segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Informação, Debate, Ação

Concordo com António Barreto quando diz:

"Em Portugal há pouco debate público. Talvez se fale muito, mas discute-se pouco. À discussão falta frequentemente a informação e o conhecimento necessários à formação de uma opinião livre."

Ou, como consta do estatuto editorial da mesma publicação, XXI, Ter Opinião, da Fundação Francisco Manuel dos Santos:

"XXI, Ter Opinião acredita que a existência de uma opinião pública informada, empenhada e interveniente é condição fundamental da democracia e da dinâmica de uma sociedade aberta e que tal passa pela exposição descomprometida e aberta de ideias e propostas diferentes, contrastantes e originais, capazes de permitir que cada cidadão forme, em liberdade e com sentido crítico, as suas convicções."

Informação, conhecimento, debate, diferenças, abertura, espírito crítico, ação! Ingredientes necessários, todos eles, a uma sociedade melhor e mais democrática.

Este é um tempo de grandes incertezas e de caminhos nunca trilhados, o que só por si nos devia conduzir a questionar verdades absolutas, soluções únicas e redentoras, ou a valorização do pensamento uniforme. Este é um tempo em que não basta receber, sem questionar, a informação transmitida por intermediários. Este é um tempo em que o contraste de ideias e a originalidade são primordiais. Este é um tempo em que o sentido crítico e a ação são imprescindíveis.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Austeridade

Em semana de discussão final do Orçamento de Estado, de alterações táticas e de pormenor, de discussão sobre grupos privilegiados ou grupos prejudicados, de figuras envergando roupagens de defensores dos pobres ou da classe média e, finalmente, da aprovação do dito.

"It is deliberate policy to keep even the favoured groups somewhere near the brink of hardship, because a general state of scarcity increases the importance of small privileges and thus magnifies the distinction between one group and another".

Em 1984, de George Orwell.

A complementar com a leitura de Pacheco Pereira no Público de hoje, sobre a oscilação política entre a austeridade como virtude e a austeridade como instrumento.

domingo, 27 de novembro de 2011

O interior

O Presidente da República, em recente intervenção, manifestou a sua preocupação com a desertificação do interior do País e afirmou a necessidade de criação de medidas de incentivo à fixação de ativos em zonas rurais.

Em sinal contrário vão as medidas de "racionalização" de várias redes essenciais: da saúde; da educação básica e secundária e, talvez em breve, também do ensino superior; do transporte ferroviário; de vários serviços públicos. Já quanto às estradas, que se multiplicaram nas últimas décadas, tanto permitem chegar mais velozmente ao interior, como dele sair de vez.

Dirão que não há dinheiro para tudo, que não é possível manter serviços de qualidade ao dispor de poucas pessoas. Mas é, acima de tudo, uma questão de opção política e de modelo de desenvolvimento: ou se privilegiam as grandes metrópoles, como tem sido feito, ou se promove uma redistribuição territorial; e, de acordo com a escolha efetuada, se canalizam os recursos necessários.

E já agora: que tal localizar a Presidência da República em Mértola, Estremoz, Belmonte ou Macedo de Cavaleiros? Como se diz no jargão técnico, estar-se-ia a criar uma nova centralidade, à qual estariam associados os movimentos de toda uma corte, nacional e internacional, o que induziria certamente criação de postos de trabalho, para além de conferir uma visibilidade acrescida ao interior de Portugal.

sábado, 19 de novembro de 2011

Financiamento do Ensino Superior (I)

O relatório do Orçamento de Estado para 2012, entregue na Assembleia da República inclui, como medida a implementar durante o próximo ano, a "Adoção de novas regras para o financiamento público do Ensino Superior, reforçando a aplicação de critérios de qualidade". Um modelo de financiamento pode incluir várias componentes, e seria desejável uma discussão abrangente, mas é provável que tudo se centre no que se designa por fórmula de financiamento. Vale a pena revisitar qual tem sido a teoria e a prática nesta matéria, o que farei ao longo das próximas entradas. Comecemos pelo enquadramento legal.

As atuais bases de financiamento do ensino superior constam da Lei n.º 37/2003, de 22 de agosto, à época do governo presidido por Durão Barroso, e que é a única lei estruturante não alterada pelo anterior ministro, Mariano Gago.

De acordo com esta Lei o Estado "financia o orçamento de funcionamento base das actividades de ensino e formação das instituições". Ou seja, assenta numa separação a priori das componentes da missão das universidades e da atuação dos seus trabalhadores, individualizando desde logo a vertente ensino.

Esse financiamento base "é indexado a um orçamento de referência, com dotações calculadas de acordo com uma fórmula baseada em critérios objectivos de qualidade e excelência, valores padrão e indicadores de desempenho equitativamente definidos para o universo de todas as instituições e tendo em conta os relatórios de avaliação conhecidos para cada curso e instituição.". Define-se pois uma bitola comum para todas as instituições, que se acredita capaz de medir objetivamente a qualidade e a excelência do ensino. Dito de outra forma, a existência de alguma diversidade entre instituições, frequentemente considerada desejável, não terá repercussões no modo como é determinado o financiamento. Em termos práticos tal viria a acarretar problemas no modo de lidar com um sistema que tem universidades, politécnicos, escolas não integradas e universidades com escolas politécnicas.

Nos termos da Lei, devem constar da fórmula:
- a relação padrão pessoal docente/estudante e pessoal docente/pessoal não docente;
- incentivos à qualificação do pessoal docente e não docente;
- indicadores de qualidade do pessoal docente;
- indicadores de eficiência pedagógica dos cursos;
- indicadores de eficiência científica dos cursos de mestrado e doutoramento;
- indicadores de eficiência de gestão das instituições;
- classificação do mérito resultante da avaliação do curso / instituição;
- estrutura orçamental traduzida na relação entre desepesas de pessoal e outras despesas de funcionamento;
- classificação de mérito das unidades de investigação.

Uma considerável mistura de indicadores de diferente natureza mas que, na sua essência, pressupõe que o Estado financia um processo-tipo de ensino, suscetível de ser caraterizado, por exemplo, através de relações padrão pessoal docente/estudante; e que pressupõe igualmente a existência de processos de avaliação abrangentes (a cursos e instituições), além de uma abundância de dados fiáveis nas diferentes vertentes.

A fórmula, com todos os seus pormenores, seria publicada em Portaria. A última foi publicada em 2006, tendo no entanto a fórmula sido sucessivamente alterada e aplicada até ao orçamento para 2009.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Ordem dos Advogados

"O programa curricular da Ordem [dos Advogados] tornara-se demasiado fácil, e os advogados formados pela instituição eram jocosamente chamados "advogados de jantares". Sabia-se que o exame não tinha praticamente valor. Na minha época eram dois: o de Direito Romano e o de Direito Comum. Livros especialmente preparados eram fornecidos aos alunos mas estes raramente os liam. As provas podiam ser realizadas em etapas. Soube de pessoas que passaram no Direito Romano sem estudar, deitando apenas um olhar às notas sobre a matéria durante uma ou duas semanas. Para o exame de Direito Comum, havia pessoas que se preparavam em apenas dois ou três meses. As perguntas eram relativamente fáceis e os examinadores generosos. O índice de aprovação nos testes de Direito Romano era de 95 a 99% e, no exame final, de 75% ou mais. As provas eram realizadas quatro vezes por ano. Nada que pudesse ser considerado difícil. Quanto a mim, consegui fazer tudo de uma só vez."

Londres, 1890. Em "A minha vida e as minhas experiências com a verdade", Mohandas K. Gandhi.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Fazer mais, fazer diferente

O discurso dominante tem colocado o foco na necessidade de fazer mais: mais horas de trabalho, mais dias, usando menos recursos, com menores salários. Os principais atores políticos repetem-no constantemente.

Não duvido que haja caminho por fazer em termos de intensidade do trabalho; mas esta é uma via estreita, e que permitirá apenas algum ganho de competitividade por via de preços mais baixos. Ora não me parece que seja esse o caminho para criar uma economia desenvolvida e sustentável no médio prazo, até porque o nosso fator de escala é, e continuará a ser, pequeno em comparação com a maioria dos países.

Acredito que é fundamental fazer diferente. E fazer diferente requer conhecimento e imaginação; cultura e abertura ao mundo; confronto de ideias e experimentação; capacidade de assumir e gerir o risco. E fazer diferente requer lideranças e organizações que valorizem o mérito e a divergência; que sejam fontes de ignição e não amortecedores de iniciativa.

São domínios em que temos um óbvio défice, porventura muito mais grave que o orçamental. Mas que temos de superar: através de uma maior participação, de uma maior transparência e de mais humildade.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Ainda as fusões

Li hoje o programa de candidatura de António Cruz Serra, atual presidente do Instituto Superior Técnico, a Reitor da Universidade Técnica de Lisboa. A fusão entre a UTL e a Universidade de Lisboa ocupa lugar central nesse programa. Eis uma passagem:

"Quais as vantagens e desvantagens de tal iniciativa? Existindo entre a UL e a UTL uma grande complementaridade e pouca sobreposição, poderão ser questionáveis os ganhos que tal fusão poderá criar. Se se procurarem os benefícios em termos meramente financeiros, estou certo que, para além de algumas economias de escala, os benefícios não serão apreciáveis, não se devendo basear este processo num aumento do sub-financiamento das instituições intervenientes. Contudo, o ganho desta iniciativa estará acima de tudo na esfera organizacional e no interesse público, constituindo um importante contributo para a defesa do princípio constitucional da Autonomia Universitária. Uma instituição como esta, para além da sua capacidade de intervenção ao nível científico e académico, constituirá uma forte força ao nível do prestígio do Ensino Superior Português. A visibilidade interna e externa de tal Universidade constituirá um importante factor competitivo que urge explorar."

Como venho escrevendo, a propósito da rede de ensino superior e de uma sempre anunciada reorganização da mesma, é necessário estabelecer, em primeiro lugar, o que se pretende do sistema de ensino superior, e qual o papel específico do ensino superior público. Se a redução da despesa pública for um dos fins desejados da reorganização então tal não passará, certamente, por fusões desta natureza.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Notas sobre uma entrevista

A edição de hoje do jornal Público incluía uma entrevista alargada com Nuno Crato, o Ministro da Educação e Ciência. Infelizmente as respostas, superficiais, permitem apenas reafirmar o que escrevi em julho passado: "O Programa do Governo para o Ensino Superior pouco revela sobre a sua visão para o sector e sobre o sentido da sua actuação.".

Notas (da superfície e de mais além) sobre o conteúdo da entrevista.

1. Não há uma única referência ao sistema binário (defendido tanto pelo PS como pelo PSD), exceto no que se refere à redução das dotações orçamentais. Todo o texto é centrado nas "universidades", primando os "politécnicos" pela ausência.

2. Sobre o número de universidades afirma: "Quinze parece-me de mais. Mas não quero avançar um número". Nem, pelos vistos, com uma lógica de reordenamento ou, pelo menos, dos passos a dar nesse sentido. Continuamos no domínio das impressões, esperando talvez que criem um ambiente favorável à redução do número de instituições. Acrescento que convém distinguir reordenação da oferta formativa (cursos) da reorganização da rede de instituições, o que nem sempre acontece nas discussões sobre este tópico.

3. Sobre fusões: "Em Lisboa está a decorrer uma tentativa interssante [Universidade Técnica e Universidade Clássica] que é um protótipo. Temos duas universidades que muito facilmente se fundem, porque têm ofertas diferentes.". Neste caso parece-me difícil falar-se numa verdadeira fusão, da qual resulte uma nova entidade, com reconfiguração das ofertas de formação; será mais uma justaposição, ainda que com eventual ganho de eficiência em alguns serviços comuns. Aliás, fora de Lisboa, que conta com 5 universidades (incluindo a U. Aberta) e a menos que se equacione a fusão de universidades e politécnicos (como pretendido em tempos pelo reitor da U. Lisboa), gostaria de ver apontadas outras situações em que tal poderia facilmente ocorrer e com que potenciais ganhos.

4. Sobre fusões e massa crítica: "... é necessário uma massa crítica que dê confiança e garantias aos parceiros internacionais e contratantes de que a universidade vai conseguir cumprir esse contrato" e mais à frente "... quando a universidade tem uma certa dimensão, aparece mais bem situada nos rankings". Aqui julgo que há de facto uma distorção de pensamento em favor do "big is beautiful", e que não é comprovada pelas evidências. N.º 1 do ranking do Times Higher Education - Caltech - com 2000 estudantes é mais pequena que as universidades e alguns dos politécnicos nacionais; N.º 2 Harvard - 21000 alunos, um pouco menos que na U. Lisboa; N.º 3 Stanford - 11000 alunos, menos que na U. Aveiro; N.º 4 Oxford, primeira europeia, 21000 alunos; N.º 15 ETH Zurique, primeira da europa continental, 15000 alunos. O tamanho não é tudo e está longe de ser o mais importante; o que várias destas instituições têm em comum é outra coisa: uma média de 7 (ou até menos) alunos por docente.

5. Sobre financiamento: "Vamos ter de repensar isso tudo [fórmula de financiamento] para o ano." E à pergunta sobre que critérios poderão entrar responde: "Vamos pensar nisso". Compreende-se que o tempo foi pouco, desde a tomada de posse até agora, se tivermos em conta a necessidade de lidar com dois ministérios, iniciar o ano letivo, concluir o processo negocial da avaliação dos docentes do básico e secundário, estabelecer o orçamento para 2012. Mas a atual lei do financiamento data já de 2003 e elenca vários critérios a adoptar, relacionados com o número de alunos, o corpo docente e indicadores de qualidade, entre outros. Era de esperar que, pelo menos, fossem referidos os aspetos tidos com mais importantes.

6. Sobre a autonomia universitária, e o enorme retrocesso traduzido na proposta de lei do orçamento para 2012: nada.

Pouco, muito pouco... Por estratégia, ou por falta dela, continuamos sem saber aquilo que o Ministro pensa sobre o Ensino Superior em Portugal.

sábado, 29 de outubro de 2011

Prefiro o verão!

Na madrugada de Domingo passaremos à hora de inverno. E assim, por decisão arbitrária, o sol que hoje nasceu às 08h00 levantar-se-á às 7h00, e o ocaso passará das 18h41 para as 17h41. A discussão sobre a adoção de um ou de outro horário costuma voltar, recorrentemente, à ribalta. Desta vez não parece ter sido o caso, talvez por causa da crise...

Declaro a minha parcialidade na matéria e que me leva a discordar desta medida: prefiro os "dias longos" de verão!

Mas podemos usar este tema como exemplo da maneira como discute e se decide, frequentemente: com base em muitos "acho que" e com pouca informação. Uma nota e duas questões a este propósito.

Os horários, quer em termos profissionais quer em termos individuais, têm-se vindo a alargar, mas de forma assimétrica incidindo mais sobre o início da noite que sobre o fim dela. A partir de amanhã, uma pessoa que tenha um ciclo de atividade das 06h30 às 23h30, não beneficiará de luz solar direta durante cerca de 30 minutos, ao início do dia, e durante 5h49, no final. Estes valores seriam, hoje, de 1h30 e 4h49, respetivamente.

Primeira questão. Gostaria de saber se uma ou outra hora têm impacto no consumo energético. Sendo a duração do período solar igual, tendo apenas ocorrido uma translação, a questão resumir-se-á a saber se o consumo de energia para iluminação (e aquecimento nos períodos mais frios) será maior às 08h00 ou às 18h00. Tendo a inclinar-me para a segunda hipótese, pois julgo que haverá aí uma maior concentração de atividades; mas não sei. Alguém sabe? E saberá se a diferença é significativa? Suficientemente significativa para uma decisão política?

Segundo aspeto. Recordo-me de ouvir o argumento de que estas alterações eram necessárias por causa da articulação internacional das atividades económicas. Mas será mesmo assim? Em que setores faz a diferença? E de que monta? Nem por isso adotamos, até agora, a hora da Espanha, nossa vizinha e parceira comercial; noto ainda que os territórios das grandes economias mundiais (EUA, China, Rússia, Europa) estendem-se por vários fusos horários.

Seja como for prefiro o verão!

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Cortes reais e simbólicos

O enqudramento, a justificação e mesmo a ordem pela qual são apresentadas as medidas de contenção orçamental não são indiferentes. Não o são em termos de compreensão das mesmas e do conjunto que vão formando, nem o são em termos de aceitação, até pelo valor simbólico que algumas medidas podem ter.

Um exemplo. Os dirigentes da administração pública têm, nos termos legais, direito ao abono mensal de despesas de representação. Despesas que, na prática e em muitos casos, se traduzem apenas num suplemento salarial. Proponho por isso que 1) se eliminem completamente ou 2) sejam atribuídas (ou suportadas pelos respetivos serviços) nos casos indispensáveis, até ao valor estipulado mas apenas mediante comprovativo da despesa efetuada.

Não sei qual seria a redução de despesa associada a esta medida; alguma seria com certeza; para além do valor simbólico e de contribuir para mudar atitudes. Sei que não substituiria outras medidas; mas deveria antecedê-las e contribuir para minorar cortes mais profundos e mais cegos.

sábado, 22 de outubro de 2011

O embuste

Declaração de interesses: faço parte do grupo de trabalhadores que ficarão sem dois meses de remuneração nos próximos anos.

Ouvi o Primeiro-Ministro justificar tal medida referindo que, segundo um estudo do Banco de Portugal, salários no setor público eram, em média, 10 a 15% superiores aos do setor privado.

Ouvi e fiquei surpreendido! Essa diferença, agora considerada injusta e a corrigir já em 2012, evidenciada num estudo de 2009, esteve ausente da campanha eleitoral, do programa de governo e de toda a discussão política, até ao derradeiro momento de apresentação da proposta de orçamento para 2012!

Ouvi e não percebi! Não percebi como é que existindo uma grande dispersão de salários, em ambos os setores, o critério a utilizar é o cariz público-privado, e não o valor salarial. Também não percebi como uma medida dita temporária pode corrigir qualquer disparidade salarial.

Ouvi e questionei! Qual a base do dito estudo? Uma comparação da média salarial de todos os trabalhadores? Compararia formações semelhantes? Atividades equivalentes? O mesmo nível de responsabilidade?

Entretanto, o número mágico - 10% - foi ecoando pela voz de deputados dos partidos do governo, políticos que sempre andam por aí, jornalistas e comentadores especializados em comentar comentários, a caminho de se transformar, por via da repetição, numa nova verdade.

Não vou aqui discutir se a medida é necessária, se é justa, ou quais as alternativas. Mas apenas se a justificação usada corresponde à verdade, tantas vezes apregoada.

Como cada vez gosto menos de comunicação em 2ª mão fui procurar o citado estudo. Em cinco minutos encontrei, na secção de trabalhos de investigação do sítio do Banco de Portugal, um documento de 2009 intitulado: "Salários e incentivos na administração pública em Portugal", da autoria de Maria Manuel Campos e de Manuel Coutinho Pereira, do Departamento de Estudos Económicos daquele banco. Pelo conteúdo concluo que este é "o" estudo.

Tendo lido as 23 páginas do documento (duvido que muitos dos opinadores o tenham feito) eis o que retiro e, em particular aquilo que, sendo importante, não nos foi dito:

1) Os dados de base referem-se aos anos de 1996, 1999 e 2005. Não incorporam, portanto, a evolução salarial dos últimos seis anos, período em que se desencadeou a crise internacional em que continuamos, nem as medidas em vigor em 2011,entre as quais o corte salarial no setor público.

2) O estudo parte de salários brutos, utilizando metodologias para descontar o efeito da maior experiência no setor público (em média + 2-3 anos) e o maior nível de escolaridade (enquanto 48% dos trabalhadores do público têm formação superior, a mesma percentagem no setor privado não concluiu o ensino básico).

3) Tendo em conta a correção para experiência/escolaridade os trabalhadores do setor público auferiam mais 10% do que os congéneres do privado (em 1996) e 15% (em 2005). Esta diferença é mais notória para os licenciados em início de carreira.

4) Experiência e escolaridade, só por si, não asseguram a comparabilidade das atividades desempenhadas, como os próprios autores reconhecem: "O nível de prémio está sujeito a variações consideráveis segundo as categorias profissionais."

5) Por esta razão o mesmo trabalho apresenta uma análise por categoria profissional, tendo constatado que "No caso das profissões nas quais ambos os setores são empregadores importantes verifica-se uma penalização [no setor público], a qual indicia pouca capacidade por parte da Administração Pública para atrair os trabalhadores que as desempenham. Pelo contrário, o prémio é particularmente alto em áreas como a saúde e a educação, nas quais o setor público é o principal empregador, o que em parte reflecte o forte poder negocial dos funcionários públicos nestas áreas."

5) E para terminar "Os funcionários públicos têm um ritmo de progressão na carreira mais lento do que os seus congéneres do sector privado.". A que acrescento ainda a possibilidade de, em alguns setores privados e em alguns períodos, os seus trabalhadores poderem beneficiar de prémios ou doutras componentes não incluídas no salário base.

A utilização de uma parcela de informação para extrapolar conclusões, e justificar medidas, é perfeitamente abusiva. Desconhecimento? Impreparação? Justificação de última hora? Falta de coragem para assumir a facilidade prática da medida? Pura manipulação para reduzir a contestação de trabalhadores públicos, para induzir uma fratura entre trabalhadores do público e do privado, ou para a breve trecho, alargar a medida aos privados? Qualquer destas razões é má e traz consigo a falta de confiança.

A verdade não se apregoa, pratica-se!

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Notas passadas: Tv-hardcore

Em 2011, com Khadafi, como em qualquer outro ano da era da comunicação-imagem, tendo como personagens Ceausescu ou Hussein, ou pessoas de quem nunca viremos a conhecer o nome. Como em 2000, ano em que escrevi o texto que se segue, a propósito de outras mortes, as de Ansumane Mane e de um jornalista, cujo nome de momento não recordo...

Tv-hardcore

Em poucos dias os telejornais mostraram imagens violentas relacionadas com a morte de um jornalista e com a morte de um militar. Para além do choque que a violência causa, foi também chocante, em ambos os casos, o modo como essas imagens entraram em nossas casas: às 20h00, com direito a grandes planos de corpos deformados, sem pré-aviso, sem "bolinha encarnada", sem direito a escolha! Como parecem fúteis as discussões sobre a violência e os horários de filmes ou de determinados programas infantis, quando os comparamos com um dos espaços mais violentos da televisão de hoje. Felizmente existem alternativas à imposição da "TV-hardcore": a rádio, os jornais, a internet. Pela minha parte já as uso cada vez mais.

Publicado no jornal Público

sábado, 15 de outubro de 2011

Toda a verdade?

Declaração de interesses: faço parte do grupo de trabalhadores que ficarão sem dois meses de remuneração nos próximos anos.

O Governo optou por penalizar, de forma profunda, os trabalhadores em funções públicas. Não sei se por motivação ideológica, se por medida financeira de recurso, se por passo calculado contras o que grotescamente se apelida de "gorduras". Fê-lo arrepiando caminho em relação a declarações do então candidato a Primeiro-Ministro, há poucos meses, sobre a impossibilidade de exigir mais sacrifícios aos portugeses, em plena consonância com o Presidente da República; ou mesmo contra o que afirmou, já em funções, sobre a irrepetibilidade do imposto que afetará o subsídio de Natal de 2011.

Devia, por isso, ter-se explicado!

Ouvi, hoje, o Primeiro-Ministro justificar tal penalização seletiva com dois argumentos: 1) os trabalhadores em funções públicas ganham mais 10 a 15% do que os que trabalham no setor privado; 2) esta medida tem efeito na despesa pública e, portanto, no défice público, ao contrário do que aconteceria com reduções salariais no setor privado.

O primeiro argumento é tudo menos claro. De que média se está aqui a falar: inclui todos os trabalhadores, apenas compara os que têm formação similar, os que estão na mesma área de atividade, os que têm o mesmo nível de responsabilidades? É que o critério de aplicação da medida tem apenas a ver com o salário... Li, no jornal Público, que estudos existentes indicarão que tal diferença será mais notória nos níveis salariais mais baixos, mas são esses que, justamente, ou não serão afetados ou sê-lo-ão em menor proporção. Há um livro cujo título fixei com muita facilidade, apesar de não o ter lido, pois parece ter muitos seguidores: How to lie with statistics. Quem preferir Maquiavel às matemáticas poderá vislumbrar aqui a passagem de uma mensagem, que virá a ser repetida alargando uma fratura entre trabalhadores públicos e privados, destinada a enfraquecer uma eventual contestação dos primeiros: a de que são os privilegiados que protestam.

O segundo parece indiciar outras verdades escondidas. Trata-se, com efeito de um corte na despesa pública. Mas, sendo esta uma medida temporária, que vigorará até ao final do período acordado com a troika, conduzirá a um novo aumento da despesa. A menos que não seja temporária ... ou que, entretanto, se verifique a saída de suficientes trabalhadores da administração pública, permitindo assim acomodar o pagamento dos 13º e 14º meses. Verdades, meias-verdades, desconhecimento ou logro?

Ouvi, ainda, o Primeiro-Ministro dizer que temos de cumprir o acordado com a troika. De acordo, honrem-se os compromissos. Mas, uma vez mais, diga-se a verdade quando se pretende ir mais longe daquilo que foi acordado. Será porque não se tem confiança na capacidade de execução e se pretende criar uma "folga"? Será porque se tem medo de que apareçam mais esqueletos em armários ainda por abrir? Será porque há mais verdades por contar? Será porque facilita outras agendas?

Sem respostas claras será difícil gerar a confiança e a mobilização que é precisa para mudar de rumo. É que os compromissos existentes não são apenas com a troika: são também entre o Estado e os cidadãos!

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Ponto de rutura

O Orçamento de Estado para 2012 vai significar, pelo que foi já anunciado, e em particular para muitos trabalhadores em funções públicas, um ponto de rutura: uma perda de poder de compra que poderá atingir os 25 a 30%, quando comparado com 2010.

Senão vejamos: manutenção do corte salarial introduzido no corrente ano (que foi, em média, 5%), dois meses a menos de remuneração (representando, só por si, um corte de cerca de 14%), redução das deduções em sede de IRS (muito variáveis de agregado para agregado mas que provalemente não representarão menos de 3-4%), aumento de impostos (IVA, IMI, combustíveis), aumento de tarifas (energia, transportes), inflação.

E isto sem contar com eventuais medidas que o Governo venha a anunciar em 2012, em resultado do que por cá se passar e, também, em função do que se passar no resto do mundo (e que, como de todas as outras vezes, serão as últimas e redentoras medidas); sem contar, também, com uma possível subidas de taxas de juro, caso algumas economias comecem a recuperar; sem contar, ainda, com a perda de remuneração por eventual passagem a regime de mobilidade; sem contar com o desemprego.

Consequência imediata e brutal: recuaremos subitamente a um nível salarial do século passado, mas ainda imersos numa realidade do século XXI, que se irá reajustando, com bens e serviços a que iremos perdendo acesso, com qualidade que se irá deteriorando, com desemprego e recessão.

Um escuro e longo túnel. Incerto. Em que fazemos de aprendizes de feiticeiros, tentando descobrir a saída. Esperando que o túnel não se transforme numa espiral descendente.

Dizem que haverá uma luz ao fundo do túnel, mas ninguém parece saber onde está o interruptor...

domingo, 9 de outubro de 2011

Formação superior: um bem ainda escasso entre nós

A Comissão Europeia emitiu recentemente, em finais de setembro, uma comunicação intitulada "Supporting growth and jobs - an agenda for the modernisation of Europe's higher education systems" [COM(2011) 567 final], bem como um documento de trabalho contendo alguma da informação de base utilizada.

Um dos dados que impressiona, e que ilustra bem a situação em que Portugal se encontra, é o que se refere à fracção de pessoas do grupo de idade 30-34 anos que concluiram algum nível de formação superior (pelo menos o antigo bacharelato). Em Portugal é de 23,5% (valor de 2010).

Há 10 anos era apenas metade desse valor, o que mostra o trabalho que tem vindo a ser feito. Mas está bem longe da média da União Europeia (33,6%); longe também do objectivo traçado a nível comunitário e nacional para 2020 (40%); atrás de muitos dos países que aderiram mais recentemente à UE, como a Polónia que em 10 anos passou de 12,5% para 35,3%; à frente apenas da Eslováquia, República Checa, Itália, Malta e Roménia; isto para não falar da distância que nos separa de países como a nossa vizinha Espanha (40,6%) ou como a recordista Irlanda (50%). Os dados são do Eurostat.

Estamos a falar de portugueses que nasceram no final da década de 70; que atingiram a maioridade entre 1994 e 1998 (altura da grande expansão do sistema de ensino superior nacional); que têm mais de 30 anos de vida activa pela frente; e dos quais apenas 1 em 4 concluiu algum grau de ensino superior.

Matéria a ter em conta quando se fala do modelo de desenvolvimento português; matéria a ter em conta quando se fala, recorrentemente, em mudanças no sistema de ensino superior, na oferta, no acesso, no financiamento; matéria a ter em conta para agir!

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O desafio da mudança

Mudança: promovida do exterior ou vinda do interior; o debate interno e a importância dos processos, não apenas dos resultados; agir ou reagir; responder a pressões e necessidades ou contribir para criar o futuro; instituições prestadores de serviços ou agentes de mudança.

Aqui fica uma reflexão, vinda do outro lado do Atlântico, na transição do século e do milénio.

Yet, when one speculates about the extraordinary nature of the changes that might occur over the decades ahead, it becomes increasingly apparent that there may be no useful precedent upon which we can draw. We face a future in which permanence and stability become less important than flexibility and creativity, in which one of the few certainties will be the presence of continual change.
...
It is clear that much of the impetus for change is coming from external forces over which the university has little control. Yet the most significant challenges facing higher education today may lie not in the tangible al issues such as resources or public perception, but rather in the need to understand better and gain broader consensus about the central goals and beliefs that guide decisions made about the university. The intellectual renewal of the role, mission, values and goals of the university may be the key challenge before us. And to respond to this challenge, it may well be that the process of renewal itself, the debat over these qualities of the modern university, is far more important than the ability to converge on a particular solution.

As with other institutions in our society, those universities that will thrive will be those that not only can respond to this future of change, but that also have the capacity to relish, stimulate, and manage change.

J. Duderstadt (2000) A University for the 21st century. The University of Michigan Press.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Despesas das universidades

Em tempos de crise, reduções orçamentais, cortes de pessoal e outras restrições, em todos os setores de atividade e também nas universidades, aqui fica uma curiosa descrição da estrutura de despesa da Universidade de Coimbra:

É possível igualmente conhecer a estrutura de despesa em Coimbra, captada em diversos momentos do século XVIII: os gastos anuais orçavam os 20 contos de réis (em 1765-1769), sendo os ordenados (do reitor dos lentes e dos oficiais) a parcela maior (55,4%); as tenças pagas a familiares de professores e funcionários montavam a 11,5%; as subvenções pagas ao Colégio de S. Paulo e ao Colégio das Artes, 13,2%; as despesas com a capela (4%) e com os préstitos (2%) eram menores; pelo contrário, eram significativas (e tinham-no sido muito mais na segunda e terceira décadas do século, altura em que se construíram a nova "casa da livraria" e a torre) as que se efectuavam com obras (10%); 3,8% eram gastos em encargos diversos.

in Uma história da Universidade na Europa, vol. II - as Universidades na Europa Moderna (1500-1800), coordenadora H. Ridder Symoens.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Mobilidade e acesso ao ensino superior

A Direcção-Geral do Ensino Superior disponibiliza um conjunto de estatísticas e relatórios sobre ensino superior. É o caso da publicação intitulada "Concurso Nacional de Acesso: 2010 em números", de Janeiro de 2011.

Entre os diversos dados apresentados olhei com particular interesse para o que é designado para os quadros "mobilidade de candidatos considerando a primeira preferência de colocação" e "colocados por instituição de ensino superior e distrito de origem."

A seriação de preferências, e a subsequente colocação, é um exercício em que se combinam múltiplos factores: a nota de acesso, as instituições que oferecem as áreas e os cursos de preferência, questões económicas, aspectos afectivas, de proximidade e de preferência geográfica. Não é simples, por isso, tirar conclusões seguras nem estabelecer relações causa-efeito. Ficam assim, apenas, algumas observações, mais da superfície dos números do que para lá dela, tendo por base o cálculo de algumas relações entre os dados disponibilizados (que se referem, unicamente, à 1ª fase do concurso nacional de acesso).

No primeiro caso, e tendo por base o distrito de candidatura (origem) e o distrito a que se refere a 1ª opção de colocação é possível constatar, meramente em termos de distritos e considerando todas as instituições de ensino superior público, universitário e politécnico, que:

Lisboa recolheu 31% das preferências, seguida do Porto (22%), Coimbra (11%), Braga (7%) e Aveiro (4%).

A taxa de alunos cuja primeira opção se localiza no distrito de origem foi muito elevada em, apenas, 3 casos: Lisboa (88%), Coimbra (82%) e Porto (79%); seguem-se Braga (55%) e Madeira (52%).

Candidataram-se 2574 alunos do distrito de Coimbra, que foi, por sua vez, o distrito preferido por 5814 candidatos, ou seja mais do dobro; com base nesta mesma relação segue-se Castelo Branco (com um rácio de 1,6), Lisboa (1,4), Porto (1,2) e Évora (1,1).

Olhando agora para o distrito de origem dos candidatos efectivamente colocados na Universidade do Porto, a instituição com mais vagas a concurso, constata-se que 66% dos colocados são originários do distrito do Porto; se considerarmos Braga obtemos 75% dos colocados; adicionando Aveiro e Viana do Castelo atingimos 85%; com Vila Real e Viseu perfazem-se 92%. Apenas 8% são provenientes do restante território.

A seguir com atenção agora, em 2011, ano em que a situação económica das pessoas poderá ter um peso crescente nas opções.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Liberdade para os deputados

Nunca compreendi a disciplina de voto a que os deputados se sujeitam, abdicando assim de exprimir posições próprias, como se, nas mais variadas matérias em discussão, cada partido defendesse uma única via e qualquer divergência fosse um grave delito.

Esta metamorfose de deputados em meros números, que para efeitos de votação e aumento de eficiência requereria apenas um representante de cada partido e a placa com o número correspondente de deputados, empobrece a actividade parlamentar e não dignifica os próprios.

Situação que pode ser confortável para uns, permitindo-lhes escudar-se atrás de decisões tomadas nos distantes corredores das cúpulas partidárias; mas que será certamente desconfortável para outros, motivando conflitos interiores, declarações de voto ou estratégicas ausências do hemiciclo nos momentos de votação.

Concordo por isso com a intenção do novo líder do PS, António José Seguro, de introduzir "a liberdade de voto como regra da acção dos deputados do PS na Assembleia da República", retirando assim os grilhões formais à actuação individual. Sobre os grilhões mentais cada um responderá por si e, mesmo isso, já será um ganho significativo.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

How much information is too much?

"How do we go about examining our own decision-making process and, if necessary, adjusting them? First off is to distinguish between information and process. There can be an over-emphasis on the collection of data and its analysis. Smart people with good information can still come to incorrect conclusions thanks to poor procedures for working with that information.

More isn't always better when it comes to collecting data. Not only do you risk diluting the quality of your information by casting too wide a net, but there is also the time factor to consider. All other things being equal, few decisions don't benefit from being made sooner rather than later."

G. Kasparov (2007) How life imitates chess.

Informação; processos; conhecimento; decisão; comunicação. Uso do conhecimento; uso eficaz; uso atempado. Pequenas grandes diferenças!

sábado, 9 de julho de 2011

Ensino Superior - Programa do Governo

O Programa do Governo para o Ensino Superior pouco revela sobre a sua visão para o sector e sobre o sentido da sua actuação.

Como objectivos estratégicos define a existência de um quadro legislativo/regulatório claro consistente e transparente; a manutenção do sistema binário; o reforço das políticas de regulação assentes em acreditação e avaliação independentes.

Das 10 medidas preconizadas são várias as que se referem ao quadro legal, regulatório e procedimental, ainda que em termos mais moderados que os constantes do programa eleitoral do PSD: acompanhamento, avaliação, revisão e melhoria das "leis estruturantes"; revisão da legislação referente à criação e alteração de cursos; continuação da regulação "incisiva" através da A3ES; simplificação de procedimentos burocráticos nas instituições.

Outras que podemos enquadrar numa lógica de continuidade referem-se à melhoria da informação sobre a empregabilidade dos cursos; apoio a estruturas de fomento do emprego dos diplomados e do empreendedorismo; manutenção dos programas de mobilidade; o investimento nos cursos de especialização tecnológica.

Há ainda duas medidas, anunciadas com palavras cuidadosas - estudo, discussão - em domínios que podem originar mudanças profundas no sistema de ensino superior: a reorganização da rede pública e o modelo de financiamento.

No primeiro caso o governo anuncia o "estudo de possíveis medidas conducentes à reorganização da rede pública de instituições de Ensino Superior, com eventual especialização das instituições em termos de oferta de cursos e de investigação". Assume-se, pois, a necessidade de reorganização da rede de instituições. Já o caminho apontado parece de difícil execução e mesmo de duvidosa razoabilidade. As insituições públicas existentes, se exceptuarmos as escolas superiores não integradas, são todas de carácter generalista, isto é, actuam em numerosas áreas do conhecimento, quer em termos de oferta de cursos quer de investigação. Uma eventual especialização implicará a separação de áreas por instituição, reduzindo a interdisicplinaridade interna, a competição entre instituições e as possibilidades de escolha de alunos e empregadores. Não sei se há exemplos internacionais sobre uma abordagem similar. Estranhamento não há referência explícita às possibilidades de reorganização da rede por fusões, consórcios, extinções. É pois uma área que carece de clarificação.

No segundo caso, o do financiamento (única área cuja legislação não foi profundamente alterada desde 2003) o governo preconiza a "discussão do modelo de financiamento do ensino superior, com vista, por um lado, a uma maior estabilidade e previsibilidade e, por outro, à consideração de factores de qualidade da actividade e de incentivos ao seu melhoramento". Nestes termos fica tudo em aberto, não se indicando uma visão em termos de repartição do financiamento (entre estudantes/famílias, estado, outras fontes), não se abordando os instrumentos disponíveis (fórmula, contratos institucionais, fundos competitivos), e não se referindo o que não seria adequado em modelos anteriores.

Nota-se que desapareceu, face ao programa do PSD, a referência à necessidade de conferir maior autonomia às instituições.

É preciso esperar para ver!

quarta-feira, 6 de julho de 2011

O outsourcing do risco

Os investidores, financiadores e outros operadores dos mercados recorrem a empresas externas, as agora tão famosas agências de rating, para fazer a análise do risco, designadamente nas acções de concessão de crédito a terceiros. Ou seja, fizeram o outsourcing de uma área já de si crítica, que encerra grandes incertezas, especialmente num clima turbulento como o que se vive há alguns anos, que movimenta somas astronómicas, prestando-se aos mais variados jogos de poder, e da qual depende a viabilidade não só de empresas como de países e, portanto, de milhões de pessoas.

Pior é que algumas entidades, como o próprio Banco Central Europeu, conferiram às notações de rating um carácter vinculativo e automático para determinadas decisões. Em lugar de utilizar, criticamente, as análises disponibilizadas a par com outros elementos, fizeram um verdadeiro outsourcing da própria tomada de decisão, desresponsabilizando-se irresponsavelmente!

Pior ainda, os operadores continuaram a confiar nas agências, não investindo em mecanismos próprios de avaliação (provavelmente caros, é certo, mas o barato sai caro) mesmo após o colapso da AIG, há cerca de 3 anos, as falhas detectadas nos sistemas financeiros, nos sistemas de regulação e no papel das agências de rating, que então avaliaram com níveis máximos de confiança empresas que já só o eram virtualmente.

E para piorar ainda mais a situação mantém-se o grosso deste mercado do risco entregue a 3 agências, conferindo-lhes um enorme poder.

Um poder que lhes poderia ter sido retirado pelos seus clientes, mas não foi! Um poder que lhes poderia ter sido retirado, ou pelo menos reduzido, pelos estados e operadores europeus, mas não foi! Com certeza que haverá conflitos de interesse, manipulações, corrupção. Com certeza que são interesses privados que ditam a sua actuação. Assim como com toda a certeza os mesmos problemas existem nos estados, e estão também na origem da situação em que nos encontramos, promovendo negócios ruinosos ou duvidosos, escondendo factos, esquecendo o interesse público em prol de interesses privados.

Estranho, por tudo isto, o ar ofendido e de superior moralidade de muitos líderes, que nada fizeram para alterar este estado de coisas mas a quem deixou de convir a interferência das agências.

O processo de notação da Moody's é, no dizer da própria, orientado para o longo termo. Uma vez mais, no clima de instabilidade actual, o grau de incerteza associado a este tipo de apreciações será enorme. Mas é com estas incertezas que lida quem solicita e concede empréstimos a 10 anos. A notação agora atribuída a Portugal, Ba2, significa que, no entender da Moody's, existe um risco suficientemente elevado de incumprimento para entrar na categoria "especulativo".

Ora temos entre nós políticos, economistas e comentadores, de vários quadrantes, que são da mesma opinião e que falam, aparentemente com menos controvérsia, da incapacidade de pagar a dívida em virtude do nível de (de)crescimento económico, da inevitabilidade de reestruturação da dívida (pelo menos a prazo), da impossibilidade de regressar aos mercados em 2013 e conequente necessidade de novos apoios especiais, da saída do Euro como alternativa, etc., etc.

Nada de substancialmente diferente, portanto!

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Descobri que não sou patriota!

Comecei a suspeitar que havia algo de errado quando deixei de acreditar que os feitos lusitanos de há 500 anos diziam muito sobre a capacidade do povo luso de hoje; dúvida que deve ser semelhante à que têm os gregos de agora quando evocam a sua antiga civilização. A sensação agravou-se quando não fui tomado de euforia no Euro 2004: não festejei a construção de estádios; não respondi ao apelo do mister Scolari; não trajei de verde e de vermelho; não andei de cachecol; não coloquei a bandeira na janela; não chorei na final quando perdemos com ... a Grécia. Mas a dura confirmação chegou esta semana, pela boca do próprio Presidente da República, quando disse que a opção por produtos portugueses e por passar férias em Portugal é, nada mais nada menos, que uma tarefa patriótica.

Consumir português, apenas porque o é, é bom para a economia? Devemos esquecer o preço, o poder de compra e a qualidade? Estimulará isto a nossa competitividade a médio prazo? Atrairá novos investidores estrangeiros? O discurso da abertura ao mundo parece ter desaparecido. Igual caminho para as virtudes do mercado e da concorrência, mesmo vindo de um Presidente-Economista. Mas se assim for reponham-se os mecanismos que nos ajudam a tornar tais atitudes mais racionais: introduzam-se barreiras e fronteiras, taxe-se o estrangeiro e subsidie-se o nacional. Boicotemos o que é espanhol, alemão, chinês ou brasileiro. Compremos alimentos nacionais, vestuário nacional, mobiliário nacional. Fiquemos pelos livros e pela música de autores portugueses, editados, produzidos e comercializados em Portugal. Deixemos de viajar e de contactar com outras culturas; deixemos a TAP para o transporte de estrangeiros ou para fazer de TGV entre Porto e Faro. Promovamos a saída dos McDonald, Zara, Lidl, CorteInglés e Auchan. Fechemo-nos, construamos muros nas nossas cabeças. Aproximemo-nos de uma Albânia que já existiu.

Mas uma nova dúvida assalta-me: o que é afinal um produto português? Um produto com código de barras 560? Será português o bacalhau que, podendo ser pescado por portugueses e em barcos portugueses, não vem das nossas costas? Será portuguesa a camisola feita numa fábrica do Vale do Ave, iluminada por lâmpadas holandesas graças à electricidade que vem de Espanha e de França, em que o gás natural usado nas caldeiras vem da Argélia e em que as máquinas são alemãs? Serão 100% made in Portugal as frutas que chegam aos nossos mercados em carros italianos, cujo gasóleo tem origem em petróleo da Nigéria e foi transportado até nós em barcos com bandeira do Panamá e com tripulação Filipina? Podemos dizer que são portugueses os produtos que circulam em estradas feitas por indivíduos de muitas nacionalidades e financiadas por contribuintes dos nossos parceiros europeus? Será, afinal, nacional o disco criado por artistas deste rectângulo, processado digitalmente num computador japonês e num estúdio adquirido através de crédito junto de um banco em que 30% do capital é detido por estrangeiros. E para tudo isto funcionar não nos esqueçamos ainda dos milhões de mensagem que circulam em telemóveis finlandeses, graças a satélites internacionais, e que utilizam na sua constituição terras raras da Mongólia. A nacionalidade de um produto não é mais do que uma convenção.

Noto que o Chefe de Estado não dirigiu um apelo particular às empresas, apenas reiterando o apelo ao consumo nacional. Ficamos sem saber o que pensa das empresas portuguesas que investem "lá fora", criando empregos para "os outros". Mas talvez as empresas não sejam afectadas pelo mesmo dever patriótico... Tal como o dinheiro, que não tem cor nem pátria. E que deve explicar porque também não se ouviu nenhuma sugestão aos investidores para confinarem as suas estratégias às empresas e à bolsa nacional. Ainda assim gostava que o Economista tivesse dito algo sobre a dimensão dos reais efeitos económicos que este "consome português" permitirá alcançar, a curto e a médio prazo.

Mas pode ser que eu esteja enganado. Nesse caso resta-me esperar que os outros povos sejam menos patriotas que os portugueses, que não se fechem, que continuem a comprar o que é português e a viajar até nós.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Empregabilidade

Empregabilidade é um termo da moda nas políticas de ensino superior, e também presente num dos eixos de acção do programa com o que o PSD se apresentou às recentes eleições legislativas, "Aumento da empregabilidade da oferta", que surge como resposta ao que o PSD identificou como um dos aspectos característicos do Ensino Superior em Portugal: "oferta educativa desadequada das carências do mercado de trabalho, com cursos superiores com nula baixa ou nula empregabilidade."

Conviria começar por se esclarecer qual o conceito de empregabilidade, não sendo claro se este se refere à mera capacidade de obter um qualquer emprego no curto prazo (incluindo aqueles que nem sequer requerem formação superior), à obtenção de emprego na área específica de formação, à capacidade de evolução numa perspectiva de médio prazo, à capacidade de adaptação a mudanças no mercado de trabalho, etc., etc. A abordagem, o tipo de informação necessária e as políticas serão substancialmente diferentes consoante o caso.

Mas, a montante, está em causa o próprio papel das instituições de ensino superior e a sua relação com o mundo do trabalho, realidades com tempos e dinâmicas diferentes. As instituições de ensino superior não são os principais criadores de emprego, e a formação a este nível tem um tempo de preparação e de concretização que não é compatível com uma visão baseada em tendências diárias, mensais, trimestrais ou até de um par de anos.

Por isso não acredito num ensino superior confinado a uma função profissionalizante. Não acredito num ensino superior em que se reduza a faceta de experimentação de caminhos, de cruzamento de saberes, de antecipação de necessidades, de imaginação e de criação de futuros diferentes. Não acredito num ensino superior que responde, primeiramente, ao mercado de trabalho e, ainda menos, se este for entendido numa lógica restritiva de âmbito nacional, regional ou local.

Escritos como "Profissão", de Isaac Asimov, a que em tempos aqui me referi, ilustram bem os dilemas associados à criação do conhecimento, formação e emprego. O seguinte extracto de Albert Einstein, em "Como vejo a ciência, a religião e o mundo", é particularmente claro sobre a natureza da discussão que urge promover.

"Mas oponho-me à ideia de que a escola deve ensinar directamente aqueles conhecimentos específicos que viremos a empregar mais tarde na nossa vida activa. As exigências da vida são demasiadamente variadas para que seja viável esse ensino específico e directo. Parece-me à parte isso, condenável tratar o indivíduo como uma ferramenta morta. A escola deve ter como objectivo que os seus alunos saiam dela com uma personalidade harmoniosamente formada, e não como meros especialistas. Isto, em certo sentido, e a meu ver, é verdade até para as escolas técnicas, que forma alunos para profissões claramente definidas. O desenvolvimento de uma aptidão geral para pensar e julgar de uma forma independente é algo que devia ser valorizado antes de tudo o mais, isso e não a aquisição de conhecimentos específicos. Se uma pessoa domina os fundamentos da sua disciplina e aprendeu a pensar e a trabalhar de forma independente, acabará certamente por encontrar o seu caminho, além de que terá mais facilidade em adaptar-se ao progresso e às mudanças do que uma pessoa cujo treino consistiu principalmente na aquisição de conhecimentos circunstanciais."

A. Einstein Como vejo a Ciência, a Religião e o Mundo, Relógio d'Água, 2005.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Sir Humphrey tinha razão!

"Sem governadores aquilo funciona, sem os secretários é que não."

Podia ser uma tirada de um dos episódios da série televisiva "Sim, Sr. Ministro" mas, de acordo com o jornal Público, foi apenas uma das frases utilizadas por Miguel Relvas, Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, recém empossado, a propósito da anunciada extinção dos governos civis e da subsequente demissão de vários governadores.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Iliteracia no Parlamento

O resultado mais surpreendente do processo eleitoral para escolha do Presidente da Assembleia da República não foi a não eleição de Fernando Nobre. Foi, isso sim, a existência de 21 votos nulos na primeira votação e 22 na segunda. Mais de 20 votos nulos, numa votação em urna (como nas recentes eleições legislativas que permitiu escolher estes deputados), e em que existia um único candidato! Não sei se o processo era muito complexo, ou se os nervos de primeiro dia explicam alguma coisa; estas seriam, ainda assim, as explicações mais benevolentes; outras passariam pela falta de respeito pelo próprio órgão, pelas pessoas em causa e pelos eleitores que lhes permitem desempenhar o cargo de deputado. Estas mais de 20 pessoas participarão em decisões muito importantes para o futuro de todos nós - uma constatação preocupante!

sábado, 18 de junho de 2011

Sucesso

"Assim, devemo-nos abster de predicar aos jovens o sucesso, no sentido comum da palavra, como o objectivo da vida. Pois um homem de sucesso é alguém que recebe dos seus conterrâneos muito mais do que aquilo que lhe corresponderia pelos serviços que lhes prestou. Mas o valor de um homem devia residir naquilo que dá, e não no que está disposto a receber."

Extracto de uma reflexão sobre a educação, em que marcam presença a motivação, a ambição individual, as necessidades do colectivo. O ano: 1936. O autor: Albert Einstein.

A. Einstein, Como vejo a Ciência, a Religião e o Mundo, Relógio d'Água, 2005.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Um erro de 150 milhões

O inimigo mortal começou por ser o pepino espanhol; depois os rebentos de vegetais; o alarme alargou-se a outras verduras; hoje reconhece-se que a origem do surto de uma variante letal da Escherichia coli pode nem sequer vir a ser identificada; certeza apenas uma: Hamburgo, Alemanha, é o elemento comum nesta crise que já custou a vida a mais de 20 pessoas.

Mas se a informação circula rapidamente, neste nosso mundo globalizado, a suspeita é ainda mais veloz, espalhando medos; medos que se traduziram em quebra de consumo e em produções sem escoamento; medo que se transformou no desperdício de toneladas de bons produtos agrícolas; medo que se transforma até em desemprego.

Estima-se que, para compensar alguns dos efeitos de uma comunicação precipitada, não fundamentada e pouco profissional, vão ser gastos 150 milhões de euros dos contribuintes europeus. Os erros de comunicação são causa primeira de muitos acidentes, com consequências graves. Mas a comunicação continua a ser um elemento tão negligenciado!

domingo, 5 de junho de 2011

Orgânica do Governo

Pedro Passos Coelho, futuro Primeiro-Ministro, tem insistido na redução da dimensão do Governo, valorizando a coesão do mesmo e pretendo dar, em simultâneo, um sinal de contenção. No entanto, o processo de alteração das orgânicas dos ministérios será lento e poderá introduzir perturbações de funcionamento, com ramificação de efeitos em vários sectores de actividade, o que, face ao calendário de medidas a tomar, será indesejável.

Assim, e a manter-se a intenção anunciada de um Governo de dimensão reduzida, concordo com a sugestão de Nicolau Santos, no Expresso publicado a 3 de Junho: "No estado de urgência em que o país se encontra é impossível ir por aí. Ministros a acumular duas pastas é uma solução."

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Paradoxos da autonomia

A discussão sobre a autonomia das instituições de ensino superior, no seu relacionamento com o estado, encerra múltiplas dimensões: pedagógica, científica, de governo e organização interna, de financiamento e gestão financeira, de gestão de recursos humanos. Paradoxal parece ser o facto de que maior autonomia das instituições não significa, necessariamente, maior autonomia dos indivíduos, o que acarreta relações internas mais complexas, que é necessário gerir. Vale a pena ler o que, a este propósito, escreve Peter Maassen:

... making HEIs [Higher Education Institutions] more autonomous does not necessarily mean that the academic staff of the institutions feel that they are better off. Instead of having an "enemy at a distance", they now might get an "enemy in their own house" by which the academic discretion that usually has been associated with teaching and research becomes narrower. This might likely increase the need for accountability within the institutions, and subsequently increase the level of conflict within institutions for resources and funding, not least between departments and faculties. A consequence for the academic leadership might be that they have to spend more time and energy on issues relating to institutional policymaking and negotiation. A possible paradox emerging from this situation is that internal processes might occupy the institutional agendas in a time where the external relations between HEIs and their surroundings are believed to be more important than ever before.

Peter Maassen (2008) The Modernisation of Higher Education Governance in Europe , em Políticas de Ensino Superior - Quatro Temas em Debate, Conselho Nacional de Educação.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Programa eleitoral do PS

O programa eleitoral do PS, em matéria de ensino superior, é curto e vago, tendo pouco de programa para uma legislatura.

Os parágrafos, dois, inseridos no capítulo "Promover a qualificação das pessoas" resumem-se a um "desafio" - a generalização do acesso ao ensino superior, a uma "atenção particular" às áreas da saúde e das ciências e tecnologias, e ao lançamento do "debate em torno da reforma da rede de instituições de ensino superior".

Esta última é uma questão que tem vindo a ser evitada, entre nós. Para a maioria das pessoas reforma da rede significará redução do número de instituições, concentrando recursos, reduzindo custos de funcionamento. Tal passará, porventura, por fusões (cenário que tem vindo a ser apontado, por alguns, para Lisboa); dificilmente por extinções.

No programa do PS a reforma da rede deverá permitir dotar o sistema de maior racionalidade e eficiência, reduzir sobreposições de oferta, ajustar os cursos às necessidades sociais e especializar as instituições numa lógica de rede.

Ideias demasiado vagas. O objectivo último da rede, o racional que deve presidir à sua configuração, não é indicado. Não é referida a tensão existente entre concentração (para aumentar a eficiência) e desconcentração (promovendo a acessibilidade e com eventual efeito multiplicador no território). Alude-se a uma especialização das instituições, parecendo ignorar-se que praticamente todas elas, com excepção das escolas superiores, apresentam um carácter transversal, com ofertas nos vários domínios do conhecimento (ciências naturais, engenharias, ciências sociais, humanidades). O mesmo comentário vale para as sobreposições da oferta: propõe-se reduzir o número de cursos de direito, de engenharia civil, de arquitectura ou de medicina? Apenas os cursos em que a procura é reduzida? E aqueles em que a procura, sendo elevada, é de difícil justificação face às necessidades de curto e médio prazo? Quem deve controlar o sistema? Perguntas que parecem ficar, em aberto, para o debate.

Fica também por referir, no programa, uma das poucas áreas que, formalmente, não sofreu uma profunda reforma legal nos últimos anos: o modelo de financiamento do ensino superior. E digo formalmente, porque a fórmula utilizada para distribuir o orçamento pelas instituiçõesde, e que era publicada anualmente, parece ter abandonado o Diário da República há já alguns anos.

Proposta confrangedora, para quem vem de 6 anos de governação.

domingo, 22 de maio de 2011

Para que servem os debates?

Nos formatos a que temos assistido os debates servem para pouco, muito pouco. Meras aparências de duelos, em que os pistoleiros ficam sempre de pé, sem vencedores e sem vencidos. Exibição de truques preparados, graças a muitas horas de trabalho não produtivo, procurando contradições no oponente, ou pior, apenas algo que se preste a uma manipulação de belo efeito frente às câmaras. Esquivas às perguntas incómodas. Calculismo absoluto. É isto o que os candidatos dos principais partidos nos têm oferecido.

Tudo com a complacência dos órgãos de comunicação, mais preocupados em medir audiências, descobrir vencedores, analisar as prestações dos candidatos, comentar à exaustão o vazio, repetir as perguntas, já feitas, nas entrevistas à saída, acompanhar todos os movimentos.

Proponho que se adopte, de futuro, um figurino próximo dos concursos televisivos. Aqui fica um esboço de guião: 5 debates, de duas horas cada, sobre temas pré-definidos (justiça, educação, economia, papel do estado, ...); as questões iniciais são iguais para todos e são colocadas por um painel de entrevistadores; os concorrentes, perdão, candidatos, em estúdio, não podem ver nem ouvir os seus oponentes, respondendo apenas ao painel; concedamos ainda uma intervenção livre ao critério da criatividade de cada um.

Talvez fosse mais revelador sobre o pensamento e a postura dos líderes partidários.

Publicado no Jornal Público, Cartas à Directora, em 24/05/2011

sábado, 21 de maio de 2011

Os centrifugados

"Dito de outra forma, isto significa que, quando a obtenção de resultados materiais favorece sobretudo (como facilmente se compreende) os decisores menos dados a preocupações habitualmente designadas por éticas e quando o reconhecimento social favorece mais o resultado do que os meios de o obter, é natural que os decisores económicos tendam a ajustar os seus comportamentos para os resultados e para os meios que mais facilmente os permitem alcançar. E quem, por qualquer rebuço ético, o não queira fazer, acabará centrifugado do processo, em favor de quem esteja disposto a fazê-lo, assim se estabelecendo uma hierarquia social ordenada pelo valor socialmente reconhecido como dominante - a riqueza material."

Vítor Bento (2011) Economia, moral e política, FFMS.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Instrumentalização

Paulo Portas, no debate com Francisco Louçã, e durante a sua intervenção final, teve a seguinte tirada: "Eu queria dizer, sobretudo aos jovens, que sejam eles a pedir, aos seus pais e aos seus avós, que não votem nem em emblemas nem em siglas, que façam uma avaliação de mérito (...)"

Ao fazê-lo elegeu os jovens como os mais esclarecidos; como aqueles que ajudarão outros a ver "o factor novo", marca que nesta eleição reclama para o CDS. E, assim, passou um atestado de menoridade aos "menos jovens", que por si não seriam capazes de destrinçar e de fazer a sua própria escolha, alienados na sua fixação por emblemas. Os mesmos "menos jovens" para os quais, curiosamente, reclama o natural papel de educadores.

Ao fazê-lo parece querer ignorar que tantos, independentemente da idade, seguem emblemas, clubes, partidos e modas. E que o seguidismo, em especial em torno de personalidades ou personagens, é extremamente perigoso. Tão perigoso que, ao longo do século XX, muitas terríveis aventuras, oriundas dos mais diversos quadrantes políticos, se apoiaram na (de)formação de jovens, e na sua utilização de forma instrumental.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Governo dixit

A argumentação do Governo e do PS sobre a crise é conhecida: ia tudo bem até à crise internacional; a crise afectou todos e de modo mais severo do que afectou Portugal; estávamos no caminho da recuperação até ao chumbo do PEC4.

Ora aqui fica uma breve recapitulação da matéria, com base numa pesquisa superficial na internet (pouco mais de 30 minutos), embora sem grande risco de descontextualização, e que os partidos ditos "da oposição" não têm, estranhamente, usado de forma intensa nesta campanha:

18 de Setembro de 2007 - O ministro de Estado e das Finanças considerou hoje que "a turbulência dos mercados financeiros" não deverá ter impacto negativo na economia portuguesa e, por isso, não existem razões para rever as previsões para o crescimento deste ano e do próximo. Lusa.

22 de Janeiro de 2008 - O ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, defendeu hoje, em Bruxelas, que a economia portuguesa tem condições para enfrentar com "confiança" os desenvolvimentos que possam ocorrer no exterior nomeadamente nos EUA. ... O responsável das Finanças recusou a ideia de ter um "optimismo balofo ou gratuito" ao defender que a economia europeia e portuguesa têm condições que permitem enfrentar a actual crise nos mercados internacionais. Lusa.

15 de Setembro de 2008 - O ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, manifestou-se hoje surpreendido com a duração da instabilidade que tem afectado os mercados financeiros, reconhecendo o impacto negativo que esta crise tem nos agentes económicos. Jornal de Negócios com Lusa.

17 de Agosto de 2009 - "Não é o fim da crise, não. Estamos longe disso, é certo, mas foi um primeiro sinal, como um dos países que mais rapidamente saiu da condição de recessão de recessão técnica em que tínhamos mergulhado há noves meses", acrescentou [José Sócrates]. Lusa.

1 de Outubro de 2010 - Convicto de que esse cenário vai mudar, José Sócrates garantiu que para o ano não haverá mais medidas de austeridade. As medidas que o Governo anunciou quarta-feira e que quer ver incluídas no Orçamento de Estado de 2011 "são suficientes para restaurar a credibilidade do Estado português junto dos agentes financeiros que financiam a economia lusa", disse. TSF.

8 de Fevereiro de 2011 - O primeiro-ministro declarou hoje, terça-feira, que as exportações portuguesas cresceram mais de 15% em 2010, acrescentando que tal demonstra que Portugal foi um dos países que mais rapidamente recuperaram da crise de 2009. Jornal de Notícias.

13 de Abril de 2011 - O ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, reconheceu ontem que Portugal só tem dinheiro disponível até Maio. "As necessidades de financiamento para o mês de Abril, estão cobertas, e mesmo para o mês de Maio não temos problemas. O primeiro grande momento de exigência será o mês de Junho e por isso também este é um timing que nos parece ajustado" para a entrada em vigor do programa de apoio europeu, reconheceu o governante numa entrevista à agência Reuters. Correio da Manhã.

13 de Maio de 2011 - Em 2012, Portugal será o único país em recessão, com uma contracção de 1,8%. É a estimativa da Comissão Europeia, que divulgou esta manhã as suas previsões de Primavera. Rádio Renascença.

sábado, 14 de maio de 2011

Programa eleitoral do CDS

No programa, que hoje apresentou, o CDS dedica uma única medida específica ao Ensino Superior: a obrigatoriedade das instituções de Ensino Superior disponibilizarem um "índice de emprego" dos cursos que ministram.

Esta medida aparece em conjunto com uma breve menção à necessidade de distinguir a qualidade dos cursos existentes, não se referindo contudo à adequação (ou não) da actual Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior.

E não é apresentado qualquer outro enquadramento mais abrangente, seja o da discussão da rede de ensino superior, do financiamento das universidades ou do seu eventual contributo para a criação de valor.

Assim, o desenvolvimento do ensino superior fica resumida a uma mera função da procura, por estudantes, a qual se espera determinada pela perspectiva de obtenção de emprego no curto prazo. O mercado de emprego condicionará a procura, à qual a oferta se deve ajustar.

É pouco e redutor, até porque implica olhar mais para trás (para as estatísticas do passado, para os empregadores do passado) do que para a frente (os empregos que se querem criar, as competências que se antevêm necessárias).

O tema da empregabilidade consta também do programa do PSD, bem como de diversas intervenções públicas ou opiniões expressas, em particular, nos últimos anos, em que formação, garantia de trabalho, obtenção de estabilidade e nível salarial são frequentemente associadas. Voltarei a este tema.

Quanto à ciência fica apenas o objectivo de "apostar na inovação e investigação sobre o mar".

domingo, 8 de maio de 2011

Programa eleitoral do PSD (I)

Há semelhança do que fiz em 2009 (ver arquivo do blog), irei ler as propostas dos principais partidos em matéria de ensino superior.

O programa do PSD foi hoje revelado, num momento que permite ter em conta o acordo estabelecido para o financiamento de Portugal nos próximos anos. Hoje ficam apenas as primeiras impressões, uma vez que necessitarei fazer uma leitura mais atenta (pág. 99 a 103).

Aqui ficam:

- a organização e escrita parecem indiciar um trabalho apressado, com passagens de difícel compreensão, oscilando entre aspectos muito concretos e aspectos vagos, com repetições e uma hierarquização pouco clara;

- coloca ênfase na alteração do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (de 2007) e na revisão do estatuto da carreira docente (que data de 2009), neste último caso visando designadamente flexibilizar e valorizar a possibilidade de diferentes percursos. Ora este aspecto é contemplado no regime em vigor e nos regulamentos de avaliação dos docentes que têm vindo a ser aprovados;

- coloca o foco na empregabilidade de curto prazo, designadamente para os cursos de primeiro ciclo, sendo esta um indicador de medida da viabilidade dos cursos e do desempenho institucional; a ver com atenção, não esquecendo o previsto aumento da taxa de desemprego e as necessidades de médio e longo prazo, que não se compadecem com uma lógica meramente vocacional;

- a posição sobre a rede de ensino superior não é clara, referindo uma revisão do mapa "num contexto de necessidade de racionalizar recursos", em conjugação com uma primazia às "instituições com cursos de referência", mas também com políticas de mobilidade de docentes que promovam a fixação em "novas zonas com ofertas de ensino superior".

- não é expressa uma posição sobre o papel do sistema binário (sendo implícita a sua manutenção) e sobre o ensino público e privado;

- não apresenta metas de formação superior nem faz referência aos objectivos subjacentes ao Contrato de Confiança celebrado em 2010 entre o Governo e as instituições de ensino superior;

- preconiza um novo modelo de financiamento do ensino superior.

Há ainda referência ao ensino superior noutras áreas do programa, embora por vezes de compreensão impossível, como é o caso da seguinte passagem no sector da indústria transformadora: "dotar os cursos do ensino superior com os "skills" necessários à actividade industrial resiliente à Globalização."

sábado, 7 de maio de 2011

Sim, mas ...

Poucos dias passaram após a conferência de imprensa de José Sócrates, em que anunciou um conjunto de não-medidas; sobre medidas concretas, sobre aquilo que espera os portugueses, sobre o que é necessário fazer, sobre os prazos, sobre a necessidade de mobilização, enfim, sobre o que é importante, nada disse. Conferência de imprensa oca, com um ministro de Estado como figurante, apenas para marcar terreno mediático antes da apresentação do programa de intervenção aos partidos da oposição. Sentido de estado nulo.

Poucos dias passaram sobre a imediata réplica de Eduardo Catroga, promovido momentaneamente a líder de campanha, reclamando, com surpreendente euforia, louros sobre os resultados alcançados e, então, ainda não conhecidos.

Menos dias passaram ainda sobre a divulgação do acordo propriamente dito, com as suas medidas, metas e prazos. Nem todas são facilmente compreensíveis e para cumprir muitas delas haverá, com certeza, caminhos alternativos, que agora importaria discutir.

E ontem o Presidente da República, para além de relembrar que existia e que durante este período esteve presente, actuando discretamente, apelou a uma mudança de políticas e de atitudes.

Não passou sequer uma semana e já se multiplicam sinais negativos sobre a possibilidade da tal mudança de atitudes. Primeiro, os partidos parecem não ter percebido que estamos já num day after, e que a retórica do passado não chega para cumprir objectivos daqui a um par de meses; corre-se o sério risco de estar a desbaratar tempo e energia em campanha, desbaratando possibilidades de discussão séria e de mobilização das pessoas.

Segundo, e não menos importante, responsáveis em vários sectores da vida económica e social, incluindo da comunicação, começam a recorrer ao "Sim, mas...", com que se iniciam e acabam muitos processos de não-mudança.

Sim, o Estado vai vender as Golden Share, mas talvez seja possível manter o controlo através de outros acordos ...

Sim, algumas medidas são boas e só é pena que não tenhamos sido capazes de as tomar, mas os prazos ...

Sim, há passos positivos, mas o meu sector ...

Sim, tem metas e prazos, mas o que acontecerá se falharmos apenas algumas, cumprindo outras, até porque no passado também não cumprimos as medidas todas do FMI ...

Sim, temos que fazer, mas falta ...

Lembro-me do que disse uma formadora, espanhola a trabalhar em Portugal, a propósito das diferenças culturais e de atitude que por cá encontrou: aqui começa-se sempre por dizer, respeitosamente, que sim, mesmo que não se concorde ou que não se tencione cumprir.

Estamos longe de conseguir criar o sentido de urgência necessário a uma real mudança, e há muitas vozes a contribuir para o evitar.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

As mensagens do Presidente

O Presidente da República anda activo no facebook. Mais do que na página oficial da Presidência, com as notícias protocolares, é através da página Aníbal Cavaco Silva que agora comunica. E fá-lo sabendo que chega, com vantagem, à maioria da população.

Nâo por via directa, pois muitas pessoas não têm computador, ou não têm ligação à rede, ou não aprenderam o suficiente para usar estas tecnologias, ou usando-as não usam o facebook, ou então não visitam a página do Presidente nem dele se tornam "amigas".

Mas seguramente chega a todos por via indirecta, através dos jornalistas que, esses sim, são seus seguidores no ciberespaço. Já não é raro o dia em que as notícias, nos jornais, nas rádios ou na televisão, começam por "Hoje o Presidente afirmou, através da sua página no facebook,...".

Através desta estratégia o Presidente tornou-se mais presente, com mensagens, curtas e acessíveis, que surgem com grande regularidade, influenciando a agenda política e comunicacional. Tornou-se também mais independente dos mensageiros, podendo escolher o momento, o tema, a forma e a profundidade da intevenção, com a certeza de que o que escreve desta forma terá eco. Afirma em vez de responder a questões; não corre o risco do contraditório e da réplica; afasta-se das pressões da comunicação social.

Mas é o diálogo que permite, frequentemente, tornar mais perceptível a mensagem. Senão vejamos. Na 4ª-feira o Presidente colocou a seguinte mensagem:

"Da cerimónia comemorativa do 25 de Abril, em que convidei para usarem também da palavra o General Ramalho Eanes e os Drs. Mário Soares e Jorge Sampaio, resultou uma mensagem política muito clara: para lá de tudo o que nos possa separar enquanto cidadãos livres, existe um compromisso patriótico de unidade que deve juntar os Portugueses. Podemos ter ideias diferentes, concepções distintas, mas temos de nos unir quanto ao essencial – e o essencial é Portugal e o seu futuro."

A frase final é tudo menos clara e é, diria até, contraditória. Pressupõe uma união sobre Portugal e o seu futuro - o essencial. Mas o problema é que não há um, mas muitos futuros possíveis para Portugal. As concepções distintas levam a opções distintas, e conduzirão a diferentes configurações de Portugal, mesmo num futuro próximo. A menos que o Presidente acredite num caminho único, ditado e escrito, sem margem para divergências. Provavelmente um caminho ditado de fora, por incapacidade dos líderes internos, e em que a nós, Portugueses, nos resta a união com o objectivo de cumprir o que já está determinado e assim assegurar um certo futuro. Mas não foi isto que escreveu. Este é o problema de uma comunicação de sentido único.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Participação e exigência - dever de todos

"Mas o dever de renovarmos a democracia, dando-lhe maior estímulo e maior vigor, não pertence apenas aos responsáveis políticos; também a sociedade civil, e os cidadãos em geral, têm de assumir esse dever como seu.
...
Sabemos que há, muito mais do que seria desejável, políticos que não estão à altura das suas responsabilidades. Mas sabemos também que muitos cidadãos pouco fazem para alterar esse estado de coisas, preferindo o comodismo no alheamento da indiferença ou da má-língua inconsequente, como se tudo lhes fosse devido e eles não devessem nada ao País."


Jorge Sampaio, 25 de Abril de 2011.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

E se ...

... todos os trabalhadores que exercem funções públicas na administração central e nos institutos públicos decidissem ir trabalhar na quinta-feira à tarde?

domingo, 17 de abril de 2011

A dança das cadeiras

Os nossos partidos, e em particular os que são referidos como "partidos do poder" ou do "arco da governação", não querem saber da situação do país.

Neste momento afadigam-se a distribuir lugares, nas listas de deputados. O que interessa é definir a conjugação certa entre intereses do líder, da direcção nacional, das federações e das concelhias, de notáveis, de indispensáveis, de eternos. Garantir um lugar, dentro das contas possíveis. Distribuir estrategicamente os nomes mais sonantes pelas regiões do país. Fazer de conta que as pessoas votam nos deputados, ou pelo menos nos cabeças-de-lista, e não num Primeiro-Ministro. Há, até, quem se candidate a deputado mas na condição de tal não vir a ser!

Nâo há ainda ideias apresentadas, acordos para o resgate, limites de negociação. Mas isso que importa no mundo imaginário em que estas pessoas vivem?

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Por detrás de uma definição

As universidades de hoje são comunidades complexas, nas quais trabalham, aprendem e convivem indivíduos com missões distintas. No dizer do Regime Jurídico das Instituições do Superior encontramos, designadamente, professores e investigadores, estudantes, personalidades externas e "pessoal não docente e não investigador".

Estes últimos são os únicos definidos pela negativa, por uma dupla negativa, como se não houvesse um traço que permitisse afirmar a natureza da sua actividade. É certo que as funções que estas pessoas desempenham são hoje muito diversas e em muitas áreas - financeira, jurídica, projecto, arquitectura, engenharia, secretariado, apoio laboratorial, comunicação, informática, atendimento, produção de conteúdos, etc., etc. Áreas diversas mas que fazem parte da administração de uma universidade, tendo "administração" um sentido abrangente. Prefiro pois a designação "pessoal da administração". Não será perfeita, mas terá mais significado do que "não-não".

Aqui fica um olhar sobre o papel destas pessoas, vindo de além-mar:

"Although we generally think of universities competing for the very best students and faculty, it is clear that the quality of staff s also very important in determining the quality of an institution. The modern university requires highly competent staff, in managing the inticacies of financing a multi-billion-dollar-a-year operation, in seeking the private gifts and government support, in maintaining the most sophisticated technical equipment and facilities, in providing competent and courteous service to students and patients. Beyond these services, we look to staff to provide key leadership for the institution. And in many cases, this leadership has been absolutely essential to the fortunes of the institution.
...
Yet, one of the dilemmas faced in attracting and retaining outstanding staff is the relatively low degree of recognition and reward they usually receive within higher education
."

J. Duderstadt (2000) A University for the 21st Century, The University of Michigan Press

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Marinheiros de água doce

Os dirigentes partidários parecem não ter consciência da realidade e, como tal, continuam entretidos em jogos palacianos, em manobras de bastidores, em metáforas e soundbits não se sabe para consumo de quem. Com eleições à vista desprezam o fundamental e valorizam o acessório. É difícil conceber pior mas, já me disseram, pior é sempre possível!

Recorramos então a metáforas. A nossa jangada de pedra, já providencialmente (para nuestros hermanos, claro) separada da Espanha, ostenta um rombo de grandes dimensões; é lançado o SOS e aproxima-se um navio de intervenção rápida, com instrumentos de socorro mas sem almoços grátis; só que a bordo da jangada reina a maior confusão; os mais fortes discutem ferozmente a dimensão do rombo, enquanto a água continua a subir, e travam duelos pela duvidosa honra de futuro capitão de um destroço marítimo rebocado por terceiros, à deriva ou mesmo irremediavelmente afundado; outros tripulantes reclamam o direito a embarcar num cruzeiro, mesmo sem posses para pagar a passagem; outros ainda dizem que temos de esperar, pois em breve soprarão ventos de mudança; ou mesmo que, por virtude de alterações climáticas, a água virá a descer e o rombo perderá a sua importância. A realidade é uma interrupção aborrecida!

Mas basta ouvir o tom de preocupação, e de crescente irritação, cada vez mais eneralizado em pessoas que acompanham e comentam a área económica, como Helena Garrido, Nicolau Santos, José Gomes Ferreira ou Martim Avillez, para perceber a gravidade de situação.

Não é com uma tripulação de marinheiros de água doce que conseguiremos passar pela tempestade. Precisamos de uma equipa de navegadores que mantenham a jangada à tona, que tapem o rombo, que reparem a cobertura, que remendem as velas e que consertem o leme, enquanto duram os escasssos mantimentos que a força de intervenção nos deixou, antes de rumar a outras paragens, afastando-se da perigosa confusão. Procuram-se voluntários!

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Condução da guerra

"Quando te envolveres em combates, se a vitória tardar,as armas embotar-se-ão e os homens perderão o seu ardor. Se estiveres a cercar uma cidade, esgotarás as tuas forças.

De novo, se a campanha se prolongar, os recursos do Estado não estarão preparados para o sobresforço.

Então, quando as tuas armas se encontrarem embotadas, o teu ardor esmorecido, a tua força exausta e o teu tesouro gasto, outros chefes correrão a aproveitar-se da tua situação extrema. Nessa altura, nenhum homem, por mais sábio que seja, conseguirá evitar as consequências que daí advirão.

Deste modo, embora tenhamos ouvido falar de pressa estúpida na guerra, a inteligência nunca foi vista associada a grandes demoras."


E acrescenta o anotador, sobre a interpretação a dar à última frase: "... O que ele diz é algo muito mais contido, nomeadamente que embora a rapidez possa ser por vezes insensata, a demora é sempre um disparate - nem que seja por significar o empobrecimento da nação."

Sun Tzu, "A arte da guerra", Introdução e notas de Lionel Gilles, Edições Sílabo, 2009.

Soundbits - o que não precisamos neste momento

"Este pedido de ajuda faz-se para que os portugueses vivam com menos incerteza e angústia e possam ter maiores garantias de que as suas escolhas possam propiciar um caminho diferente com mais esperança para Portugal.", Pedro Passos Coelho reagindo ao anúncio, pelo Primeiro-Ministro, da solicitação de auxílio externo a Portugal.

Nem uma palavra, em sintonia aliás com o Primeiro-Ministro, sobre o significado do pedido de auxílio, a dimensão, o prazo, as contrapartidas a conceder, as medidas a tomar, o ressuscitar do PEC-IV provavelmente em versão aditivada. Muitas palavras, demasiadas palavras, mas nada de substância que reduza a "incerteza e angústia" dos portugueses.

Talvez tenha reduzido a incerteza e a angústia de alguns políticos, a começar por ele próprio: Terei que pedir ajuda? Terei que me entender com "ele" para pedir ajuda em conjunto? O Presidente vai pressionar? Este impasse vai afectar as sondagens, a campanha, os resultados?

Para quem se anda a preparar à tanto tempo para Primeiro-Ministro é pouco.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Aos partidos e ao futuro governo de Portugal

As eleições legislativas foram marcadas, hoje, dia em que também se ficou a conhecer o valor do défice de 2010. É pois altura de se discutir o futuro de Portugal e, neste contexto, de se obter dos partidos um compromisso, que se quer novo, para com os portugueses.

Espero que os partidos, em sinal de respeito por todos nós, e também como sinal da vontade de fazer uma política diferente, se abstenham de uma campanha com comícios, caravanas, bandeirinhas e cartazes. A televisão, a rádio, a imprensa e a internet serão mais do que suficientes para exprimir ideias. Espero que essa contenção, de forma e de meios, seja também um sinal de que acabou o tempo de premiar os seguidistas, os melhores angariadores de figurantes e de votantes, aqueles que só tratam da máquina a troco de qualquer coisa.

Espero que os partidos reconheçam a situação de verdadeira emergência em que nos encontramos que, como tal, impõe uma acção expedita. Assim, espero que sejam claros quanto: às metas para 2011 e 2012; às áreas, dimensão e natureza dos cortes necessários; aos estímulos a criar; às medidas em vigor que irão manter ou revogar; aos recursos necessários; ao nível de apoio social; ao grau de incerteza existente.

Já agora, e havendo um aparente consenso quanto à crescente falta de credibilidade dos políticos, espero que cada partido apresente, para além do candidato a Primeiro-Ministro, três nomes fortes, com coragem suficiente para desde já se comprometerem com uma linha de acção e em servir o País, neste momento difícil.

Espero ainda que sinalizem um caminho para o futuro: que áreas carecem de intervenção; que ideias de mudança; que consensos necessários.

Espero também, em nome do interesse do país e do esclarecimento dos eleitores, que definam a posição que adoptarão caso não seja alcançada uma maioria absoluta.

Espero que o próximo governo assuma a transparência como traço condutor da sua actuação. A transparência é a única forma de restaurar a credibilidade, seja interna ou externa, seja referente às contas públicas ou aos processos de decisão.

Espero que o próximo governo adopte medidas efectivas, e que as saiba comunicar, em conjunto com medidas simbólicas que podem parecer simbólicas mas ajudam a fomentar a confiança e a mostrar o caminho a percorrer.

Espero que o próximo governo tenha dúvidas.

Espero que o próximo governo se abstenha de inaugurar obras, em cerimoniais que consomem tempo e recursos, que fomentam tantas vezes comportamentos de vassalagem, que não trazem valor acrescentado.

Espero que o próximo governo comemore, com todos nós, a saída da crise em que nos encontramos.

É altura de ter coragem!

terça-feira, 29 de março de 2011

Notas passadas: O poder de decidir sobre quem vive e quem morre

Líbia, 2011: um ditador em queda; um país com petróleo; desertos; revoltas; intervenção de países europeus e dos EUA, a pretexto da defesa da população; o derrube de um regime como intenção não declarada.

Com as devidas diferenças lembrei-me de outra data.

Iraque, 2003; um ditador; um país com petróleo; desertos; a eventual existência de armas de destruição maciça; intervenção dos EUA e de países europeus com base na doutrina da guerra preventiva; o derrube de um regime em pano de fundo.

Eis um texto que, então, escrevi.

O poder de decidir sobre quem vive e quem morre

O desfecho previsível da invasão do Iraque está iminente: as forças militares americanas estão já em Bagdad e o fim do reinado e, talvez, do próprio ditador iraquiano estão próximos.

Para trás ficaram três semanas de guerra, dita de um novo formato. Foram muitas horas de imagens em directo, qual vídeo-guerra "soft", de jornalistas na linha da frente, de mensagens de propaganda, de infindáveis especulações nos estúdios de televisão, tentando adivinhar a hora seguinte do conflito. Tanta "informação" quase consegue fazer esquecer a crueza da guerra, ao mesmo tempo tão perto, mas tão invisível.

A realidade desta guerra, como de todas as outras, são as pessoas que sofrem, muitas das quais alheias ao conflito, sem partido tomado e com o desejo de viver em paz. Contar-se-ão certamente por milhares os mortos, os feridos, os que tudo perderam e cuja vida foi tragicamente alterada. Desta realidade, contudo, pouco sabemos.

Uma parte daqueles que iam ser "libertados" nunca verão o futuro. Mesmo destino tiveram alguns dos "libertadores". Por acidente, por erro, por medo, por raiva ... porque a guerra é assim.

Alguns dirão que é inevitável, que em todas as guerras há vítimas inocentes. E será verdade. Mas essa é também uma das razões pelas quais a guerra deve ser, de facto, o último recurso. Dirão, talvez, que é o preço a pagar. Mas será um preço demasiado elevado, imposto por países ditos civilizados a pessoas que tal não reclamaram.

Para evitar vítimas, hipotéticas, de um futuro mais ou menos distante, provocam-se vítimas bem reais no presente. Esta é a lógica da proclamada acção preventiva. Este é o fardo que recai sobre quem decidiu que já não existiam outras alternativas e, ao fazê-lo, tomou nas suas mãos o poder de decidir sobre a vida, o sofrimento e a morte de milhares de pessoas.

Publicado no Jornal Público, Cartas ao Director, em 09/04/2003.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Improdutividade é ...

Ter 230 pessoas bem remuneradas, mais uns quantos governantes, e sem esquecer o respectivo pessoal de apoio, reunidas durante 5 horas, sem qualquer debate e sem valor acrescentado para o País, apenas para formalizar uma decisão que já estava tomada, anunciada e explicada. Aconteceu hoje na Assembleia da República, antes da votação do chamado PEC4.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Bem me quer, mal me quer

"Students and faculty are ambivalent about administrative units and structures, which they often regard as constraining, harassing, and bureaucratic. Yet they expect the institution to wok smoothly, and they want a great variety of facilitating services that can be provided only by means of elaborate procedures and orgaization. Participation, communication, and consultation are also essential, yet these functions require another layer of mechanisms and draw off the attention and energy of many members of the university from their primary duties. Harmonizing and humanizing these administrative and communicative aspects of the university is an important task."

F. Balderston (1995) "Managing Today's University".

quinta-feira, 17 de março de 2011

Manipulação

Hoje ouvi Telmo Correia, do CDS-PP, dizer, na SIC Notícias, que 2/3 do IRS que os portugueses pagam são para custear os juros da dívida. É uma frase obviamente preparada, para ter impacto, e que, se não me engano, tinha já sido proferida por Paulo Portas.

Com esta mensagem pretende-se associar, de forma implícita, o imposto que cada um paga (fruto do trabalho) a uma despesa não produtiva (fruto da má governção) e elevada artificialmente (por especuladores).

Telmo Correia podia ter usado uma contabilização análoga para dizer que determinada fracção do IRC serve para pagar os tais juros da dívida, impedindo assim o crescimento da economia. Ou para dizer que, afinal, os 2/3 pagos pelos contribuintes individuais foram usados para investimentos na reabilitação das escolas, no fomento das energias renováveis, etc. Ou para dizer muitas outras coisas, de conotação mais positiva ou negativa.

É uma questão de escolha, uma vez que o dinheiro não tem cor. Mas aqui foi, acima de tudo, uma escolha tendo em vista os fins que se pretendem alcançar. Uma mera manipulação da audiência.

O que deveria ter sido dito, se a verdade e o rigor fossem mais importantes, era que os juros da dívida têm um valor equivalente a 2/3 da receita do IRS. Parece quase a mesma coisa. Mas não é! E estas pequenas subtilezas são frequentemente deixadas passar, sem questionamento, pelos jornalistas (neste caso por Mário Crespo), mais preocupados em manter o fluir dos diálogos, das argumentações e dos comentários aos comentários.

domingo, 13 de março de 2011

(De)mérito

"Continuamos a ser um país pobre, o que explica que um emprego à vida seja a ambição suprema. A meritocracia ficou para trás, o que não admira, pois quem é miserável não costuma valorizar a concorrência.
Referindo-me ao mundo que conheço melhor, o universitário, eis como as coisas se passam. Apesar de ocasionalmente sujeitos a uns concursos mal engendrados, os docentes e os investigadores do "quadro" não só têm um posto de trabalho vitalício como ganham, os bons e os maus, o mesmo salário. Vendo este exemplo, os jovens que frequentaram a universidade consideraram tal situação a ideal. Mas não o é."

Maria Filomena Mónica, em crónica no Jornal Público de hoje.

Este retrato, em verdade, não diz só respeito às universidades, aos seus docentes e investigadores. Mas este texto ilustra a situação em que vivemos e que promove a injustiça social e a falta de produtividade.

O não reconhecimento do mérito desmotiva e é injusto; recebe-se em função do que se é suposto fazer (de acordo com a categoria, a descrição funcional ou o posto ocupado) e não do que realmente se faz, em termos de qualidade e quantidade; paga-se de menos a quem faz bem ou demais a quem não faz.

A ocupação para a vida, num contexto de escassez de recursos, lugares limitados e em que a esperança de vida e a duração da vida activa aumentam, limita as oportunidades de outros, por melhores que sejam ou possam vir a ser; facto tanto mais grave quanto alguns dos lugares vitalícios são ocupados por pessoas de reduzido mérito.

A combinação destas duas facetas é fatal para o futuro das pessoas, das organizações e do país como um todo.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Notas passadas: Maioria absoluta

As "notas passadas" trazem textos que escrevi antes do início deste blog.

Desta vez recuo até Janeiro de 2002, dois meses antes de eleições legislativas antecipadas pela demissão de António Guterres. Passaram nove anos, mas o texto que se segue poderia ter sido escrito em numerosos momentos desde então; poderia até ter sido escrito hoje!

Maioria absoluta

Agora que se avizinham eleições legislativas, regressam os habituais pedidos, do PS e do PSD, para que lhes seja concedida uma maioria absoluta. É um desejo compreensível, porque tal maioria assegura uma governação mais fácil, embora não seja, necessariamente, sinónimo de melhor governação.

Mas este apelo é também um péssimo sinal, por três razões principais.

Em primeiro lugar porque a vontade de poder decidir sozinho indicia uma escassez de matéria, de vontade ou de capacidade para gerar consensos alargados em torno das grandes reformas que são indispensáveis, na saúde, na justiça, na economia.

Em segundo lugar, pelo momento em que surge, ainda antes de uma apresentação pormenorizada das propostas para o país, assemelhando-se a um pedido de um cheque em branco. Se a emissão de tais cheques, mesmo em nome de "mentes iluminadas", encerra incerteza e risco, estes são muito maiores quando os possíveis destinatários são, essencialmente, "baços".

Finalmente, e não menos importante, no dia das eleições não somos inquiridos sobre o nosso desejo de uma maioria absoluta em Portugal. Assim, o apelo do PSD e do PS é, na verdade, um apelo ao voto inútil, aquele que não representa uma escolha de ideias, propostas ou protagonistas, mas meramente uma manifestação de fé num "cavalo ganhador".

Entre os cheques em branco, pedidos mais ao centro, alianças com o peregrino objectivo de conquistar o poder, mais à direita, ou as lutas internas, mais à esquerda, o cenário é francamente desolador.

Será que não podem perder todos, para que algo mude de vez nesta maneira de fazer política?

Publicado no Jornal Público, Cartas ao Director, em 15/01/2002.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Companhias

"Não é de pouca importância para um príncipe a eleição dos ministros; os quais são bons ou maus, segundo a prudência do príncipe. E a primeira conjectura que se faz acerca do cérebro de um senhor baseia-se na verificação dos homens de que se rodeou; e, quando são idóneos e fiéis, sempre se pode reputá-lo sábio, porque soube conhecê-los idóneos e conservá-los fiéis. Mas quando seja de outro modo, sempre se fará juízo dele; porque o primeiro erro que pratica, o pratica em tal eleição."

in "O Príncipe", Nicolau Maquiavel.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Desacumulemos!

A acumulação de cargos, prática comum entre nós, é um dos factores que contribui para uma redução da transparência e para a concentração de poder. E não me refiro, apenas e só, a quem ocupa o que normalmente se designa por cargos políticos. Esta é uma prática que atravessa todas as áreas e níveis de funcionamento da nossa sociedade.

Redução da transparência pela multiplicidade de vestes com que o mesmo indivíduo aparece, pelo alimentar de um jogo em que se opina e decide numa ou noutra qualidade, pelo acesso privilegiado à informação, pelo potencial (e real) conflito (ou aproveitamento) de interesses diversos.

Concentração óbiva de poderes num reduzido número de pessoas, vedando a outros a possibilidade de uma contribuição efectiva e assim reduzindo a pluralidade.

Concordo, por isso, com a proposta de separação do cargo de primeiro-ministro e de secretário-geral do partido, defendida pela moção que António Brotas (do PS) apresentou ao seu partido. Ignoro o acolhimento que terá, dentro do PS ou noutros partidos como o PSD. Mas precisamos de exemplos destes e precisamos de os replicar noutras instâncias. Com a vantagem acrescida de que a desacumulação não precisa sequer de leis ou de verbas - basta querer!

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A neblina portuguesa

"Não há neblinas só em Portugal. Também as há na Europa. Desse mundo brumoso, ergueu-se o paradigma de Versalhes e, também, o paradigma mais antigo do castelo feudal, habitado por grupos de cidadãos por vezes egoístas.
Portanto, retrocedemos, e muito, nas últimas décadas. Talvez isto tenha acontecido mais no sul da Europa; talvez mais em algumas classes sociais do que noutras. Mas, na generalidade, somos vãos, fúteis, decadentes.
E a única solução consiste em cada cidadão tomar de assalto a Bastilha de si mesmo e transformar-se noutra coisa. Voltarmos a ser clara e humildemente pessoas - é essa a saída a longo prazo."

"A neblina portuguesa", Gabriel Magalhães, in Courier Internacional, Fevereiro de 2011.