Confesso que me causa profunda desconfiança este anúncio sistemático de que se está a falar verdade. Como se alguém detivesse “a” verdade, absoluta, única, inatacável. Como se bastasse mencionar a verdade para dela se apropriar. Como se tal menção conferisse credibilidade e a sua omissão descrédito. E o que pensar das afirmações anteriormente proferidas, pelos mesmos, sem este novo quadro de verdade? Seriam inverdades?
Em política tenho, para mim, que falar verdade é:
- considerar que o único voto útil é o que expressa a opinião do eleitor;
- não pedir maiorias absolutas, ou o evitar das mesmas, quando essa questão não é colocada no boletim de voto;
- admitir que um voto, ou uma maioria, não significa a concordância com todos os pontos de um programa eleitoral;
- reconhecer que os votos têm muitas razões;
- apresentar candidatos que vão cumprir os seus mandatos;
- propor metas realistas;
- prometer apenas o que não depende de terceiros;
- admitir a gravidade da situação e a incerteza sobre os efeitos das medidas adoptadas;
- manifestar dúvidas;
- explicar as relações entre objectivos, medidas e meios;
- fomentar o voto em consciência dos deputados, sem uma disciplina de voto que os transforma num mero número;
- adoptar os princípios que se defendem mesmo quando estes não são traduzidos em lei;
- propor uma moção de censura quando se reputa um governo de prejudicial ao país;
- reconhecer as virtudes de medidas propostas pelos adversários;
- propor as alterações eleitorais consequentes com o desejo, ou não, de facilitar a formação de maiorias absolutas.
Mais verdade em política é sem dúvida necessária, nas palavras e nos actos.
Publicado no jornal Público, Cartas ao Director, em 9/5/09