sábado, 30 de outubro de 2010

Os políticos somos todos nós

Tendemos a olhar a política, e os políticos, como realidades que nos são externas. Assumimos assim o papel mais fácil: de comentadores e de críticos. Mas como nos lembra Fernando Savater (Expresso de 30/10/10):

"Os políticos somos todos nós. Se os políticos que ocupam os cargos são incompetentes, somos nós que os elegemos, e fomos nós, que apesar de acreditarmos que podemos ser melhores do que eles, não nos oferecemos para o lugar deles. Os políticos não seres de outro planeta que desceram à terra para nos dificultar a vida."

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Estudo desacompanhado

Parece que vão acabar com uma disciplina do currículo do ensino básico designada "estudo acompanhado". O que não falta, em muitos percursos de crianças, jovens e menos jovens, é o estudo acompanhado. Demasiadamente acompanhado...

Há, com certeza, casos em que o processo de acompanhamento e a orientação adicional, para além da escola, é necessário e é bem efectuado. Mas não será essa a maioria das situações. Estamos a falar de uma nova necessidade, criada e alimentada. Prometem-se resultados. Usam-se os chavões da moda: desenvolvimento pessoal, ensino de qualidade, atenção personalizada, formadores reconhecidos.

Primeiro fiquei surpreendido com a quantidade de alunos que frequentam explicações no decurso do primeiro ciclo; alunos sem dificuldades especiais; provavelmente por mistura da necessidade de ocupação "útil" de tempos livres com vontade de proporcionar ferramentas para o "sucesso". Na mesma linha vi pais advogarem, como função dos ATL, a correcção dos trabalhos de casa; nada de erros no processo de aprendizagem.

Adicione-se o caso daqueles que estudam, por sistema, com os filhos, relembrando e sabendo ao pormenor toda a matéria. Multiplique-se isto ao longo dos anos e dos ciclos de estudo. Exponencie-se no secundário, quando os resultados no fim do ano, dos anos, se tornam mais importantes e decisivos. Reduza-se o papel dos formadores e professores "oficiais". Continue-se o desenvolvimento desta série no ensino superior, através do recurso a um dos muitos centros de explicações criados por alunos, ou ex-alunos, nas cidades universitárias. E gaste-se assim, na educação paralela, muito dinheiro, não contabilizado nas estatísticas oficiais dos gastos em educação.

Como resultado temos uma subtracção sistemática da capacidade individual, da autonomia, do espírito crítico, do conhecimento das próprias limitações, da confiança.

Por tudo isto não só concordo com a anunciada extinção, mas julgo que se devia ir mais longe, numa tentativa de reverter efeitos da actual situação: proponho a instituição do Estudo Desacompanhado!

Publicado no jornal Público, Cartas à Directora, em 29/10/10

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Não faça desporto! Veja!

Neste momento, entre os serviços sujeitos à taxa reduzida do IVA (6%), figuram: "Espectáculos, provas e manifestações desportivas, prática de actividades físicas e desportivas e outros divertimentos públicos." [Código do IVA, Lista I, 2.15]

Ora o Governo propõe que a "prática de actividades físicas e desportivas" passe a estar sujeita à taxa normal, que aumentará para 23% [Proposta de Lei n.º 42/XI, Art. 99.º]

Descubra porquê!
Eis uma pequena ajuda sob a forma da tão popular escolha múltipla:

a) É perigoso exagerar no estilo de vida saudável. Esta medida destina-se a compensar o emagrecimento resultante da previsível quebra de consumo de refrigerantes e de leite com chocolate.

b) Mais vale estar na bancada que na arena.

c) O País precisa de mais treinadores de bancada, mantendo as pessoas e os média entretidos em qualquer dia seguinte após um jogo (afinal são quase todos).

d) O autor da medida também considera que o canal Parlamento transmite "espectáculos e outros divertimentos públicos".

e) Foi apenas um teste à atenção dos muitos leitores do Orçamento. A intenção é mesmo manter os 6% para a prática desportiva e passar os restantes items para 23%. Se fôr um dos primeiros a ligar para o Ministério das Finanças tem direito a receber o 14.º mês em certificados do tesouro.

f) O PM é adepto do jogging e, para dar o exemplo patriótico, quer pagar mais impostos.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Em exibição, num cinema perto de si

Seguindo a comunicação social e os agentes políticos é fácil acreditar que os problemas do país se confinam ao governo e à oposição, aos seus líderes, ao debate sobre o orçamento e à conjuntura internacional. E que se houver um entendimento, qualquer que seja, estaremos no bom caminho. Mas o "mundo real" vai muito para além disso, e aí estão também raízes para a actual situação do país.

"Aquilo que encontrei sempre foi um comportamento, em termos de boa gestão financeira e boas normas internacionais, incompetente e desleixado."

Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas em entrevista ao Expresso, publicada na edição de 9 de Outubro de 2010.

domingo, 10 de outubro de 2010

Transparência, translucidez ou opacidade?

Sobre a racionalização (leia-se redução do número de instituições) da rede e a projecção internacional das universidades portuguesas, disse recentemente o Reitor da U. Lisboa, António Nóvoa: "Não há hipótese de ter uma universidade de referência nos rankings internacionais se não se fizer esta reforma. Sobretudo em Lisboa", Expresso, 09/10/2010.

Para proceder a uma racionalização é preciso, previamente: a) compreender a situação actual; b) definir o objectivo a alcançar.

Fui ver um ranking recente, o do THES. Nos 50 primeiros lugares figuram 5 universidades do Reino-Unido: Cambridge, Oxford, Imperial College London, University College London e Edimburgo. Fui ver o seu orçamento. Todas estão no top 6 do que seria um ranking orçamental britânico. O seu orçamento conjunto, em 2008/2009, ascendia a cerca de 4.000 milhões de libras, o que representa quase 16% do orçamento de todas as instituições do Reino-Unido, com destaque para Cambridge, com mais de 1.100 milhões de libras. Edimburgo, com o menor valor das cinco, tinha um orçamento de perto de 590 milhões de libras. Fui ver os efectivos de pessoal académico a tempo inteiro. Conclusão análoga: mantém-se no top 6. Coincidência, causa ou consequência?

Refira-se que o orçamento de funcionamento atribuído anualmente pelo estado português a todas as instituições de Ensino Superior, universidades e politécnicos, ronda 1.000 milhões de euros (não libras). A este valor haverá ainda que adicionar verbas específicas para a acção social, receitas próprias e financiamento para investimento, mas permite ter uma ideia da diferença entre ambas as realidades.

Não pretendo embarcar em comparações simplistas, e muito menos estimar o montante necessário para construir uma universidade capaz de entrar no top 50 de um qualquer ranking. Estes dados são apenas um pretexto para considerações de outra natureza. Os números que referi para as universidades britânicas estão disponíveis na internet, à distância de alguns cliques. De igual forma poderia ter referido o número de estudantes, os países de proveniência, o pessoal académico e não académico, a inclusão de minorias, o número de abandonos, etc. etc. A Higher Education Statistics Agency encarrega-se disso (http://www.hesa.ac.uk/).

Não conseguiria dizer o mesmo das universidades portugueses. Por cá escasseiam os dados de acesso público, sobretudo em matéria financeira. Vagas, inscritos, diplomados e docentes permitem apenas traçar uma imagem muito parcial do sistema de ensino superior, revelando pouco sobre o seu desempenho e não constituindo uma base para qualquer discussão séria sobre a racionalidade ou irracionalidade do sistema, e sobre os caminhos a seguir. Pretende-se reduzir o número de instituições? Para reduzir custos? Para aumentar a dimensão? Para fomentar um melhor desempenho? Para atrair investimento? Para reordenar o território? E quais as consequências?

Esta reflexão, a propósito do Ensino Superior, aplica-se a muitos mais domínios do nosso quotidiano. Fala-se muito da sociedade do conhecimento mas estou convencido que ainda não chegamos sequer à sociedade da informação. Temos os meios tecnológicos mas parece faltar a vontade. Enquanto assim for o poder continuará a residir na posse privilegiada de informação, ou até na sua ausência, permitindo jogos e manipulações que de outra forma não seriam possíveis.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Mudança

"Change can be essential, but it should only be made with careful consideration and just cause. Losing can persuade you to change what doesn't need to be changed and winning can convince you everything is fine even if you are on the brink of disaster. If you are quick to blame faulty strategy and change it all the time, you really don't have any strategy at all. Only when the environment shifts radically should you consider a change in fundamentals."

Garry Kasparov em "How life imitates chess"

terça-feira, 5 de outubro de 2010

3 000 000 de telemóveis

No primeiro semestre de 2010 foram vendidos 3 000 000 de telemóveis. Colocados em fila chegarão do Porto a Lisboa. Colocados na balança pesarão 240 toneladas. E são produtos encarados como "de usar e deitar fora". Só assim se explica que nos primeiros de seis meses do ano anterior tivessem também sido vendidos 2 500 000 e que, antes disso, Portugal já apresentasse um dos números mais elevados de telemóveis por habitante.

Algumas associações de ideias soltas que estes números me suscitam:

- Moda, consumo, consumismo, exagero, desperdício.
- Matérias-primas, circuitos, plástico, lixo, insustentatiblidade, inconsciência.
- Custos, importação, défice, improdutividade.
- Mais palavras, menos reflexão, menos acção.