quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019
A irresistível tentação
Poder. Linguagem. Linguagem do poder. Mais uniforme do que as cores que mudam no poder. Mais constante do que os poderes que se sucedem no tempo. Mais do que à esquerda, à direita ou ao centro. A linguagem parece estar acima. Comandando. Filtrando. Evitando. Evitando para manter as aparências. Tentando colorir de positivo o que é negativo, ou apenas inevitável.
Foi assim com o "ajustamento" do tempo da troika, e com a vida acima das possibilidades. Pode ser assim com as regionalizações, descentralizações ou desconcentrações. É assim com os "precários".
Lendo o portal do Governo. Sendo atingido por um flash, nos múltiplos sentidos que o Dicionário Priberam regista. Luz intensa e momentânea; clarão disparado ao mesmo tempo que é tirada uma fotografia, para iluminar o objecto fotografado; lâmpada que dispara esse clarão.
Um objeto iluminado.
Regularização extraordinária de vínculos precários.
Os flashes sucedem-se.
Lembrança, ideia ou visão muito rápida.
Concursos abertos.
Muitos concursos.
74.
Mais 3.
Mais 14 do ano passado.
91.
Notícia rápida e prioritária, num órgão de comunicação social.
Num órgão de comunicação oficial.
Portal do Governo.
Cena muito rápida, em cinema ou televisão.
Reforço de recursos humanos.
Cumprimento de um compromisso.
Investigação e Conhecimento na área do mar.
Objetivo político.
Sinónimo de escolha.
Sinónimo de área prioritária escolhida.
Carregando no botão pausa. Voltando atrás.
Então uma regularização de vínculos precários, realce-se a palavra "regularização", num processo desencadeado em toda a administração pública, passa, num parágrafo, a "reforço dos recursos humanos em investigação e conhecimento na área do mar"?
Como diria o Diácono Remédios: não havia nexexidade. Pensando melhor, havia, há. A necessidade do poder. Do poder que não pode apenas dizer estar a resolver um problema. Do poder que precisa de afirmar que está a ir mais além. Do poder que não se pode contentar em fazer que considera justo, porque assim parece algo apenas normal, inevitável. Do poder que tem de estar a ir mais além, a dizer que escolha e controla o destino. Como nos tempos da troika.
Notas da superfície e de mais além, a propósito de uma nota no Portal do Governo:
"Na sequência da orientação da Ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, ao Conselho Diretivo do IPMA – Instituto Português do Mar e da Atmosfera, de serem desencadeados os procedimentos administrativos relativos ao programa de regularização extraordinária dos trabalhadores com vínculos precários na Administração Pública, foram abertos os concursos de regularização de 74 técnicos superiores e 3 especialistas de informática. Recorde-se que, no final de 2018, já haviam sido iniciados os procedimentos de regularização de 14 assistentes operacionais ou assistentes técnicos.
Assim, estão neste momento abertos os procedimentos de regularização de 91 lugares do quadro do IPMA, respondendo a um compromisso e objetivo político de reforço dos recursos humanos em investigação e conhecimento na área do mar."
https://www.portugal.gov.pt/pt/gc21/comunicacao/comunicado?i=procedimento-para-regularizacao-de-77-quadros-superiores-no-ipma
terça-feira, 5 de fevereiro de 2019
A caminho das eleições
Leituras em ano de eleições.
Recordando também a discussão que se seguiu às Eleições Legislativas de 2015, mais sobre poder e legitimidade do que sobre representação, e os discursos que se começam já a ouvir com mais intensidade.
"Esta vinculação com o Estado [dos partidos por via do financiamento público] consolidou-se também pelo fato de os partidos terem começado a dar prioridade ao seu papel como instrumentos de governo em detrimento da sua função representativa. Quem está na oposição tende a considerar que se encontra nesse lugar apenas de maneira provisória, porque aquilo que lhe é próprio é office-seeking; a sua vocação é alcançar o poder, muito mais do que representar as pessoas.Os partidos dedicam-se sobretudo a governar ou a esperar que lhes toque a vez de governar. O centro de gravidade desloca-se para as responsabilidades institucionais, os partidos passam a ser controlados a partir dos governos, e enfraquece-se a sua função de identificação e representação dos interesses sociais, as quais, por vezes, inclusivamente, são incapazes de entender.
(...)
A consequência disto é que muitas vezes a verdadeira oposição é feita pelos movimentos sociais e pelas manifestações que regra geral se situam à margem dos partidos convencionais."
Em aparente contradição (ou como reforço?) o autor não escapa a referir quem está na "oposição", ou a "oposição" feita pelos movimentos sociais, em lugar da representação.
O extrato é do livro "A Política em tempos de indignação", de Daniel Innerarity.
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