segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Mundos paralelos

Habito mundos paralelos. Como este em que me encontro agora, do tamanho de uma sala, lareira acesa, luz de inverno entrando pela janela, o som do lápis sobre o papel, o som da cidade, abafado, que hoje parece apenas feito de pássaros. Mas há outros mundos, tão reais como este. Imateriais. Materiais. Mundos em que se vive e se sente. Povoados por gente, por seres que não são gente, por fantasmas e demónios, por objetos iguais mas diferentes, por paisagens incompletas, por cores de outras paletas. Sei que existem: já lá estive. Em sonhos dormidos. Em sonhos acordados. Ao passado que foi. Ao passado evitado. Ao passado que podia ter sido. E ao futuro que vai ser, que talvez venha a ser. Por vezes basta um cheiro familiar, já há muito não sentido, e eis que atravesso uma porta, entrando num outro tempo. Mais do que regressar ao passado é como se um pedaço de passado se incrustasse no presente, arrastando com ele sombras difusas, e criando um agora diferente. Há outras portas, mas só sabemos que o são quando por elas passamos: palavras, objetos, rostos, olhares, pensamentos. Por vezes são janelas, mantendo alguma ordem nos mundos, permitindo apenas olhar, às vezes ouvir, quem sabe, ser visto. Outras vezes ainda são espelhos, refletindo o olhar de quem olha. Mundos separados, misturados, ligados. Não estou sempre aqui, embora não deixe nunca de estar aqui. Sou habitado por mundos paralelos.

sábado, 28 de dezembro de 2013

2014

Edição de 28 de dezembro das "Notas sobre o Ensino Superior" no Click, Antena 1.

É tempo de entrar em 2014, ano para o qual se anunciam alterações de monta no ensino superior. Aqui fica uma lista de 10 temas que, muito provavelmente, estarão presentes ao longo do novo ano.

Um – A alteração ao Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior e a redefinição do estatuto de autonomia. Em teoria esta será mais alargada, mas a prática vem desmentindo o discurso oficial; por isso, tão ou mais importante, será a plena afirmação e exercício da autonomia, por universidades e politécnicos, sem quaisquer concessões.

Dois – Um dilema sempre presente mas continuamente adiado: a diferenciação entre ensino universitário e politécnico.

Três – A reorganização da rede de ensino superior. Fala-se muito de como; pouco do porquê; menos ainda do para quê; no entanto, criou-se um sentimento de inevitabilidade, de urgência, e até de perigoso sentido único; as primeiras movimentações já aí estão.

Quatro – O modelo de financiamento. Não se conhecem propostas mas é urgente que o Estado torne claro qual a responsabilidade que quer, ou que pode, assumir, numa perspetiva de médio prazo; 2014 será apenas um ano de transição.

Cinco - A execução orçamental, certamente com instituições em dificuldade, e a preparação do orçamento para 2015.

Seis – A criação, em pouco mais de seis meses, dos novos Cursos Superiores de Especialização, com tantas incógnitas como oportunidades, para quem as souber aproveitar.

Sete – As regras para a definição de vagas. Deviam ser já conhecidas, para permitir opções sustentadas e planeamento, e não apenas a um par de meses do início do ano letivo, como é habitual.

Oito – A evolução da procura de cursos superiores, condicionada pelos resultados do secundário, por perceções de qualidade e de futuro, e também pela capacidade financeira de prosseguir estudos.

Nove – A internacionalização e o Estatuto do Estudante Internacional, domínios em que as universidades podem assumir estratégias diferentes e mesmo colaborar entre si, para um maior impacto.

Dez – As pessoas. As pessoas que fazem o ensino superior; a capacidade de se reorganizarem; de melhor decidir; de abrir caminhos. E as pessoas que fazem a sociedade e que devem afirmar o que querem para o País.

Venha 2014!

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Estudantes, números e ficções

Os números são muitas vezes usados, vezes demais, no discurso político, que não se restringe ao discurso partidário, como a prova de uma ideia, de um conceito, de uma linha de ação, de uma superioridade. São usados e, mais frequentemente ainda, abusados, distorcidos, isolados, desmembrados, manipulados, convertidos. Esquecendo que os números também vivem em sociedade, que há um antes, um agora e um depois, e que um número, sendo sempre o mesmo, também é diferente no que nos diz. Por vezes são discutidos, esgrimidos uns contra os outros, pelos seus donos, nas lutas entre números, populares em alguns bairros. E há mesmo quem deles fale, com abundância e certeza, sem nunca os ter visto. Mas raramente são lidos, palavra a palavra, contando histórias, com finais certos ou com finais por terminar, por outros números que ainda hão-de vir.

Aqui ficam uns números, expostos, com as histórias que neles quiserem ler, com as suas características próprias e os contextos que nem sempre percebemos. Para comparar com algumas leituras com que nos embalam todas as noites.

102.895 estudantes matricularam-se, pela primeira vez, no ensino superior público, no ano de 2011. O maior número de que há registo. Números em queda desde então, para já menos de 90.000 em 2013, aos níveis de 2009-2010.

Dizem-nos que a rede de ensino deve encolher, porque há menos peixe. Mas a rede só serve para pescar o peixe que pela primeira vez está no mar?

Dizem-nos ao mesmo tempo que as universidades devem requalificar portugueses, que os portugueses devem voltar, repito - voltar, à universidade. Dizem-nos ao mesmo tempo que as universidades devem oferecer novas formações, a públicos mais diversos. Mas esses números parecem valer menos que outros números, ainda que iguais em dignidade.

O ano de 2012 foi aquele em que se registaram mais alunos matriculados no ensino superior público: 311.574. Quase mais 30.000 do que em 2009; mais 8.000 do que em 2013 de acordo com a informação mais recente, já de dezembro, disponível por exemplo na Pordata. O Ensino Superior público está a desaparecer?

O ano de 2013 é aquele que conta com menos alunos matriculados no ensino superior privado desde 1997, e encontra-se ao nível de 1992: 67.290 estudantes. O Ensino Superior privado está a desaparecer?

No seu conjunto, e nos últimos anos, só existe diminuição de número de estudantes em 2012 e 2013. Os totais são isso mesmo, totais, mais complexos que as parcelas. Abrangem aqui alunos de licenciatura, mestrado e doutoramento; estudantes que permanecem no sistema durante anos; estudantes que podem até já não estar lá, em mente, ainda que os corpos sejam contados. Não devem por isso conduzir a conclusões absolutas e imediatas.

A relação com os números dá trabalho: é preciso aprender a conhecê-los, respeitá-los, escutá-los. Mesmo quando nos contrariam. E é preciso tempo.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Dar o mote

Um dos motes presentes na página da Universidade de Shanghai: "Be concerned about the affairs of state before others, and enjoy comfort after others. (From Chinese ancient poet by Fan Zhongyan)".

domingo, 1 de dezembro de 2013

Tarde de escrita(s)

Uma sala. O conforto de um puff à janela, com vista para um sol de céu azul. Bill Evans ao piano, The Way to Play. Um gato morno, dormindo encostado, disputando o espaço. Palavras que escorregam das teclas, subindo para a página branca do monitor. Palavras guardadas para amanhã, fechadas na caixa, à espera do papel. Palavras que viajam, voando pelo ar, correndo pelos fios, atravessando máquinas. Palavras que entram noutras salas, como se fossem ditas, como se fossem ouvidas. Tarde de escrita, tarde de escritas.