Depois dos cães e gatos da Ministra da Agricultura e de outras coisas, tivemos a montanha e o rato do Vice-Primeiro-Ministro. Como se costuma dizer: estamos entregues à bicharada.
Paulo Portas fez questão de se referir às 112 páginas do documento intitulado "Um Estado Melhor", como se um documento grande fizesse uma grande reforma. E o documento é grande apenas porque usa letra tamanho 16, generoso espaçamento entre linhas e amplas margens que dão para fazer anotações.Em formato de relatório normal não deve passar as 30; umas quantas a justificar o resgate, as consequeência do mesmo, o Tratado Orçamental, a diferença entre cortar e reformar (!), o que já feito, etc, etc. Retirando os lugares comuns, afirmações genéricas e pormenores fica pouco, muito pouco.
Não apresenta uma verdadeira reflexão sobre o papel do Estado, uma visão integrada, uma proposta sobre a sua intervenção em diversos setores. Pretende reduzir os trabalhadores em funções públicas, pagando-lhes melhor, mas não é claro sobre o que deixa de ser feito pelo Estado.
Muito pouco para o que o Governo pomposamente anunciou e reanunciou, e que agora tenta minimizar dizendo que as reformas têm estado a ser feitas. Muito pouco para justificar o atraso de um ano e os sucessivos adiamentos. Muito pouco para justificar uma conferência de imprensa de 45 minutos.
Amanhã entra-se mais a sério no orçamento e a montanha e o rato voltam às respetivas vidas.
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
sexta-feira, 25 de outubro de 2013
Os objetivos do ensino superior
Assistimos a recorrentes conversas sobre o ensino superior e o que deve ser no futuro próximo. Conversas, porque feitas de palpites, de meras impressões e de ideias feitas. Conversas, porque análise ou discussão são coisas diferentes. Vale a pena ler e refletir sobre textos de outros contextos, e de outros tempos, em que, sendo o contexto relevante, não é o mais importante. Aqui ficam excertos sobre quatro objetivos do ensino superior:
We begin with instruction in skills suitable to play a part in the general division of labour. We put this first, not because we regard it as the most important, but because we think that it is sometimes ignored or undervalued. (...) And it must be recognised that in our own times, progress- and particularly the maintenance of a competitive position - dependes to a much greater extent than ever before on skills demanding special training.
Entre nós, o discurso da relevância para o mercado de trabalho, em abstrato, é sobrevalorizado, em particular porque não se discute "que" mercado de trabalho, nem se o modelo de formação adoptado (um primeiro ciclo de 3 anos) é o que melhor resposta oferece.
But secondly, while emphasising that there is no betrayal of values when institutions of higher education teach what will be of some pratical use, we must postulate that what is taught should be taught in such a way as to promote the general powers of the mind. The aim should be to produce not mere specialists but rater cultivated men and women.
Foco ou abrangência. Formação utilitária ou formação útil. Uma vez mais duração e conteúdo da formação em questão.
Thirdly, we must name the advancement of learning. There are controversial issues here concerning the balance between teaching and research in the various institutions of higgher education and the distribution of research between these institutions and other bodies. (...) But the search for truth is an essential function of institutions of higher education and the process of education is itself most vital when it partakes of the nature of discovery.
Ensino e investigação. Investigação como metodologia de ensino, de desenvolvimento de maneiras de pensar e de agir, de formação que fica.
Finally there is a function that it is more difficult to describe concisely, but that is none the less fundamental: the transmission of a common culture and common standards of citizenship. By this we do not mean the forcing of all individuality into a common mould: that would be the negation of higher education as we conceive it.
Cidadania. Participação. Atitudes.
Excertos do que é conhecido como Relatório Robbins, do nome de Lord Robbins, coordenador de uma comissão nomeada pelo Primeiro Ministro inglês Harold MacMillan, e que foi apresentado em 1963, faz agora 50 anos.
Relatório e outros documentos disponíveis no sítio Education in England (http://www.educationengland.org.uk/index.html).
We begin with instruction in skills suitable to play a part in the general division of labour. We put this first, not because we regard it as the most important, but because we think that it is sometimes ignored or undervalued. (...) And it must be recognised that in our own times, progress- and particularly the maintenance of a competitive position - dependes to a much greater extent than ever before on skills demanding special training.
Entre nós, o discurso da relevância para o mercado de trabalho, em abstrato, é sobrevalorizado, em particular porque não se discute "que" mercado de trabalho, nem se o modelo de formação adoptado (um primeiro ciclo de 3 anos) é o que melhor resposta oferece.
But secondly, while emphasising that there is no betrayal of values when institutions of higher education teach what will be of some pratical use, we must postulate that what is taught should be taught in such a way as to promote the general powers of the mind. The aim should be to produce not mere specialists but rater cultivated men and women.
Foco ou abrangência. Formação utilitária ou formação útil. Uma vez mais duração e conteúdo da formação em questão.
Thirdly, we must name the advancement of learning. There are controversial issues here concerning the balance between teaching and research in the various institutions of higgher education and the distribution of research between these institutions and other bodies. (...) But the search for truth is an essential function of institutions of higher education and the process of education is itself most vital when it partakes of the nature of discovery.
Ensino e investigação. Investigação como metodologia de ensino, de desenvolvimento de maneiras de pensar e de agir, de formação que fica.
Finally there is a function that it is more difficult to describe concisely, but that is none the less fundamental: the transmission of a common culture and common standards of citizenship. By this we do not mean the forcing of all individuality into a common mould: that would be the negation of higher education as we conceive it.
Cidadania. Participação. Atitudes.
Excertos do que é conhecido como Relatório Robbins, do nome de Lord Robbins, coordenador de uma comissão nomeada pelo Primeiro Ministro inglês Harold MacMillan, e que foi apresentado em 1963, faz agora 50 anos.
Relatório e outros documentos disponíveis no sítio Education in England (http://www.educationengland.org.uk/index.html).
quinta-feira, 24 de outubro de 2013
2015, o ano que se segue
Esticando o olhar, para lá do dia de amanhã, para lá da medida A ou do plano B, das contas de remediação, sobrevivência ou desespero, chega-se a um novo ano, ainda sem medidas mas já com outra contas.
O Relatório do Orçamento de Estado para 2014, abre a porta para esse ano que se segue, 2015. Fá-lo através do Quadro Plurianual de Programação Orçamental, que "estabelece os limites de despesa financiada por receitas gerais". Não apresenta medida mas valores por programa (para 2014), por agrupamento de programas (para 2015) e valores totais (para 2016 e 2017).
Para 2015, a despesa com o agrupamento "social" (saúde, ensino, ciência, emprego e segurança social) será reduzida em 360 milhões de euros. Seria bom se tal significasse menos necessidade de despesa nestas áreas. Mas não será, certamente, o caso.
Redução que será ultrapassada pelo acréscimo da despesa com o agrupamento "económico" (finanças e administração pública, gestão da dívida pública, economia, ambiente, território, energia, agricultura e mar), e que ultrapassa os 370 milhões de euros.
O Relatório do Orçamento de Estado para 2014, abre a porta para esse ano que se segue, 2015. Fá-lo através do Quadro Plurianual de Programação Orçamental, que "estabelece os limites de despesa financiada por receitas gerais". Não apresenta medida mas valores por programa (para 2014), por agrupamento de programas (para 2015) e valores totais (para 2016 e 2017).
Para 2015, a despesa com o agrupamento "social" (saúde, ensino, ciência, emprego e segurança social) será reduzida em 360 milhões de euros. Seria bom se tal significasse menos necessidade de despesa nestas áreas. Mas não será, certamente, o caso.
Redução que será ultrapassada pelo acréscimo da despesa com o agrupamento "económico" (finanças e administração pública, gestão da dívida pública, economia, ambiente, território, energia, agricultura e mar), e que ultrapassa os 370 milhões de euros.
Civilização de especialistas
Dos especialistas, mestres das visões profundas mas fragmentadas;
Dos líderes e da natureza da liderança, como forma de dar sentido ao conjunto;
Dos riscos de ser político e dos defeitos no exercício da política.
"A verdade é que hoje vivemos numa civilização de especialistas e que é vão todo o empenho de que seja de outro modo. (...) O preço, porém, se tem naturalmente de pagar; paga-o o colectivo quando se queixa, e muito justamente, da falta de bons líderes, de homens com uma larga visão de conjunto, que saibam do trabaho de cada um o suficiente para o poderem dirigir e se tenham eles tornado especialistas na difícil arte de não ter especialidade própria senão essa mesma do plano, da previsão e do animar na batalha as tropas que, na maior parte das vezes, mal sabem por que se batem; paga-o o indivíduo quando, no cumprimento de uma missão fundamental para os destinos do mundo, se arrisca a ser político e sofre todos os habituais ataques dos especialistas de um ou outro campo que não se lembram de que o defeito para o político não é o de não ser técnico, mas o de não ouvir os técnicos e não lhes dar em troca, a eles, o sentido largamente humano que tantas vezes lhes falta. E, mais grave, paga-o de um modo geral a própria natureza humana, que, embora gostosamente embalando a sua preguiça nas delícias do especialismo, sente ainda, mais fundo e constante, o remorso de o ser."
Agostinho da Silva, Só Ajustamentos (1962) em "Citações e Pensamentos de Agostinho da Silva".
Dos líderes e da natureza da liderança, como forma de dar sentido ao conjunto;
Dos riscos de ser político e dos defeitos no exercício da política.
"A verdade é que hoje vivemos numa civilização de especialistas e que é vão todo o empenho de que seja de outro modo. (...) O preço, porém, se tem naturalmente de pagar; paga-o o colectivo quando se queixa, e muito justamente, da falta de bons líderes, de homens com uma larga visão de conjunto, que saibam do trabaho de cada um o suficiente para o poderem dirigir e se tenham eles tornado especialistas na difícil arte de não ter especialidade própria senão essa mesma do plano, da previsão e do animar na batalha as tropas que, na maior parte das vezes, mal sabem por que se batem; paga-o o indivíduo quando, no cumprimento de uma missão fundamental para os destinos do mundo, se arrisca a ser político e sofre todos os habituais ataques dos especialistas de um ou outro campo que não se lembram de que o defeito para o político não é o de não ser técnico, mas o de não ouvir os técnicos e não lhes dar em troca, a eles, o sentido largamente humano que tantas vezes lhes falta. E, mais grave, paga-o de um modo geral a própria natureza humana, que, embora gostosamente embalando a sua preguiça nas delícias do especialismo, sente ainda, mais fundo e constante, o remorso de o ser."
Agostinho da Silva, Só Ajustamentos (1962) em "Citações e Pensamentos de Agostinho da Silva".
domingo, 13 de outubro de 2013
Manipulação de expetativas
Teoria alternativa para o "choque de expetativas", em poucos "Passos".
Um: causar o máximo alarme prevenindo para o "choque de expetativas" que o orçamento vai gerar, desinquietando assim o povo e os comentadores que ampliam logo o efeito pretendido. Gera-se assim a convicção de que o orçamento, que já se suponha duro, vai ser ainda pior que duro. Para dar maior credibilidade é o próprio Primeiro-Ministro, que garante estarmos no caminho certo, que protagoniza esta fase.
Dois: reforçar o efeito da Fase Um através de uma "fuga de informação" parcial, sobre uma medida de efeito marginal mas com contornos sociais facilmente exploráveis. Os tristes deputados que temos passam uma semana a discutir algo que alguém está a preparar, mas que ninguém sabe, em concreto, de que se trata. Os jornalistas e os comentadores, salvo algumas exceções, ajudam à festa, explorando o diz que disse, a reação ao que foi dito, a suposição, os cálculos, a entrevista aos potenciais afetados e os dramas que certamente se seguirão.
Três: dar a boa notícia. O outro Primeiro-Ministro, que era o n.º 3 antes do golpe de Verão e que agora é designado como Vice-Primeiro-Ministro, explica que foram "os maus" que assustaram as pessoas e lançaram a confusão, e que a medida em causa foi, como é óbvio, cuidadosamente pensada para proteger quem precisa de ser protegido, com a enorme consciência social de que só este Governo (ou a parte que ele próprio representa) é capaz, só afetando, afinal, 25.000 "ricos".
Quatro: para não deixar dúvidas sobre quem manda verdadeiramente no Governo tem, de um lado, a Ministra das Finanças que levou ao conhecido ato que foi temporariamente irrevogável, e do outro um dos seus Ministros.
Quinto: esta "emergência comunicacional" teve de ser cuidadosamente desmontada pelo próprio, justificando assim uma conferência de imprensa, com crescentes expetativas (as tais) à medida que ia sendo adiada, e onde repetiu e reptiu a mensagem, para que se perceba bem e para estar mais tempo no écran.
Resultado: pouco se falou de todas as outras medidas e não se explicou, de modo coerente, o que aí vem. Objetivo cumprido!
Uma pergunta para quem duvida destas teorias da conspiração: alguém foi demitido por uma fuga de informação (como outras) tão "prejudicial" ao Governo?
Um: causar o máximo alarme prevenindo para o "choque de expetativas" que o orçamento vai gerar, desinquietando assim o povo e os comentadores que ampliam logo o efeito pretendido. Gera-se assim a convicção de que o orçamento, que já se suponha duro, vai ser ainda pior que duro. Para dar maior credibilidade é o próprio Primeiro-Ministro, que garante estarmos no caminho certo, que protagoniza esta fase.
Dois: reforçar o efeito da Fase Um através de uma "fuga de informação" parcial, sobre uma medida de efeito marginal mas com contornos sociais facilmente exploráveis. Os tristes deputados que temos passam uma semana a discutir algo que alguém está a preparar, mas que ninguém sabe, em concreto, de que se trata. Os jornalistas e os comentadores, salvo algumas exceções, ajudam à festa, explorando o diz que disse, a reação ao que foi dito, a suposição, os cálculos, a entrevista aos potenciais afetados e os dramas que certamente se seguirão.
Três: dar a boa notícia. O outro Primeiro-Ministro, que era o n.º 3 antes do golpe de Verão e que agora é designado como Vice-Primeiro-Ministro, explica que foram "os maus" que assustaram as pessoas e lançaram a confusão, e que a medida em causa foi, como é óbvio, cuidadosamente pensada para proteger quem precisa de ser protegido, com a enorme consciência social de que só este Governo (ou a parte que ele próprio representa) é capaz, só afetando, afinal, 25.000 "ricos".
Quatro: para não deixar dúvidas sobre quem manda verdadeiramente no Governo tem, de um lado, a Ministra das Finanças que levou ao conhecido ato que foi temporariamente irrevogável, e do outro um dos seus Ministros.
Quinto: esta "emergência comunicacional" teve de ser cuidadosamente desmontada pelo próprio, justificando assim uma conferência de imprensa, com crescentes expetativas (as tais) à medida que ia sendo adiada, e onde repetiu e reptiu a mensagem, para que se perceba bem e para estar mais tempo no écran.
Resultado: pouco se falou de todas as outras medidas e não se explicou, de modo coerente, o que aí vem. Objetivo cumprido!
Uma pergunta para quem duvida destas teorias da conspiração: alguém foi demitido por uma fuga de informação (como outras) tão "prejudicial" ao Governo?
quarta-feira, 9 de outubro de 2013
Choque de expetativas
Sr. Primeiro-Ministro, já que fala nisso, solicito-lhe encarecidamente que deixe as minhas expetativas em paz. São minhas e não lhe passei nenhuma procuração para o efeito. São minhas e estou plenamente convencido que estou melhor habilitado para as gerir do que V. Ex.ª. Não se preocupe com as colisões que elas possam sofrer: não sendo masoquista procedo a frequentes "ajustamentos", normalmente em baixa, ainda que num quadro de otimismo realista, o que desde logo minimiza os inevitáveis danos colaterais. Estou preparado para que a retoma das expetativas possa ocorrer a qualquer momento, com uma taxa de crescimento acelerada e inequivocamente sustentável. As condições de sucesso estão identificadas: falar verdade e falar claro. Quer ajudar?
Publicado nas "Cartas ao Diretor", Jornal Público, 10 de outubro de 2013.
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