quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Foi você que pediu uma avaliação?









A Lei em avaliação. Comissões. Comissões independentes. Estudos e relatórios. Quase um ano de trabalho. Consultas e audições. Pronúncias e documentos. Procuro as avaliações. Opiniões e juízos. Análise e síntese. Em vão. Sobra o inquérito e os resultados. Percentagens de sins, nãos e talvez. Duvido que seja o indicador mais relevante. Perceções e opiniões.  Sem contraponto com estudos e relatórios.  Sem grande contraditório nem dissecação.
É a própria comissão independente, nomeada pelo Governo com o objetivo de proceder à avaliação da aplicação do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior, que o evidencia logo no início do relatório "O presente relatório não exprime os pontos de vista da Comissão ou dos seus membros, mas sim um relato, tanto fiel quanto possível, da grande diversidade de opiniões, muitas vezes contraditórias, que resultaram da consulta pública efetuada."
Uma intepretação deveras minimalista do mandato conferido: "As conclusões da comissão de avaliação deverão (...) resultar de um processo de debate e envolvimento público com a realização dos debates que forem considerados adequados, devendo ainda considerar os estudos e análises já realizados por entidades públicas e privadas sobre esta matéria."
Conclusões da comissão, leio. Resultando de um processo de debate e envolvimento público, prossigo. Volto atrás para reler. Conclusões da comissão. Da comissão. Não existem. 
Quase, quase... quase, escrevia em janeiro.

terça-feira, 28 de novembro de 2023

Objetivamente subjetivo

Leio. Um parecer.  Do Conselho de Curadores da Universidade do Porto. Sobre o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior, com ênfase no modelo fundacional. Decido escrever. Para não perder completamente a prática. 

Lendo pausadamente. "A avaliação das IES que optaram pelo regime fundacional deve ser feita por critérios objetivos e não subjetivos". Penso. A eterna busca da medida sem sujeito. Asséptica. Incontestada. Desprovida de ónus... Inexistente! Vinda do seio de uma Universidade. Uma porta aberta, só por si, para uma longa conversa. 

Continuo. Com curiosidade cética sobre o que medir e como medir. "(...) tais como: a posição nos rankings internacionais". Estaco. Como? A posição num ranking configura uma avaliação objetiva? Traduz-se num número, é certo. Mas o seu significado é mais do que subjetivo, entremeado que está com pesos definidos por alguém, algures, com certos propósitos. Número que se traduz em posição, não em desempenho. Numa ordem em que separações de décimas ou de dezenas podem valer, afinal, o mesmo. Um lugar acima ou abaixo. Rankings que não são estudos. Rankings que não são universais. Rankings que não são completos. As Universidades gostam de apregoar a sua individualidade, mas medem-se numa qualquer liga, ordenam-se numa qualquer linha, qual fato que deva servir a todas. 

Prossigo. "(...) a empregabilidade dos alunos". Mais um conceito que é todo um programa. Empregabilidade não é emprego. Desemprego não é (só) inscrição no centro de emprego. Emprego que requer uma qualificação menor, ou diferente, não é indiferente. Números passados não revelam futuros, muito menos quando o alvo é escala nacional e a teia é global. A que prazo se mede, uma vez que é apenas um potencial? Como trata a emigração? E os alunos que efetuam o seu percurso em várias instituições? Deve ser lida no conjunto de uma instituição, ignorando as diferenças de área? 

Insisto. "(...) a geração de receitas fora da esfera do Estado". Prestação de serviços? Propinas, de valor  limitado politicamente para os cursos de formação inicial? Do Estado que não dos Estados, supõe-se. De modo a contabilizar aqui as receitas vindas de financiamentos europeus, oriundas de... Estados. Receitas em competição? Com agentes do mercado que não beneficiam do mesmo apoio estatal? 

Resisto. "(...) autonomia, a responsabilidade e a agilidade na gestão dos processos.". A ficar parco de comentários.

Objetivamente subjetivo. Como a própria escolha destas áreas de avaliação.

terça-feira, 11 de julho de 2023

A tentação de Frankenstein

Foto de freestocks na Unsplash

 






Cabeça. Tronco. Membros. Um daqui, outro dali, e mais uns quantos de qualquer outro sítio. Essa é, muitas vezes, a tentação quando olhamos "lá para fora", em busca de exemplos, de práticas, e de soluções. Combinando o que ainda não foi combinado. Na esperança de que a criatura criada seja o melhor de vários mundos. 
Também no ensino superior, e em particular quando se procura reformar as reformas. Como se vai ouvindo em algumas discussões, agora a propósito do Regime Jurídico do Ensino Superior, como antes a propósito de propinas, fundações, fusões ou consórcios.
O problema é que tal contraria, desde logo, a noção de um sistema de ensino superior. Porque um sistema pressupõe ligações, dependências, relações complexas. Porque um sistema reage, como medida sanitária de autoregulação e sobrevivência, ao corpo que lhe é estranho. Porque, por tudo isto, as comparações de meros pedaços são mais enganosas do que virtuosas.
Não basta comparar o valor das propinas em diferentes países, e daí tirar conclusões sobre o que é ou não possível, sem discutir o modelo de financiamento, de quem paga o quê, e de onde vem o dinheiro. Não basta comparar a maior ou menor facilidade na criação de cursos, sem discutir o modelo de regulação dos mesmos, parecendo já longínquo o tempo em que se clamava contra a excessiva multiplicação dos mesmos. Ou a fixação do número de vagas, sem discutir o todo nacional, a concorrência entre instituições e entre regiões, os recursos. Ou o papel das instituições de ensino superior na requalificação, sem discutir a fundo horários, esquemas de formação, os recursos necessários e, sobretudo, atitudes.
Também não serve de muito apregoar determinados princípios, muitas vezes tidos como consensuais, deixando-os a pairar, vagamente, vagarosamente, sem concretização. Maior autonomia, como se a autonomia total fosse, necessariamente, a solução socialmente mais equilibrada e pretendida, ignorando a teia de equilíbrios em que assentam as várias autonomias e níveis de controlo. O sistema binário, que não o é em termos de instituições, cada vez mais indistinto em termos de formações, e ainda separado em termos de carreiras docentes (que não das outras). A diversidade de perfis institucionais, que carece de elaboração e que muitas vezes parece querer significar, no fundo, autonomia para angariar livremente financiamento. 
Para além destas leis enquadradoras, existem outras realidades, que frequentemente têm um peso maior no dia das instituições, de quem nelas trabalhas, e de quem nelas estuda. Como o Orçamento de Estado e demais instrumentos associados à política orçamental, que tem sido o instrumento preferido dos sucessivos governos e equilíbrios parlamentares para atropelar, alterando casuisticamente, ano a ano, disposições legais que requerem estabilidade (como é o caso das propinas e das "compensações" que lhes estão associadas).
Realidades outras, determinantes, também dentro das próprias instituições de ensino superior, como a  frequente e nefasta falta de separação entre governo e administração, com linhas de fronteira intencionalmente nebulosas, o escasso escrutínio pelos órgãos com responsabilidade para tal, e um nível de debate de questões fundamentais relativamente reduzido.
A revisão do RJIES anda por aí, a das carreiras de investigação também. A do financiamento vai sendo sucessivamente anunciada, mas ainda não se vislumbra. 
Frankenstein à espreita?

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Quase, quase .... quase

Photo by Alexandra Nicolae on Unsplash







Publicado em versão reduzida no jornal Público, rubrica Cartas ao Diretor, a 23 de janeiro de 2023.

Em 2013, fará dez anos a 27 de março, a entrada neste blog também continha quase, mas apenas a duplicar. O título, em toda a sua extensão, revelava ao que ia, RJIES - a revisão quase, quase. Sim, o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, de 2007 ia ser revisto, tinha de ser revisto, e teria até sido já profundamente avaliado. 
Passaram praticamente dez anos, alguns governos e governantes.
Dez anos de reticências...

A intenção de avaliação, provavelmente sem vontade associada, lá foi figurando como figurante nos programas partidários, e pontuando uma ou outra intervenção, uma ou outra promessa, uma ou outra reivindicação. Uma daquelas coisas que é suposto acontecer, mais tarde ou mais cedo, mas que está longe de ser prioridade, antes tarde do que cedo. E, portanto, vai sendo "estudada", com documentos que se vão acumulando em prateleiras virtuais, cobertos por pó digital, sem nunca se apresentar a "exame".

Estamos em 2023,  bem para lá das reticências, e eis chega o quase número três, a condizer com a terminação do ano. Agora sob a forma de uma Comissão Independente (disposição que soa familiar, mais reticências) que vai proceder à avaliação da aplicação do dito Regime, promover debates públicos e outras formas de participação, considerar os estudos já realizados, e finalmente apresentar conclusões ao Governo. 

Uma comissão, portanto, para estudar os estudos, para ouvir muitos que já foram ouvidos múltiplas vezes, para além, certamente, de figuras com responsabilidades atuais no setor e na restante sociedade. 

Prazo: dezembro deste ano, mais um ano inteiro que os números se querem redondos. Parece demasiado. Depois, talvez, com mais ou menos reticências, as propostas políticas, porque o modelo de organização do ensino superior, da sua regulação, da governação das instituições, é político, e apenas político, no que acarreta de valorações diversas.
Prazo para novas propostas, a anteceder outras audições, discussões e consultas públicas, formais e obrigatórias: inexistente.
Revisitação do RJIES, Objecto quase, como escrevia Saramago, sem reticências.