Texto do primeiro Click de Outono, que passou hoje, na Antena 1.
Neste ano letivo serão atribuídas 1000 bolsas, de 1500€ cada, a candidatos ao ensino superior, que residam no litoral e ingressem em universidades e politécnicos maioritariamente localizados no interior do país. É o programa + Superior, que conta com uma dotação de um milhão e meio de euros, e que visa, diz o Governo, atrair jovens para regiões em perda demográfica e melhor utilizar a capacidade educativa instalada. Uma boa notícia para um milhar de alunos.
Após o apregoado excesso da rede de ensino superior, a apologia das fusões e o elogio dos consórcios – áreas em que quase nada aconteceu – surge agora o estímulo à mobilidade de sentido único: do litoral para o interior. Mas esta medida, configurada como está, parece ignorar o país real, as razões da escolha de um curso e os próprios dados; e sobrevaloriza o poder do dinheiro – de algum dinheiro - como motor da mudança demográfica. Vejamos o que parece não ter sido contemplado.
Em primeiro lugar a oferta de cursos não é uniforme. Quem quiser estudar Direito, por exemplo, uma área que capta mais de 1200 alunos por ano, apenas o poderá fazer em Braga, Porto, Coimbra ou Lisboa. Litoral. No interior: zero.
Em segundo lugar, o balanço final depende não só da mobilidade para o interior, mas também dos que ficam e dos que de lá saem. E aqui não há qualquer estímulo para travar o movimento em direção à costa.
Em terceiro lugar, já existem fluxos, em alguns casos consideráveis, para o interior do País: no ano passado Castelo Branco fixou apenas 350 candidatos do distrito, mas atraiu mais de mil de outras regiões; Vila Real recebeu mais estudantes do Porto do que do próprio distrito.
Em quarto lugar, uma boa parte dos candidatos com melhores notas - que agora receberão bolsa - já teriam feito as suas escolhas por cursos e instituições do interior, por muitas outras razões. O incentivo não se traduz, assim, automaticamente, num aumento da mobilidade. Para o assegurar seriam precisas mais bolsas e de maior valor.
Mudanças verdadeiramente estruturais poderiam ser alcançadas através de outras medidas: alterar a distribuição nacional de vagas; mobilizar pessoas e verbas para as zonas escolhidas; construir mais projetos que atraíssem pela qualidade e pela diferenciação. Mas talvez não seja isso que se pretende.
sábado, 27 de setembro de 2014
domingo, 21 de setembro de 2014
Azul
Atravessei dias.
Cinzentos; verdes; castanhos; amarelos; vermelhos.
De cores intensas ou de cores desfeitas.
Tantos que podem fazer um ano.
Sobrevoei terras.
Grandes e pequenas.
Cheias ou desertas.
De gente ou apenas de vida.
Tantas que podiam ser um país.
Até que, finalmente, cheguei ao Azul.
Do céu quase sem ondas.
Do mar quase sem nuvens.
Do silêncio do vento.
Do ar quente que refresca.
Mudo de cor.
Se ficar o suficiente, também eu serei Azul.
Cinzentos; verdes; castanhos; amarelos; vermelhos.
De cores intensas ou de cores desfeitas.
Tantos que podem fazer um ano.
Sobrevoei terras.
Grandes e pequenas.
Cheias ou desertas.
De gente ou apenas de vida.
Tantas que podiam ser um país.
Até que, finalmente, cheguei ao Azul.
Do céu quase sem ondas.
Do mar quase sem nuvens.
Do silêncio do vento.
Do ar quente que refresca.
Mudo de cor.
Se ficar o suficiente, também eu serei Azul.
domingo, 14 de setembro de 2014
Um 11 de setembro na América
Há datas que ficam marcadas, mesmo por cima de outras, igualmente marcantes. Porque são mais intensas, mais vividas, mais próximas, mais vistas, com uma memória mais construída. Quando se fala no 11 de setembro vemos as imagens das torres gémeas, do incêndio, dos aviões, das pessoas. Assistidas em direto, repetidas, documentadas, comentadas. Reforçadas pelas imagens da Nova Iorque de hoje, sem as torres mas com as torres, amputada.
Passou mais um 11 de setembro. Na América, mas noutra América, a data toma um significado diferente. Na América do Sul. No Chile. Lembra 1973. E registos de rádio.
São 08h45 em Santiago. O Presidente da República, Salvador Allende, fala novamente pela rádio.
"Companheiros que me escutais. A situação é crítica, enfrentamos um golpe de Estado no qual participa a maioria das forças armadas. Neste hora fatídica, quero recordar-vos algumas das minhas palavras proferidas no ano de 1971; digo-as com calma, com absoluta tranquilidade, não tenho feitio de apóstolo nem de messias. Não tenho condições de mártir, sou um lutador social que cumpre a tarefa que o povo lhe confiou. Porém, que o entendam aqueles que querem fazer recuar a História e ignorar a vontade maioritária do Chile; não tendo corpo de mártir, não darei um passo atrás. Que o saibam, que o oiçam, que o gravem profundamente: deixarei La Moneda quando cumprir o mandato que o povo me confiou, defenderei esta revolução chilena e defenderei o governo porque foi esse o mandato que o povo me entregou. Não tenho outra alternativa. Só crivando-me de balas poderão impedir a vontade que é fazer cumprir o programa do povo. Se me assassinarem, o povo continuará no seu rumo, prosseguirá o caminho, talvez com a diferença de que as coisas serão muito mais duras, muito mais violentas, porque será uma lição objectiva muito clara para as massas de que esta gente não se detém perante nada. Tinha previsto esta possibilidade, não a ofereço nem a facilito. (...)"
Passou mais um 11 de setembro. Na América, mas noutra América, a data toma um significado diferente. Na América do Sul. No Chile. Lembra 1973. E registos de rádio.
São 08h45 em Santiago. O Presidente da República, Salvador Allende, fala novamente pela rádio.
"Companheiros que me escutais. A situação é crítica, enfrentamos um golpe de Estado no qual participa a maioria das forças armadas. Neste hora fatídica, quero recordar-vos algumas das minhas palavras proferidas no ano de 1971; digo-as com calma, com absoluta tranquilidade, não tenho feitio de apóstolo nem de messias. Não tenho condições de mártir, sou um lutador social que cumpre a tarefa que o povo lhe confiou. Porém, que o entendam aqueles que querem fazer recuar a História e ignorar a vontade maioritária do Chile; não tendo corpo de mártir, não darei um passo atrás. Que o saibam, que o oiçam, que o gravem profundamente: deixarei La Moneda quando cumprir o mandato que o povo me confiou, defenderei esta revolução chilena e defenderei o governo porque foi esse o mandato que o povo me entregou. Não tenho outra alternativa. Só crivando-me de balas poderão impedir a vontade que é fazer cumprir o programa do povo. Se me assassinarem, o povo continuará no seu rumo, prosseguirá o caminho, talvez com a diferença de que as coisas serão muito mais duras, muito mais violentas, porque será uma lição objectiva muito clara para as massas de que esta gente não se detém perante nada. Tinha previsto esta possibilidade, não a ofereço nem a facilito. (...)"
Extrato de 50 Grandes Discursos da História, M. Robalo e M.Mata
sexta-feira, 12 de setembro de 2014
Contribuímos para um povo mais culto?
Uma bela síntese para reflexão em 2014, quase setenta anos depois de ter visto a luz em livro, ou, melhor dizendo, para reflexão em qualquer dia, em qualquer tempo, em qualquer lugar.
"Os povos serão cultos na medida que entre eles crescer o número dos que se negam a aceitar qualquer benefício dos que podem; dos que se mantêm sempre vigilantes em defesa dos oprimidos não porque tenham este ou aquele credo político, mas por isso mesmo, porque são oprimidos e neles se quebram as leis da Humanidade e da razão; dos que se levantam, sinceros e corajosos, ante as ordens injustas, não também porque saem de um dos campos em luta, mas por serem injustas; dos que acima de tudo defendem o direito de pensar e de ser digno".
Pensamento publicado no Diário de Alcestes, em 1945, e recolhido no livro "Citações e Pensamentos de Agostinho da Silva".
"Os povos serão cultos na medida que entre eles crescer o número dos que se negam a aceitar qualquer benefício dos que podem; dos que se mantêm sempre vigilantes em defesa dos oprimidos não porque tenham este ou aquele credo político, mas por isso mesmo, porque são oprimidos e neles se quebram as leis da Humanidade e da razão; dos que se levantam, sinceros e corajosos, ante as ordens injustas, não também porque saem de um dos campos em luta, mas por serem injustas; dos que acima de tudo defendem o direito de pensar e de ser digno".
Pensamento publicado no Diário de Alcestes, em 1945, e recolhido no livro "Citações e Pensamentos de Agostinho da Silva".
Subscrever:
Mensagens (Atom)