sábado, 27 de fevereiro de 2016

Como diz, Sr. Ministro?

Pacheco Pereira escreveu, inúmeras vezes, sobre o uso da linguagem no discurso político como modo de induzir realidades alternativas. Eram os tempos do "ajustamento"; são sempre os tempos das "gorduras do estado"; como são, agora, o tempo de aparentes novidades. É o caso do "reforço da autonomia das instituições de ensino superior" e da "co-responsabilização".

Em entrevista hoje publicada no jornal Público, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, afirma sobre a proposta de Orçamento de Estado para 2016: "Esta lei do Orçamento do Estado reforça a autonomia das instituições de ensino superior, que é a única forma de facilitar o emprego científico e o rejuvenescimento dos quadros de docentes e investigadores. As leis dos últimos anos impediam contratações [neste sector] e a actual torna possível contratar docentes e investigadores, até a um limite máximo – esse limite é o valor mais alto gasto com pessoal num dos últimos três anos.".

É verdade que existe uma alteração: o limite de 2015 referia-se apenas ao valor gasto com pessoal no ano anterior; o limite agora proposto considera os três últimos anos o que tende a ser mais favorável. Não é, no entanto, verdade que a redação anterior impedisse a contratação. A saída, por exemplo por aposentação de um professor catedrático, a categoria de maior remuneração, permitiria, a contratação de um professor de igual categoria ou de categoria inferior. Dependendo do número e posição das saídas seria possível, inclusivamente, aumentar o número de docentes, sem aumentar os gastos com pessoal.

Mas mais grave é esta limitação proposta pelo atual Governo ser considerada como um "reforço" da autonomia, Quando muito será uma reposição, e mesmo aí apenas parcial, da autonomia que vem sendo reduzida em sucessivas leis orçamentais.

A co-responsabilização é outra pretensa novidade lançada pelo Ministro: "Outro ponto importante que a lei do Orçamento do Estado estabelece é a co-responsabilização com as instituições. Este sector é capaz de atrair receitas próprias, quer de fundos públicos competitivos quer de fundos europeus, e por isso o acreditamos que é necessária a co-responsabilização das instituições no emprego científico e na contratação de jovens.".

Quem se quiser dar ao trabalho de olhar para a Conta Geral do Estado, de 2014 (a última disponível) ou mesmo de anos anteriores, verifica facilmente que as dotações diretamente atribuídas pelo Estado (de forma não competitiva) não cobrem as despesas com o pessoal. Ou seja, a co-responsabilização das instituições, até para pagamento dos atuais trabalhadores, existe já, como o Sr. Ministro deve saber. Não é estabelecida pela lei do Orçamento. Nem está necessariamente relacionada com a contratação de jovens.

No Governo anterior o Ministro defendia uma figura de "autonomia reforçada", que nunca viu a luz dia. O Ministro do atual Governo apregoa um "reforço da autonomia" que, pelo menos até ao momento, se traduz apenas em reduzir de forma parcial os limites existentes à contratação.

Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior. Lei publicada em 2007, era então Manuel Heitor Secretário de Estado. Artigo 111.º - Autonomia financeira. N.º 1. "As instituições de ensino superior públicas gozam de autonomia financeira, nos termos da lei e dos seus estatutos, gerindo livremente os seus recursos financeiros conforme critérios por si estabelecidos, incluindo as verbas anuais que lhes são atribuídas no Orçamento do Estado."

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Propinas: falar claro!

Propinas de Ensino Superior. Tema que se presta sempre a muitas controversas, que regressam anualmente, com maior ou menor intensidade. Desde logo porque há divergências de fundo sobre a repartição dos encargos com o Ensino Superior. Mas também porque há um manifesto desconhecimento e, pior do que isso, o propagar de ideias erradas. O artigo hoje publicado no Diário Económico, é disto um bom exemplo. Vamos por partes.

1. O PCP vai apresentar uma alteração à proposta do Orçamento de Estado para congelar os valores das propinas no próximo ano letivo.

Quase, mas não é bem assim.

O que o PCP propõe, em três linhas e uma palavra, é suspender a aplicação do regime de atualização de propinas que consta da Lei que estabelece as bases de financiamento do ensino superior.

E o que diz esta Lei?

Diz que as propinas são fixadas anualmente, por cada instituição, entre um valor mínimo, indexado ao salário mínimo (atualizado anualmente), e um valor máximo, indexado a um valor de referência de 1941 (sim, é verdade!) e atualizado (cá está) com base no índice de preços no consumidor.

Porque é que isto é importante?

Porque a proposta do PCP é, assim, de congelar o intervalo dentro do qual as Universidades podem fixar a propina, não o valor da propina em vigor em cada uma.

Ora tendo em conta que apenas 5 das 13 universidades públicas "normais" (excluindo a Aberta) estão atualmente a praticar o valor máximo, esta proposta permitirá ainda assim, digo eu, que as restantes 8 decidam se aumentam ou não o valor da propina.

2. Para as instituições de ensino superior públicas o aumento de cinco euros representa um milhão de euros. E será este o valor que as instituições irão reclamar ao Estado caso o valor das propinas venha a ser congelado, sabe o Económico.

Pois, não está correto.

O aumento da propina não é automático como demonstrado. Cada instituição tem a autonomia para, dentro de determinados limites a fixar.

Nem se deve ao Governo, até porque a Lei é da Assembleia da República.

Portanto não se vê onde estará esse direito a reclamar a não ser, quando muito, das instituições que têm adotado o valor máximo. E, mesmo assim, nada garantiria que o iam fazer no próximo ano letivo.

3. Para o reitor da maior universidade portuguesa, cobrar propinas aos estudantes "foi uma forma encontrada pelos governos, que permite reduzir a dotação transferida pelo Estado e conseguir manter as universidades a funcionar, diz Cruz Serra lembrando que desde 2010 as universidades perderam "50% de financiamento público.

Vou repetir: a Lei não é dos Governos, é da Assembleia da República. E a atualização anual está indexada quer quanto ao valor mínimo, quer quanto ao máximo, não havendo decisão política.

Mais. A lei é de 2003. Portanto talvez seja necessário comparar a evolução dos orçamentos das universidades desde 2003. Não apenas desde 2010.

Mais ainda. As universidades fixam livremente, sem máximo, as propinas de vários cursos de 2.º e 3.º ciclo, par além das referidas aos estudantes abrangidos pelo estatuto do estudante internacional.

Coisa diferente é discutir o inexistente modelo de financiamento, e a mesma Lei que vimos referida, que não é cumprida por sucessivos governos. O modelo foi construído para distribuir um bolo que devia crescer sempre, em instituições em que predominam custos fixos por períodos prolongados. E quando o bolo deixou de crescer ...

4. À medida que as instituições foram recebendo menos dotação do Estado, foram-se vendo obrigadas a fixar o valor máximo legal (de propinas), diz Luísa Cerdeira.

Como referi, nas Universidades públicas estamos a falar de 5 em 13. Sem ter verificado, julgo que ainda serão menos os politécnicos que estão no valor máximo.

Portanto a obrigação está longe de ser obrigatória.

É certo que, em todos os casos, estamos a falar de valores não muito distantes um dos outros, e valores muito mais elevados do que os praticados antes da referida Lei de 2003. Nas Universidades a gama de valores oscila entre 965 e pouco menos de 1065 euros.

Resta saber quais as motivações, que não excluirão certamente, mas que não se confinarão à substituição de receita do Estado: noção de que preço mais elevado pode ser associado a maior qualidade, comparação com a concorrência, apreciação do valor praticado face à capacidade de o suportar, apreciação do valor face ao diferencial estimado para os graduados, etc, etc.

Aliás, na própria Universidade de Lisboa as propinas de 2.º ciclo 3.º ciclo variam de Escola para Escola e estou certo de que não será, apenas, tendo em conta o orçamento de cada uma.

Regresso ao futuro - Episódio II - O Conselho

O Conselho. Não pode faltar numa boa série. Os Conselheiros, personalidades diversas. A sala do Conselho. O cerimonial. Debates mais ou menos intensos, tensos, mornos. Confrontos ou consensos. Reservado ou aberto. Conselho de aconselhamento ou conselho decisório. Conselho Coordenador do Ensino Superior. CCES. Prestes a sair do limbo a que se encontra votado há quase uma década.

Foi introduzido pelo Ministro Mariano Gago no Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, que entrou em vigor em 2007. Missão: aconselhar, no domínio da política de ensino superior, o membro do Governo responsável por esta área. Demorou dois anos a ser regulamentado, ainda pela mão do mesmo Ministro. Mas não chegou a existir, nem no Governo PS, em que a área continuou a ser governada por Mariano Gago, nem nos Governos PSD-CDS/PP que sucederam, com Nuno Crato na pasta.

Quererão mesmo os Ministros ser aconselhados? Ser confrontados com perspetivas diferentes? Ver a sua ação política, pré-determinada por campanhas, programas e compromissos, tolhida, contestada ou contrariada? Fica, ou não, enriquecido o processo de decisão?

A este Conselho de aconselhamento compete, afinal, pronunciar-se sobre as questões que lhe sejam submetidas pelo Ministro, É necessário esperar para ver. A iniciativa pertence unicamente ao governante. O Conselho pronuncia-se também sobre as matérias expressamente previstas na lei: integração de escolas de ensino politécnico em universidades; alterações da rede pública de ensino superior (fusão, integração, cisão e extinção de instituições); intervenção em situações de crise institucional. Esteve portanto ausente aquando da fusão que deu origem à atual Universidade de Lisboa, processo que requeria, nos termos da lei, parecer favorável do CCES.

Este é, no entanto, um Conselho muito diferente do que a OCDE, que voltará em breve pela mão de Manuel Heitor (à data Secretário de Estado) preconizava: "It should not be a Council for pure consultation or debate but should be charged with strategic decision making", e presidido pelo Primeiro-Ministro.

As primeiras declarações publicadas do Ministro nem apontam para uma reorientação, a breve prazo, das funções do Conselho, como a OCDE defendia, nem permitem ainda vislumbrar uma agenda consultiva em matéria de ensino superior. Remetem antes para um papel de "representar melhor o Ensino Superior na Europa e no Mundo" e um meio para a "expansão do Ensino Superior português e a sua crescente internacionalização", de acordo com notícias publicadas na imprensa.

Quererão mesmo os Ministros ser aconselhados?

Episódio I - O olhar alienígena
http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2015/12/regresso-ao-futuro-episodio-i-o-olhar_12.html

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

What's happening to our universities?

Este é o título de um artigo de Ben Martin, da Universidade de Sussex. Sobre o caminho que está a ser percorrido por muitas universidades, em termos da sua organização e modo de funcionamento. Aparentemente ao arrepio dos ensinamentos sobre outras organizações. Para ler e refletir.

"In recent decades, many universities have been moving in the directon of a more hierarchical and centralised structure, with top-down planning and reduced local autonomy for departments. Yet the management literature over this period has stressed the numerous benefits of flatter organisational structures, decentralisation and local autonomy for sections or departments. What might explain this paradox? And why have academics remained strangely quiet about this, meekly accepting their fate?".

Artigo completo em: https://www.sussex.ac.uk/webteam/gateway/file.php?name=2016-03-swps-martin.pdf&site=25.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

No Reino da Dinamarca

Dinamarca. Menos de seis milhões de habitantes, mesmo contando com a pequena Sereia. País desenvolvido, ocupando a quarta posição de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano. A despesa em educação aproxima-se de 9% do Produto Interno Bruto, o valor mais elevado da OCDE. Sistema sem propinas para estudantes nacionais e da união europeia; com propinas de 6 000 a 16 000 euros para os restantes. 4.º lugar no ranking de sistemas nacionais de ensino superior Universitas 21. Várias Universidades com prestígio internacional. Universidade de Copenhaga, a maior, com 40 000 estudantes, dos quais 4 000 internacionais, ocupa o 82.º lugar no ranking do Times Higher Education. Casa de Niels Bohr, físico, um de oito galardoados com o Prémio Nobel.

Verão do ano passado. Os cortes orçamentais chegam ao setor da educação, até então poupado. E chegam para ficar. 2% ano durante os próximos quatro anos. Uma surpresa que não constava da agenda do Partido Liberal. Com argumentos que mostram que, afinal, ser número um nem sempre interessa: gastar a mesma fração do PIB do que a Suécia ou a média da OCDE permitiria uma enorme poupança. Ou de um modo ainda mais cru, nas palavras do Ministro da Educação e Ciência "Nobody is going to convince me that the higher education institutions that today are 'kornfed' cannot tighten up". Mais de 20 000 estudantes nas ruas de Copenhaga, em protesto.

Janeiro de 2016. O orçamento leva cortes de 6% à Universidade de Copenhaga. Quase 70 000 000 euros. Fevereiro. Notícias com menos de uma semana. As consequências imediatas. Mais de 500 trabalhadores deixarão a Universidade. Docentes, Investigadores, Trabalhadores dos Serviços. A entrada de estudantes de doutoramento será reduzida em 10%. A viabilidade de manter programas em ciências médicas, que exigem equipamento dispendioso, e de pequenos programas de línguas está em análise.