sexta-feira, 23 de agosto de 2013

38º à distância de um botão

Os sinais são de calor, de muito calor. O ar brilha, atravessado por um sol que desce, vagarosamente. O céu mais branco que azul. A terra de um amarelo que secou, diferente do amarelo que torrou e do amarelo ainda húmido. As colinas começam a arredondar as sombras, pequenas. São seis e meia da tarde. A mente lê os sinais e confirma: deve estar calor, muito calor. Os olhos pousam nos dígitos, por um instante, e confirmam o que a mente lê. Muito calor. 38.º à sombra. Quem sabe quantos mais fora dela. Só a pele teima em dizer que está fresco.

Noutro tempo a travessia teria horas ajustadas em função do sol, das refeições, da distância feita de estradas mais lentas; panos pendurados nas janelas para enganar o sol que atravessa o vidro.

Mas hoje o objetivo é o destino e não a viagem; a rapidez e não o vagar; tragar caminho em vez de o saborear; não sentir a terra, as terras, a paisagem, as gentes. Tanto podia estar aqui como noutro lugar, em muitos lugares. Os sinais podiam ser de frio, de muito frio, ou de chuva, muita chuva. A mente e a pele continuariam a discordar, sem que isso importasse.

Uma breve paragem. O corpo sai e, por um momento, um único momento, a pele concorda com os olhos e com a mente. Está calor, muito calor. Mas logo reentra. 38.º do lado de fora. Mantidos de fora por um botão que o dedo já pressiona.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O mar, ali.

Gosto de ouvir o mar, à noite, mesmo sem entender o que diz;
E de acordar sabendo que está ali.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

A mudança das estações

Depois da retração económica por causa da chuva, segundo um ex-ministro, e do episódio Borda d'Água que se lhe seguiu na Assembleia da República, e que fez rir até às lágrimas outro ex-ministro, eis que João Semedo, coordenador do Bloco de Esquerda, decreta a alteração das estações: a descida do desemprego no 2.º trimestre (abril a junho) é causada pelo Verão, que dantes começava em finais de junho e ia até finais de setembro.

Alterações climáticas à parte, é fácil concluir que, como tantos outros políticos, João Semedo não resistiu a comentar em direto algo que provavelmente não tinha lido. Mais do que isso, tentou que a realidade se moldasse à sua visão: a de que todos os dados do País têm que piorar constantemente, consquência lógica, inelutável, uma vez o Governo está entregue à direita liberal. Quanto pior melhor, porque tal comprovará a tese. E assim concluiu que a baixa na taxa de desemprego é apenas uma pequena variação sazonal devido ao aumento de emprego em época de veraneio.

Ora como qualquer dirigente partidário com a rodagem de João Semedo sabe, existem ferramentas para lidar com fenómenos que variam sazonalmente, como sejam comparações em períodos homólogos e análises de séries longas de dados.

O INE revelou informação substancial e explicada, para quem se quiser dar ao trabalho de tentar compreender a realidade real. Eis alguns dados que constam da ficha disponível em www.ine.pt:

- em termos homólogos, ou seja, comparando segundos trimestres, a taxa de desemprego em 2013 é superior à de 2012;
- já em termos sequenciais, comparando o 2.º trimestre de 2013 com o 1.º, a taxa de desemprego baixou em 1,3%;
- esta é a primeira diminuição na taxa de desemprego desde o 2.º trimestre de 2011;
- é verdade que os segundos trimestres têm apresentado, nos últimos dois anos, os melhores comportamentos no ciclo anual: uma ligeira redução em 2011 e uma estagnação em 2012; nada que se compare a uma redução superior a 1%.

Nada disto permite concluir sobre as causas de fundo destas variações e, consequentemente, sobre a possível continuidade da redução da taxa de desemprego. Mas são factos. E um aumento de 72 400 pessoas na população empregada é, em si, uma boa notícia! Que o digam os próprios, os familiares, nós e, supõe-se, os políticos de todas as cores.

Podia João Semedo ter recorrido a outras estatísticas, também divulgadas pelo INE, e que apontam uma evolução negativa do volume de negócios na indústria, quer em termos homólogos quer em termos sequenciais, quer nas vendas destinadas ao mercado externo quer nas vendas no mercado interno. Podia ter invocado os riscos e as medidas que serão inscritas no orçamento para 2014. Poder, podia, e devia, em vez de recusar a realidade.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Destruição maciça

Tempo menos 68 anos - 5 de agosto de 1945.

Central Park, Nova Iorque, EUA - final de mais uma tarde de Verão.

É 6 de agosto em Hiroshima, Japão - uma nova manhã de guerra.

08h15 - Um pequeno gesto de um homem, um inferno para milhares...

"Entretanto, decorria preparativos para a largada da bomba atómica no Japão. No dia 24 de Julho, Truman revelou que tinha dado instruções: «para que ela seja usada de modo a que o alvo sejam objectivos militares, soldados e marinheiros, e não mulheres e crianças». E prosseguiu, explicando: «Embora os japoneses sejam selvagens, cruéis, impiedosos e fanáticos, nós, que lideramos o mundo na promoção do bem comum, não podemos largar esta bomba terrível sobre a velha capital nem sobre a nova.» O alvo seria «puramente militar». Truman acrescentou: «Emitiremos uma declaração de aviso pedindo aos japoneses que se rendam e poupem vidas.» O primeiro alvo escolhido foi Hiroxima, em que as mulheres e crianças eram de facto em muito maior número do que os soldados e marinheiros. E não foi emitido qualquer aviso. Às primeiras horas de 6 de Agosto, um bombardeiro B-29 especialmente adaptado, o Enola Gay, largou uma bomba atómica. Foi detonada a 575 metros do solo. Nunca uma só deflagração tinha matado tanta gente. Em menos de duas semanas, o número de mortes chegava a 92233. Muitas mais pessoas morreram nos anos seguintes, vítimas dos efeitos da radiação; em 1986 o monumento aos mortos de Hiroxima enumerava 138890 vítimas."

Em História do Século XX, de Martin Gilbert.