Está aí mais um ano letivo. Saíram os resultados da primeira fase do acesso ao ensino superior. Com quebras variadas a chamarem a atenção: no número de candidatos e de colocados, nas instituições de ensino politécnico, no interior, em Aveiro, em algumas áreas. Neste momento apenas é possível analisar alguns números, em valor absoluto e variação anual. E aventar, ou inventar, causas e explicações. Só mais tarde será possível fazer outro tipo de reflexão, quando ficarem disponíveis mais dados, sobre a origem e destino dos estudantes, sobre as razões das suas escolhas, declaradas e não meramente intuídas.
Candidatos. Um regresso aos níveis de há uma década atrás. Menos dez mil do que no ano anterior. Uma quebra súbita de 17% à entrada do sistema. Uma descida continuada desde 2021, ano recorde. Uma quebra de quase 25% em relação a esse valor. Uma tendência num sistema instável, acelerada ou diminuída pelas regras de acesso em constante mutação, como o número de provas ou o seu peso relativo, condicionada pela demografia, indissociável da economia das famílias. Um quadro que requer um planeamento diferente. Impondo uma participação ativa na definição e estabilização das regras. Exigindo descartar a ilusão irresponsável de um crescimento eterno. Exercícios de prospetiva que colidem com a gestão ano a ano.
Vagas. Mais cinco mil do que há uma década. Um pouco mais do que no ano anterior. Um valor que regista pequenas flutuações nos últimos cinco anos ficou, subitamente, muito acima do número de candidatos. As regras estabelecidas para a fixação do número de vagas estão desenhadas, sobretudo, para impor limites ao crescimento autónomo de cada instituição, que poderia conduzir a uma ainda maior concentração de estudantes em redor das duas principais áreas metropolitanas. A quebra não foi prevista. O sistema não se adaptou.
Colocados. O número mais baixo desde 2016, deixando por ocupar uma em cada cinco vagas, 20%. Resultado com impacto assimétrico nas diferentes regiões, instituições, áreas de ensino e cursos.
Politécnico. No seu conjunto, as instituições de ensino politécnico foram as que mais perderam, com 23% de colocados a menos do que no ano anterior, mas com quebras bem mais acentuadas na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril (51%), Politécnico da Guarda (47%), de Tomar (45%), de Santarém (43%), de Beja (50%). Matéria para a reflexão quando se discute, uma vez mais, o sistema binário, que na realidade já não o é há muito tempo em termos de instituições, as missões diferenciadas e as assimetrias do território.
Aveiro. De entre as Universidades, a de Aveiro foi, talvez com surpresa, a mais afetada em termos absolutos, com menos 371 colocados do que no ano anterior, de longe a perda mais elevada, e em termos relativos também, se excetuarmos as Universidades insulares, com uma quebra de 16%. Talvez por ser uma das universidades com mais ensino politécnico. De facto, a quebra de colocados no politécnico da UA foi de 23% e de 14% no ensino universitário. Mas isto não explica tudo. A Universidade do Algarve tem ainda mais politécnico e sofreu uma quebra menor, e a quebra no universitário continua a ser bem superior à de outras instituições. Há cursos quase desertos: Meteorologia, Oceanografia e Clima (1 colocado), Geologia (1), Química (3), Ciências do Mar (3), Física (7), Engenharia do Ambiente (7). Outros com muito mais vagas do que colocados, como Biologia ou Engenharia de Computadores e Informática. Talvez por captar alunos numa bacia demográfica mais pequena, mas registando perdas semelhantes à Beira Interior e bem superiores em relação a Évora. Talvez por apresentar um custo de vida elevado, principalmente ao nível da habitação, comprada ou alugada. Talvez por estar entre Coimbra e Lisboa, num ensino superior regionalizado em que a maioria das instituições apresenta ofertas semelhantes. Talvez por questões de prestígio ou reconhecimento de cursos. Talvez por um maior desajuste entre vagas e preferências. Talvez por uma combinação de alguns ou de todos estes fatores.
Da rede. A oferta de cursos não é propriamente gerida. No passado, em determinada altura, foram adotadas medidas para reduzir o número de ofertas, uniformizar designações de cursos, limitar o funcionamento de cursos com poucos alunos. A própria acreditação de novos ciclos de estudos deveria ter em consideração a rede já existente, embora em muitos outros países a liberdade das instituições para criar cursos seja muito maior. O que caminho que vejo ser trilhado regressa à proliferação de cursos, à criatividade de designações e à mimetização dos cursos mais procurados, em busca de mais alunos e de alunos com melhores médias. Veja-se a licenciatura oferecida pela Universidade de Coimbra em Gestão de Cidades Sustentáveis e Inteligentes. Não seria mais apropriado a um mestrado ou especialização? Atente-se na Engenharia Aeroespacial, já presente em Aveiro, Évora, Minho, Porto e Lisboa, em busca dos alunos com notas mais elevadas, em competição também com outros cursos no seio das próprias instituições. Resistindo, ainda e sempre, a estas tendências, o Direito, que não chega ao interior nem a sul do Tejo. Num tempo em que se volta a falar de consórcios ou outras formas de cooperação e de partilha de recursos, por que não transferir alunos de cursos quase inexistentes para instituições que oferecem formações similares? Afinal, o efeito da escola, a experiência universitária e o desenvolvimento de muitas competências não se conseguem com apenas um par de alunos. Numa outra perspetiva, a dos incentivos, o Governo decidiu pagar as propinas a estudantes que frequentem os cursos conducentes ao grau de licenciatura e de mestrado na área de Educação Básica, mediante determinadas condições. Será esta a razão do aumento das colocações nestes cursos? Será suficiente? Será aplicar a outras formações? Será razoável?
Das análises. Falta ainda saber muito, desde logo as verdadeiras causas das opções de cada um, e a matriz de origem e destino dos candidatos e dos colocados. Nessa altura, será oportuno revisitar este assunto. Sendo certo que novas alterações ao modelo de acesso ao ensino superior não deixarão de causar novos efeitos.