sábado, 29 de setembro de 2012

1,25%

Faltam sempre milhares de milhões nas contas pública! Neste ano, por exemplo: receitas fiscais abaixo do previsto - 2530 milhões; agravamento das contas da Segurança Social - 700 milhões ou mais; em consequência, medidas extraordinárias - cerca de 2700 milhões. Para 2013, e tendo em consideração a necessidade de alterar as medidas inconstitucionais, compensar a "quebra do crescimento" (mistificadora linguagem) e maiores encargos com juros - qualquer coisa como 5000 milhões de euros.

Procura-se remediar, como sempre, seja alterando os objetivos, já perto da meta, seja recorrendo a toda uma série de medidas que deviam ser extraordinárias, e que permitem entrada súbita de receita ou corte rápido na despesa ... do ano. Deviam ser extraordinárias, mas não são. Há muito que passaram a ordinárias, palavra, apropriadamente, com vários sentidos.

Transferem-se fundos de pensões; privatiza-se a correr, com data anunciada e independentemente do número de interessados ou do setor em causa, garantindo, à partida, que o negócio será mau. Perde-se o sentido estratégico. O verdadeiro limite da estratégia é a próxima vinda da troika, a data de libertação da próxima tranche ou o final do ano.

Para trás ficam as reformas, por vezes iniciadas, mas que exigem tempo, reflexão, discussão, aceitação. Isto, claro, se se pretender que produzam efeitos; que sejam duradouras; que realmente permitam mudanças na sociedade e na economia; que sejam suportáveis e que permitam vislumbrar um futuro melhor. As tais reformas que estavam na base do "ajustamento", outra palavra enganadora, a que, por vezes, juntam "violento". Deve significar qualquer coisa como tentar colocar um cubo dentro de um cilindro, demasiado pequeno, com o auxílio de martelo.

Vi hoje, no Expresso, um número referente ao orçamento de 2012: 8810 milhões de euros gastos em juros. É mais do que o gasto com o serviço nacional de saúde. São, claro, o resultado de um montante em dívida muito elevado, mas também das taxas de juro impostas. Não resisti a um cálculo rápido: se fosse possível reduzir este montante em 1,25%, reduziríamos a despesa, apenas por esta via, em 110 milhões de euros; e com 2% chegaríamos aos 175 milhões de euros. Milhões que não seriam retirados da economia; milhões que não seriam retirados às pessoas; milhões que poderiam ajudar a dar tempo para mudar com sentido. Milhões que, no final, poderiam contribuir para, de facto, virmos a conseguir pagar o montante que devemos. E se juntarmos os milhões que não se teriam que gastar em 2013, 2014, 2015, ...

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O regresso dos mutantes

De acordo com o Comunicado do Conselho de Ministros, de hoje, o Governo aprovou um diploma que estabelece um regime transitório aplicável à transformação de instituições universitárias em instituições de ensino superior politécnico, criando um período de dezoito meses para adaptação às regras de composição do respetivo corpo docente.

Transformação de instituições universitárias em instituições de ensino superior politécnico? Eis algo verdadeiramente invulgar! A menos que se trate de um lapso do comunicado. Transformações inversas são mais comuns, como aconteceu, por exemplo, no Reino-Unido, em 1992, criando as instituições globalmente conhecidas como Universidades Pós-92.

Mais estranho ainda quando denota um sentido de urgência - regime transitório; período de transição de 18 meses - parecendo uma medida "à medida" de alguma situação concreta.

E, embora infelizmente já se estranhe menos, trata-se de uma inciativa que aparece sem qualquer enquadramento político (apenas a lacónica referência citada), desligada da discussão sobre a rede do ensino superior (sempre por realizar), da avaliação do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (por fazer) ou da revisão do mesmo (esta já mencionada pelo Ministro da Educação e Ciência, há pouco tempo atrás).

Vamos ver de que tipo de diploma se trata, e qual o seu conteúdo.
Mais um assunto a seguir ...

domingo, 16 de setembro de 2012

Uma questão de confiança

É um lugar comum dizer-se que Portugal tem falta de competitividade.
É o lugar em que estamos.
Mas nem todos os problemas se resolvem com financiamento, com novas leis, com procedimentos, com a intervenção do Estado.
Melhor, nem todos os problemas precisam dessa intervenção para serem resolvidos.
Fala-se muito de confiança,ou da falta dela, no Estado, nos políticos, nas instituições.
Fala-se pouco da confiança, ou da falta dela no colega, no superior, no subordinado, no outro!

Vem isto a propósito de um número que li num artigo de opinião de Adrián Caldart, no Expresso de ontem. Números valem o que valem, mas por vezes são o suficiente para despertar curiosidade e umas notas de reflexão.

Aqui fica: Portugal figura em 95.º lugar (!), num total de 144 países, num indicador cuja designação pode ser traduzida por qualquer coisa como vontade, ou disponibilidade, para delegar autoridade (dados do The Global Competitiveness Report 2012-2013, do Fórum Económico Global).

Ora este lugar, medíocre, é conferido por uma pontuação de 3,4 numa escala de 1 (todas as decisões importantes são controladas pela gestão de topo) a 7 (autoridade maioritariamente delegada aos diretores de unidades de negócio e a outros gestores de níveis inferiores), e encontra-se inserido num conjunto de indicadores que pretendem aferir sobre a sofisticação da área de negócios de cada País.

Não delegar é desconfiar. Não delegar é centralizar. Centralizar em poucos. Frustrar muitos. Sobrecarregar poucos. Limitar muitos. Não deixar decidir quem tem competência para o fazer. Quem tem treino para o fazer. Quem tem formação para o fazer. Não delegar perpetua a não delegação. Cria o conforto de que "alguém" decide. "Alguém" corre os riscos. "Alguém" ficará com as culpas. Cria também o conforto de um aparente controlo, em que tudo é decidido, coerentemente, ao máximo nível. Aparente porque a decisão é ineficiente e ineficaz. Não delegar custa tempo. Custa dinheiro. Custa competitividade.

E isto não se passa apenas nas empresas, mas também em muitas outras instituições.
Vamos mudar?