sábado, 15 de novembro de 2014

Falando de propinas

Notas emitidas no Click, Antena 1, a 15 de novembro.

O valor das propinas é um daqueles temas, sempre presentes, e associado a debates acesos e divergências marcantes. E que ganha maior visibilidade nos momentos em que o seu valor máximo é definido, quando cada instituição fixa as propinas devidas pelos estudantes, quando se discute o abandono, quando são divulgados relatórios internacionais que comparam países, ou em momentos específicos, como o da criação do Estatuto do Estudante Internacional, que permite a cobrança de propinas diferentes, mais elevadas, a estudantes extra-comunitários.

Do ponto de vista dos estudantes e das famílias as propinas são uma parte, nem sequer a maior, dos custos de frequentar o ensino superior, a que se junta o alojamento, a alimentação, o transporte, livros, informática e comunicações, instrumentos e outras despesas específicas em função do curso.

Do ponto de vista das instituições são uma das fontes de receita, não a principal, que vem aumentando em proporção pela diminuição das verbas do orçamento do estado, mas não tanto em valor absoluto, tendo em conta a relativa estabilização do número de estudantes.

Se olharmos para outros Países da Europa encontramos um panorama muito variado. Desde os mais de 10000 euros cobrados na Inglaterra, passando pelos cerca de 1000 euros em Portugal, até ao zero de países nórdicos, e da Alemanha e da Áustria, por exemplo.

E existem também diferentes mecanismos relacionados com o pagamento propriamente dito, desde o normal efetuado em cada ano, aos sistemas de empréstimo, ao pagamento apenas após a graduação e em função dos rendimentos auferidos, ao papel do Estado ou de Bancos como intermediários ou garante.

Uma coisa é certa: não há, em lugar algum, ensino gratuito: o ensino superior tem custos e alguém os suporta. Trata-se, isso sim, de definir quem paga, em que proporção, como e quando. Podem ser os contribuintes, os estudantes e as suas famílias, os estudantes já não enquanto tal mas enquanto trabalhadores, ou, porque não, também os próprios empregadores? Ou ainda uma combinação de tudo isto em função de decisões sobre a responsabilidade no ensino, o colectivo e o individual, possibilidades de escolha, gastos no presente e expectativas de ganhos no futuro.

É uma discussão ideológica, e ainda bem que assim é!

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Merkel, os licenciados e eu.

Por feitio e por aprendizagem não costumo reagir de pronto a notícias. Principalmente quando as mesmas suscitam, de imediato, reações empolgadas. Não reagir, pelo menos sem primeiro tentar ouvir de viva voz, perceber o contexto e refletir um pouco. Qualquer comunicação, mesmo que intermediada, ou talvez ainda mais quando intermediada, presta-se a muitos equívocos, com ou sem intenção. Problema no emissor, no canal de comunicação, no recetor. Falta de sintonia. Contextos diferentes. Línguas ou linguagens distintas. Bagagem variada. Códigos. Termos.

Vem isto a propósito do que Angela Merkel disse sobre o excesso de licenciados em Portugal. De alguns dados que surgiram. E da hipersensibilidade gerada pelo facto de ser um discurso da Grosse Deutschland, escutado no Kleine Portugal. Não encontrei a versão original, que também de pouco me serviria, uma vez que de alemão pouco mais sei do que umas quantas palavras e entendo uma ou outra frase.

Fiquemo-nos pois pela imprensa nacional e, aqui, pelo Diário de Notícias:

"A chanceler alemã, Angela Merkel, disse hoje que países como Portugal e Espanha têm demasiados licenciados, o que faz com que não tenham noção das vantagens do ensino vocacional. Citada pela agência de informação financeira Bloomberg, a chanceler alemã afirmou que o enfoque nos estudos universitários como um feito de topo da carreira é algo do qual deve haver um afastamento. "Caso contrário, não conseguiremos persuadir países como Espanha e Portugal, que têm demasiados licenciados", dos benefícios do ensino vocacional, acrescentou a líder alemã, (...).
De acordo com dados do gabinete de estatísticas europeu, em 2013, 25,3% da população da União Europeia entre os 15 e os 64 anos tinha completado estudos superiores, enquanto a percentagem portuguesa era de 17,6% e a alemã de 25,1%."

Algumas notas sobre o assunto, em jeito telegráfico.

1. Os sistemas de ensino superior são diferentes de país para país.

2. A designação "licenciados" não é internacional, sendo portanto uma tradução/interpretação.
3. Em Portugal a maioria das licenciaturas tem a duração de três anos e corresponde ao "bachelor".
4. Há bem pouco tempo, essa duração de estudos no ensino superior originava "bacharéis".
5. E os licenciados tinham 4 ou 5 anos de formação.

6. O discurso parece falar de licenciados e de ensino vocacional.

7. O sistema alemão inclui cursos de dois anos no âmbito do "ensino superior curto".
8. Estes cursos, de âmbito vocacional ou profissionalizante, têm um número significativo de alunos.
9. O governo português enveredou por esta via, criando, este ano, os chamados TeSP.

10. O contexto da intervenção parece ser este: o do predomínio em Portugal (exclusividade até ao momento) do ensino superior conducente a, pelo menos, "licenciados", face a outros percursos possíveis de ensino superior, mais "curtos" e "vocacionais".
11. A ser assim não se trata de uma apreciação, em absoluto, do número de licenciados nacionais.

12. As estatísticas apresentadas referem-se à conclusão de estudos superiores.
13. Abrangem cursos curtos e não apenas licenciaturas.
14. Há quem refira que a referida medida do Governo é, precisamente, para jogar nesta estatística.

Uma conclusão é certa: o trabalho jornalístico foi pobre. Falta de conhecimento destes meandros? Falta de estudo? Procura de um título e notícia com "impacto"?

Sociedade da informação
Sociedade da comunicação.
Sociedade do conhecimento: não estamos lá.