho de 2011

Empregabilidade

Empregabilidade é um termo da moda nas políticas de ensino superior, e também presente num dos eixos de acção do programa com o que o PSD se apresentou às recentes eleições legislativas, "Aumento da empregabilidade da oferta", que surge como resposta ao que o PSD identificou como um dos aspectos característicos do Ensino Superior em Portugal: "oferta educativa desadequada das carências do mercado de trabalho, com cursos superiores com nula baixa ou nula empregabilidade."

Conviria começar por se esclarecer qual o conceito de empregabilidade, não sendo claro se este se refere à mera capacidade de obter um qualquer emprego no curto prazo (incluindo aqueles que nem sequer requerem formação superior), à obtenção de emprego na área específica de formação, à capacidade de evolução numa perspectiva de médio prazo, à capacidade de adaptação a mudanças no mercado de trabalho, etc., etc. A abordagem, o tipo de informação necessária e as políticas serão substancialmente diferentes consoante o caso.

Mas, a montante, está em causa o próprio papel das instituições de ensino superior e a sua relação com o mundo do trabalho, realidades com tempos e dinâmicas diferentes. As instituições de ensino superior não são os principais criadores de emprego, e a formação a este nível tem um tempo de preparação e de concretização que não é compatível com uma visão baseada em tendências diárias, mensais, trimestrais ou até de um par de anos.

Por isso não acredito num ensino superior confinado a uma função profissionalizante. Não acredito num ensino superior em que se reduza a faceta de experimentação de caminhos, de cruzamento de saberes, de antecipação de necessidades, de imaginação e de criação de futuros diferentes. Não acredito num ensino superior que responde, primeiramente, ao mercado de trabalho e, ainda menos, se este for entendido numa lógica restritiva de âmbito nacional, regional ou local.

Escritos como "Profissão", de Isaac Asimov, a que em tempos aqui me referi, ilustram bem os dilemas associados à criação do conhecimento, formação e emprego. O seguinte extracto de Albert Einstein, em "Como vejo a ciência, a religião e o mundo", é particularmente claro sobre a natureza da discussão que urge promover.

"Mas oponho-me à ideia de que a escola deve ensinar directamente aqueles conhecimentos específicos que viremos a empregar mais tarde na nossa vida activa. As exigências da vida são demasiadamente variadas para que seja viável esse ensino específico e directo. Parece-me à parte isso, condenável tratar o indivíduo como uma ferramenta morta. A escola deve ter como objectivo que os seus alunos saiam dela com uma personalidade harmoniosamente formada, e não como meros especialistas. Isto, em certo sentido, e a meu ver, é verdade até para as escolas técnicas, que forma alunos para profissões claramente definidas. O desenvolvimento de uma aptidão geral para pensar e julgar de uma forma independente é algo que devia ser valorizado antes de tudo o mais, isso e não a aquisição de conhecimentos específicos. Se uma pessoa domina os fundamentos da sua disciplina e aprendeu a pensar e a trabalhar de forma independente, acabará certamente por encontrar o seu caminho, além de que terá mais facilidade em adaptar-se ao progresso e às mudanças do que uma pessoa cujo treino consistiu principalmente na aquisição de conhecimentos circunstanciais."

A. Einstein Como vejo a Ciência, a Religião e o Mundo, Relógio d'Água, 2005.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Sir Humphrey tinha razão!

"Sem governadores aquilo funciona, sem os secretários é que não."

Podia ser uma tirada de um dos episódios da série televisiva "Sim, Sr. Ministro" mas, de acordo com o jornal Público, foi apenas uma das frases utilizadas por Miguel Relvas, Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, recém empossado, a propósito da anunciada extinção dos governos civis e da subsequente demissão de vários governadores.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Iliteracia no Parlamento

O resultado mais surpreendente do processo eleitoral para escolha do Presidente da Assembleia da República não foi a não eleição de Fernando Nobre. Foi, isso sim, a existência de 21 votos nulos na primeira votação e 22 na segunda. Mais de 20 votos nulos, numa votação em urna (como nas recentes eleições legislativas que permitiu escolher estes deputados), e em que existia um único candidato! Não sei se o processo era muito complexo, ou se os nervos de primeiro dia explicam alguma coisa; estas seriam, ainda assim, as explicações mais benevolentes; outras passariam pela falta de respeito pelo próprio órgão, pelas pessoas em causa e pelos eleitores que lhes permitem desempenhar o cargo de deputado. Estas mais de 20 pessoas participarão em decisões muito importantes para o futuro de todos nós - uma constatação preocupante!

sábado, 18 de junho de 2011

Sucesso

"Assim, devemo-nos abster de predicar aos jovens o sucesso, no sentido comum da palavra, como o objectivo da vida. Pois um homem de sucesso é alguém que recebe dos seus conterrâneos muito mais do que aquilo que lhe corresponderia pelos serviços que lhes prestou. Mas o valor de um homem devia residir naquilo que dá, e não no que está disposto a receber."

Extracto de uma reflexão sobre a educação, em que marcam presença a motivação, a ambição individual, as necessidades do colectivo. O ano: 1936. O autor: Albert Einstein.

A. Einstein, Como vejo a Ciência, a Religião e o Mundo, Relógio d'Água, 2005.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Um erro de 150 milhões

O inimigo mortal começou por ser o pepino espanhol; depois os rebentos de vegetais; o alarme alargou-se a outras verduras; hoje reconhece-se que a origem do surto de uma variante letal da Escherichia coli pode nem sequer vir a ser identificada; certeza apenas uma: Hamburgo, Alemanha, é o elemento comum nesta crise que já custou a vida a mais de 20 pessoas.

Mas se a informação circula rapidamente, neste nosso mundo globalizado, a suspeita é ainda mais veloz, espalhando medos; medos que se traduziram em quebra de consumo e em produções sem escoamento; medo que se transformou no desperdício de toneladas de bons produtos agrícolas; medo que se transforma até em desemprego.

Estima-se que, para compensar alguns dos efeitos de uma comunicação precipitada, não fundamentada e pouco profissional, vão ser gastos 150 milhões de euros dos contribuintes europeus. Os erros de comunicação são causa primeira de muitos acidentes, com consequências graves. Mas a comunicação continua a ser um elemento tão negligenciado!

domingo, 5 de junho de 2011

Orgânica do Governo

Pedro Passos Coelho, futuro Primeiro-Ministro, tem insistido na redução da dimensão do Governo, valorizando a coesão do mesmo e pretendo dar, em simultâneo, um sinal de contenção. No entanto, o processo de alteração das orgânicas dos ministérios será lento e poderá introduzir perturbações de funcionamento, com ramificação de efeitos em vários sectores de actividade, o que, face ao calendário de medidas a tomar, será indesejável.

Assim, e a manter-se a intenção anunciada de um Governo de dimensão reduzida, concordo com a sugestão de Nicolau Santos, no Expresso publicado a 3 de Junho: "No estado de urgência em que o país se encontra é impossível ir por aí. Ministros a acumular duas pastas é uma solução."

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Paradoxos da autonomia

A discussão sobre a autonomia das instituições de ensino superior, no seu relacionamento com o estado, encerra múltiplas dimensões: pedagógica, científica, de governo e organização interna, de financiamento e gestão financeira, de gestão de recursos humanos. Paradoxal parece ser o facto de que maior autonomia das instituições não significa, necessariamente, maior autonomia dos indivíduos, o que acarreta relações internas mais complexas, que é necessário gerir. Vale a pena ler o que, a este propósito, escreve Peter Maassen:

... making HEIs [Higher Education Institutions] more autonomous does not necessarily mean that the academic staff of the institutions feel that they are better off. Instead of having an "enemy at a distance", they now might get an "enemy in their own house" by which the academic discretion that usually has been associated with teaching and research becomes narrower. This might likely increase the need for accountability within the institutions, and subsequently increase the level of conflict within institutions for resources and funding, not least between departments and faculties. A consequence for the academic leadership might be that they have to spend more time and energy on issues relating to institutional policymaking and negotiation. A possible paradox emerging from this situation is that internal processes might occupy the institutional agendas in a time where the external relations between HEIs and their surroundings are believed to be more important than ever before.

Peter Maassen (2008) The Modernisation of Higher Education Governance in Europe , em Políticas de Ensino Superior - Quatro Temas em Debate, Conselho Nacional de Educação.