quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Notas passadas: As falhas informáticas ... e as outras

As "notas passadas" trazem textos que escrevi antes do início deste blog.

Os problemas no acto eleitoral deste domingo recordaram-me uma outra situação, com semelhanças e diferenças, ocorrida há alguns anos (terá sido em 2004?). Foi por ocasião de um concurso de colocação de professores e esteve na origem de um texto, que foi publicado nas Cartas ao Director do jornal Público. Parece não ter perdido actualidade... Aqui fica em reposição.

As falhas informáticas ... e as outras

Num país que se quer membro de pleno direito da sociedade do conhecimento, em que o Primeiro-Ministro anuncia o e-government, em que a educação é/foi uma paixão, e em que todos os discursos apontam a educação como um factor decisivo de desenvolvimento, existem milhares de alunos sem professores.

Dizem-nos que é por causa de uma falha informática, que o programa que faz a colocação dos professores não funciona bem, tem erros, o que origina inustiças, reclamações e uma situação caótica. Dizem-nos que manualmente se vai resolver o problema em pouco mais de uma semana.

Os sistemas informáticos que contribuíram para que o homem fosse à Lua e voltasse, que permitem que indústrias, centrais nucleares, aviões e sistemas de tráfego, bancos, multibancos e vias verdes funcionem, sem anomalias de maior, não permitem colocar, correctamente, uns milhares de professores!

Estamos em Portugal, no século XXI, e não num dos cenários de A Revolta das Máquinas de Clifford D. Simak, ou de uma das muitas obras de Isaac Asimov. Assim temos de procurar as verdadeiras causas deste desastre em nós, humanos.

Sendo a colocação dos professores uma tarefa crítica, em termos de dimensão e importância para o normal funcionamento do sistema educativo, é chocante que ela não seja encarada como tal. Na área da segurança dos processos industriais, por exemplo, as tarefas críticas estão associadas a conceitos de verificação, teste, redundância e planeamento de emergência. Qualquer mudança deve ser encarada com especial cuidado sob pena de, como a história o demonstra, se criarem condições popícias à ocorrência de acidentes catastróficos. Estes conceitos valem também para este caso.

O programa desenvolvido pode ter erros, o caderno de encargos que lhe deu origem pode ter sido mal elaborado, mas o que é verdadeiramente inaceitável é que se substituta um sistema crítico, sem um mínimo de prudência! Efectuou-se uma simulação integral com base, por exemplo no concurso do último ano? Testou-se o sistema em paralelo com o anterior? Face aos problemas que já tinham sido detectados, como foi possível aceitar as novas garantias dadas pela empresa responsável? Ou não se ter começado, de imediato, a trabalhar em alternativas a uma falha que já não era, sequer, improvável? Foi tudo precipitado por decisões e tempos da política, em detrimento das questões técnicas identificadas?

Muita coisa falhou ao longo deste processo. As máquinas também falham, umas mais que outras. Neste caso falharam, claramente, a máquina-gestão e a máquina-política.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Outra maneira de fazer as contas às presidenciais

23h00: com todas as 4260 freguesias apuradas e faltando apurar apenas os resultados em 11 dos 71 consulados, e considerando de igual modo a decisão de todos os eleitores inscritos, são estes os resultados provisórios das eleições presidenciais deste Domingo:

1º Nem sequer vou lá (pelas mais variadas razões), escolha de 5.139.726 eleitores, o que corresponde a 53,4%, ou seja, a uma vitória clara à primeira volta.

2º Cavaco Silva, com 2.230.104 votos, eleito Presidente da República por 23,2% dos inscritos, uma vez que não é necessário haver uma maioria de votantes para as eleições serem consideradas válidas.

3º Manuel Alegre, que não chegou sequer ao milhão de votos, com 831.959 votos, ou seja, 8,6%.

4º Fernando Nobre, com 593.868 votos, correspondendo a 6,2%.

5º Francisco Lopes, com 300.840 votos, 3,1%.

6º Vou lá mas ou não quero nenhum destes ou qualquer um me serve, traduzido em 191.159 votos em branco, ou seja, 2,0%.

7.º José Coelho, com 189.340 votos, 2,0%.

8º Desprezo, raiva, analfabetismo funcional ou simplesmente má-educação, em 86.543 votos considerados nulos, 0,9%.

9º Defensor de Moura, com 66.091 votos, ou seja 0,7%.

São estas as percentagens que os candidatos, dirigentes partidários apressados em retirar ilações, comentadores e sociedade em geral deverão ter em conta.

Fonte de dados: sítio da Comissão Nacional de Eleições

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Presidente indexado à Euribor

"Nós não podemos prolongar esta campanha por mais três semanas. Os custos seriam muito elevados para o país e seriam sentidos pelas empresas, pelas famílias, pelos trabalhadores, desde logo pela via de contenção do crédito e pelas subidas das taxas de juro.", Cavaco Silva.

Realmente, mais três semanas desta campanha e os mercados perdem de vez a esperança em Portugal! Podemos sempre fazer um leilão presidencial junto dos mercados, para tentar obter uma taxa de juro mais baixa. Eventualmente subscrevemos também um primeiro-ministro para obter uma bonificação no spread. E então se domiciliarmos umas quantas empresas públicas ...

Ah, não podemos? E os mercados não votam? Assim é difícil sair da crise! E porque é que não alteraram a lei eleitoral para uma única volta? Hmmm, o eleito poderia ter uma percentagem baixa, o que levaria à instabilidade, à dúvida dos mercados (outra vez eles!) e à subida das taxas de juro. Bem, se tivermos estabilidade então estamos safos! Renovamos o contrato do Cavaco e do Sócrates por mais 5 anos; afinal ambos são providenciais, nunca se enganam e raramente têm dúvidas, e assim não há crises. Ah, mas isso foi o que já fizemos ?! Irra!

domingo, 16 de janeiro de 2011

O Presidente-Candidato

O Presidente da República e o candidato a Presidente coabitam na mesma cabeça, falam pela mesma boca, mas não dizem a mesma coisa:

O candidato diz que o povo (palavra cada vez mais usada à medida que o dia D se aproxima) é iludido pelos governantes; o presidente não considerará a situação suficientemente grave para fazer mais do que reiterados apelos "à verdade".

O presidente defende a separação de poderes; o candidato sugere a criação de um ministério.

O candidato não vê televisões nem lê jornais há algum tempo, tal como o ex-primeiro-ministro; o presidente, recentemente, lia a imprensa com regularidade.

O presidente exalta a sua capacidade de, ao longo dos últimos anos, contribuir para definir o rumo do país e influenciar os acontecimentos; o candidato diz que os alertas do presidente não foram ouvidos.

O candidato critica medidas orçamentais; o presidente aprova orçamento atrás de orçamento.

O presidente preza a estabilidade; o candidato sugere a mudança.

O candidato fala das informações que o presidente recebe, acompanhando em directo a evolução do leilão da dívida.

O candidato e o presidente descredibilizam-se mutuamente.

Tudo isto devia ser evitado, desde logo por uma alteração das regras do mandato presidencial: 6 anos sem possibilidade de recandidatura. Falar-se-ia do passado, presente e futuro com menos duplicidades e equívocos. Mas as regras não são essas e o presidente decidiu ser candidato. Como não gosto de esquizofrenia política tenho menos uma escolha para o próximo Domingo.

domingo, 9 de janeiro de 2011

O País pode esperar

Políticos dos vários quadrantes, entre os quais candidatos presidenciais, entretêm-se, quais virgens pudicas, a discutir os negócios privados do então ex-governante e cidadão Cavaco Silva, actual Presidente-Candidato. Com a sofreguidão habitual dos meios de comunicação este assunto transformou-se no tema central da campanha em curso (pré-campanha é uma expressão sem significado), traduzindo-se em horas de debate, análise de comentadores, capas de jornal e notícias de abertura. A situação de Portugal e dos Portugueses é assim relegada para segundo plano. O País pode esperar.

O Primeiro-Ministro congratula-se com o cumprimento da meta para o défice orçamental de 2010. Afinal conseguimos cumprir! É de somenos se tal foi alcançado graças a expedientes, tão condenados pelos mesmos no passado; é de somenos se um défice elevado continua a ser um défice elevado, implicando o crescimento da dívida; é de somenos se pagamos cada vez mais por este dinheiro que não é nosso, mas a que achamos ter direito. O País pode esperar.

O líder do principal partido da oposição volta a acenar com a queda do Governo, desta vez caso o FMI seja chamado a intervir. Ao longo dos últimos anos afirmou, como muitos outros, que não se pode acrescentar uma crise política às crises financeira e económica. Claro que já vivemos em cenário de crise da política há muitos anos, como demonstra esta visão de subalternização da política. Como resultado condicionou o papel do seu partido a uma parceria forçada, esperando naturalmente por melhores tempos para desencadear a dita crise: participou na aprovação dos PEC’s e do Orçamento para 2011. Pelos vistos agora pode estar a chegar o momento da crise política, uma vez mais, cavalgando um pretexto externo. Cenários haverá para todos os (des)gostos: e se o FMI chega ainda antes das Presidenciais? Ou pouco depois? E se o PSD não alcança a maioria absoluta? E se o PSD perde? É um jogo perigoso, o do timing político, em que as convicções cedem lugar à mera oportunidade. O País pode esperar.

O preço do petróleo atinge os 95 dólares por barril, valor muito superior aos 78,8 dólares previstos pelo Governo no enquadramento traçado para 2011, e que serviu de base ao Orçamento recentemente promulgado. O valor do nosso défice é já usado como medida internacional de referência - diz a Agência Internacional para a Energia: “The European Union’s oil import bill grew by $70 billion last year. This figure is equal to the combined budget deficits of Greece and Portugal”. Diversos bens alimentares atingem valores nunca antes alcançados. Dos nossos governantes, candidatos presidenciais e restantes políticos nem uma palavra sobre estes assuntos. Como diz Pedro Magalhães, em entrevista ao Público (8/1/2011), “Podemos passar uma tarde inteira na Assembleia da República a ouvir um debate sobre uma lei sem nunca ouvir outra coisa que não sejam palpites…”. O País pode esperar.

Os portugueses, sejam políticos, empresários ou trabalhadores, percebem a urgência de mudar, de mudar como única forma de tentar tornar o país viável? Há já mudanças profundas em curso, nas instituições e nas atitudes individuais, que não sejam apenas decorrentes de leis ou de pacotes de austeridade, impostos por terceiros? Não creio que a resposta seja positiva. Parece que continuamos à espera do próximo financiador, de um líder salvador, da Europa, do reboque das economias americanas e alemã, ou de um 2012 que, por artes mágicas, faça a diferença.

Mas o País já não pode esperar.