domingo, 6 de abril de 2008

Peso político

Agora é a vez do TGV, como antes foi a do Novo Aeroporto de Lisboa, de estradas, pontes, capitais da cultura e tantos outros projectos. São considerados sinónimos do desenvolvimento do país, das regiões e das cidades (pena é que outros aspectos, mais reveladores da qualidade de vida, não tenham o mesmo estatuto).
Não admira, por isso, que suscitem a movimentação dos agentes políticos e económicos, tentando influenciar as decisões sobre tais projectos: uma estação de TGV só faz sentido em …, aqui a capital da cultura tem mais condições do que …, uma incineradora de resíduos ou um aterro bem longe de …. Cruzam-se interesses nacionais, regionais, locais e particulares. Promovem-se estudos técnicos com a esperança subjacente que legitimem posições já bem definidas a priori, seja com a ajuda da “incontestável verdade científica”, seja com o auxílio da inexistência de “consenso científico” sobre a matéria.
Decisões desta natureza são, necessariamente, políticas. Relacionam-se com o modelo de desenvolvimento que se pretende, e raramente se discute, para o país no seu conjunto. Têm um racional que vai para além da análise casuística, projecto a projecto, ministério a ministério, cidade a cidade.
A prevalecer, sistematicamente, a lógica baseada no número de pessoas a servir, nas economias de escala e no financiamento pelos utilizadores directos, podemos fechar o país, com excepção de Lisboa e Porto. E a União Europeia deveria optar por deixar partir as jangadas de pedra, em lugar de atribuir fundos de coesão.
O problema é que os protagonismos individuais e os interesses locais turvam, frequentemente, uma visão mais ampla. E aqui entra o factor “peso político”, assumido sem pudor no discurso dos partidos. O peso político não é mais do que a capacidade de influenciar as decisões, longe do escrutínio público, e frequentemente com a ajuda da cor certa no momento certo, e da posição detida numa determinada hierarquia. Disto se queixam os partidos quando a cor não é a certa. Do mesmo se vangloriam quando em sintonia.
O peso dos argumentos é substituído pelo argumento do peso. Não admira que a obesidade esteja a aumentar em Portugal o que, como se sabe, é sinónimo de menos saúde.

Publicado no Jornal Público, Cartas ao director, 12/04/08

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