domingo, 24 de abril de 2022

Siga o dinheiro!

 

Este não é um texto sobre as vantagens de bem posicionar os nossos, quando vão para cargos de maior poder, na expetativa que demonstrem uma maior ..., chamemos-lhe assim ..., sensibilidade, para com os problemas e as particularidades sempre presentes na casa de origem. Um comportamento que se observa facilmente a vários níveis e várias escalas, em claro contraste com o que os mesmos atores apelidam, enfaticamente, de favorecimento escandaloso, quando são outros que estão em causa, e não os nossos.

Este não é um texto sobre o financiamento do ISCTE-IUL, os projetos aprovados ou rejeitados pelas Finanças, as propostas submetidas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, a passagem do anterior Ministro das Finanças a Vice-Reitor, as incompatibilidades de facto, questões de ética, ou um nível salarial de cargos políticos compatível com eventuais períodos de nojo. 

Este é apenas um texto sobre o que sabemos sobre o financiamento das instituições de Ensino Superior, em particular das instituições públicas. Sobre o que sabemos de forma pública, transparente e completa, abrangendo todas as instituições.

Ora, o que sabemos sobre isto, de facto? Nada! Rigorosamente, nada! 

Este é, assim, um texto sobre o nada.

Podemos procurar nos sítios oficiais, Direção-Geral do Ensino Superior, Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, área do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior no portal do Governo. Encontraremos relatórios e folhas de cálculo, dados e séries históricas, muitos números e gráficos. Vagas, alunos inscritos, abandono, diplomados, doutorados, desemprego, emprego científico, docentes, não docentes. Sobre finanças, o vazio. Dinheiro, nem vê-lo, como se não fizesse parte da equação, como se não tivesse qualquer relevância. 

Sim, é possível encontrar uns números, globais, sobre o financiamento do sistema. Mas nenhuma informação cabalmente desagregada e individualizada por instituição.

É estranho, porque é algo que está sempre presente em todas as discussões, de forma explícita ou imlícita.

Receitas. Financiamento direto do Orçamento de Estado; programas especiais de contratação; programas operacionais nacionais e regionais; propinas; projetos de investigação nacionais e internacionais; mecenato; prestação de serviços; aluguer de espaços e venda de bens.

Despesas. Pessoas, docentes, investigadores, não-não ou outra designação politicamente mais correta; aquisição, manutenção e reparação de equipamentos; construção e manutenção de espaços; livros, revistas e bases de dados; consumíveis; água, eletricidade, gás e comunicações, participações financeiras.

Sim, é possível vasculhar a execução do Orçamento de Estado de cada ano, mais as sucessivas alterações orçamentais. Sim, é possível percorrer os relatórios de contas de cada instituição. E esperar que a classificação contabilística mais as práticas de cada instituição forneçam alguma informação, esperando que os dados encontrados sejam comparáveis. Mas isso é trabalho para especialistas, com veia de detetive.

Nada disto se encontra facilmente acessível.

Pode ser feito? Sim, se houver vontade. Basta esticar os olhos para lá do canal da Mancha, para a jangada de pedra divergente, e confirma-se o óbvio. Pode fazer-se, faz-se, e é feito, no caso pela HESA, a Higher Education Statistics Agency. Estatística sobre muita coisa, incluindo aspetos financeiros, individualizados, das instituições.

Deve ser feito? A necessidade parece evidente, até porque, recorrentemente, se anuncia a discussão sobre o "modelo" de financiamento do Ensino Superior. Um modelo que parece esgotar-se apenas em dois parâmetros: transferência direta do Orçamento de Estado e propinas, ou uma qualquer compensação pela ausência, ou diminuição, das ditas... 

É possível discutir o financiamento público a instituições públicas sem estes dados na mesa? Poder, pode-se, mas não é a mesma coisa! Porque permite jogos e pressupostos, baseados em mundos paralelos, desejados ou invocados. Neste contexto, não há Big Data, Machine Learning, Artificial Inteligence, ou Modernização digital que valham.

Não é fácil seguir o dinheiro do Ensino Superior!