terça-feira, 22 de abril de 2008

O País do futebol

2004 foi ano de festa. Foi o ano do Euro2004. A imagem de Portugal em casa de milhões de espectadores; a nossa selecção na final; o verde e o vermelho promovidos a cores da moda; cachecóis ao pescoço e bandeiras nas varandas; grita-se por Portugal; multidões na rua e nos estádios. Em dez estádios, do Minho ao Algarve, construídos de raiz ou profundamente remodelados. Triunfos da arquitectura e da engenharia, orgulho das cidades e dos clubes. A capacidade de Portugal organizar eventos internacionais de grande dimensão ficou, uma vez mais, comprovada.
Passaram quatro anos e o Euro joga-se agora na Áustria e na Suiça. A Europa já deve ter esquecido os nomes de Braga, Aveiro ou Leiria, da mesma forma que só com recurso à Internet sou capaz de dizer que, em 2000, os palcos foram Arnhem, Charleroi, Bruges. O espectáculo é efémero.
Ficaram os estádios. O do Algarve é utilizado por duas equipas que não disputam sequer as ligas profissionais: o Louletano, que joga na II Divisão, e o Farense, nos campeonatos regionais. Em Aveiro assistem a cada jogo, em média, um pouco mais de 1200 espectadores, pelo que nem juntando todos os espectadores dos 17 jogos já disputados nesta época seria possível esgotar a lotação! O panorama é semelhante em Leiria, com uma taxa média de ocupação de 9%. Em Coimbra e no Bessa a situação está longe de ser satisfatória, com uma ocupação média rondando os 20%.
As cadeiras coloridas são, agora, fiéis espectadores de lugar cativo.
Salvam-se, com naturalidade, os três grandes, Porto, Benfica e Sporting, aos quais se juntam Braga e Guimarães, clubes que, por norma, conseguem encher mais de meio estádio.
Este é o registo de um enorme desperdício de recursos. Ao invés do famoso dito do “futebolês” – prognósticos só no fim do jogo – custa a crer como não se antecipou o resultado final. Estádios com capacidade para 30000 espectadores, cidades de média dimensão, com 40000 a 100000 habitantes, e clubes de segunda linha, eram ingredientes de uma receita clara para o descalabro.
Os responsáveis? Governo, autarquias, partidos, clubes, enfim todos aqueles que alimentaram a ficção do desenvolvimento pelo futebol. Não consta que tenham reconhecido, publicamente, o disparate.
Tudo se dilui com o tempo, com a colectividade da decisão e com a mudança de cargos. Tudo, menos os efeitos negativos e os custos que continuarão a ter que ser pagos.

Estatísticas de espectadores disponíveis em http://www.lpfp.pt/ (site oficial da Liga Portuguesa de Futebol Profissional)

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Soundbits

"Eu acho bem não haver uma sessão solene, acho que era dar uma péssima imagem da Madeira mostrar o bando de loucos que está dentro da Assembleia Legislativa." - Alberto João Jardim.

"São todos uns imbecis e eu sou o seu chefe." - General Nenpeuplus, em Astérix e os Godos.

domingo, 13 de abril de 2008

Regionalização

Modelos de descentralização ou de regionalização - a prática dos partidos:

PS - Sede Nacional: Largo do Rato, Lisboa.
PSD - Sede Nacional: R. de S. Caetano, Lisboa.
CDS - Sede Nacional: Largo Adelino Amaro da Costa, Lisboa.
PCP - Sede Nacional: R. Soeiro Pereira Gomes, Lisboa.
BE - Sede Nacional: Av. Almirante Reis, Lisboa.
Os Verdes - Sede Nacional: R. da Boavista, Lisboa.

Lisboa 6 - 0 Paisagem

domingo, 6 de abril de 2008

Peso político

Agora é a vez do TGV, como antes foi a do Novo Aeroporto de Lisboa, de estradas, pontes, capitais da cultura e tantos outros projectos. São considerados sinónimos do desenvolvimento do país, das regiões e das cidades (pena é que outros aspectos, mais reveladores da qualidade de vida, não tenham o mesmo estatuto).
Não admira, por isso, que suscitem a movimentação dos agentes políticos e económicos, tentando influenciar as decisões sobre tais projectos: uma estação de TGV só faz sentido em …, aqui a capital da cultura tem mais condições do que …, uma incineradora de resíduos ou um aterro bem longe de …. Cruzam-se interesses nacionais, regionais, locais e particulares. Promovem-se estudos técnicos com a esperança subjacente que legitimem posições já bem definidas a priori, seja com a ajuda da “incontestável verdade científica”, seja com o auxílio da inexistência de “consenso científico” sobre a matéria.
Decisões desta natureza são, necessariamente, políticas. Relacionam-se com o modelo de desenvolvimento que se pretende, e raramente se discute, para o país no seu conjunto. Têm um racional que vai para além da análise casuística, projecto a projecto, ministério a ministério, cidade a cidade.
A prevalecer, sistematicamente, a lógica baseada no número de pessoas a servir, nas economias de escala e no financiamento pelos utilizadores directos, podemos fechar o país, com excepção de Lisboa e Porto. E a União Europeia deveria optar por deixar partir as jangadas de pedra, em lugar de atribuir fundos de coesão.
O problema é que os protagonismos individuais e os interesses locais turvam, frequentemente, uma visão mais ampla. E aqui entra o factor “peso político”, assumido sem pudor no discurso dos partidos. O peso político não é mais do que a capacidade de influenciar as decisões, longe do escrutínio público, e frequentemente com a ajuda da cor certa no momento certo, e da posição detida numa determinada hierarquia. Disto se queixam os partidos quando a cor não é a certa. Do mesmo se vangloriam quando em sintonia.
O peso dos argumentos é substituído pelo argumento do peso. Não admira que a obesidade esteja a aumentar em Portugal o que, como se sabe, é sinónimo de menos saúde.

Publicado no Jornal Público, Cartas ao director, 12/04/08