quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Quem escolherá o Reitor?

O texto anterior incidia sobre o passado e presente desta matéria. Este é sobre um dos futuros possíveis, aquele que é proposto pelo Governo.
A proposta abandona o modelo “executivo” de eleição por um Conselho Geral reduzido, e o paralelismo, feito à data, entre modelos de gestão empresarial e de instituições de ensino superior. Não retoma a eleição do Reitor por uma Assembleia alargada, como a consagrada na Lei da Autonomia de 1988, ou por qualquer outro órgão, já existente ou a criar. Não remete para a participação de entidades ou personalidades externas neste processo, como uma representação de partes da sociedade interessadas na instituição. 
Em "prol da representatividade", propõe um modelo de plebiscito a efetuar no seio da respetiva comunidade. Comecemos então por aqui, pela comunidade, um conceito omisso do RJIES, na versão atual ou proposta, e que surge apenas inserido no processo de eleição do Reitor. Convenhamos que é escasso, para comunidade. Mas qual é, então, a sua composição? Docentes e investigadores, alunos, não docentes e não investigadores. Até aqui, tudo óbvio. Mas, acrescenta os antigos alunos. Desde logo a merecer reflexão e suscitar interrogações várias. Porquê? Representando o quê? Com que proximidade ou vivência da dita comunidade, com quem não interagem, certamente, da mesma forma?
Consultei vários estatutos de universidades e, também nestes, é omissa a definição de comunidade. Em todos os que vi, exceto num, o da Universidade de Aveiro, nos quais, por mérito de quem lhe deu forma e substancia jurídica, se dedica um artigo a este tema. E permite conceder aos antigos estudantes um estatuto similar ao de membro da comunidade "em vertentes específicas que o justifique". Similar porque não o detêm à partida, sendo, de facto, distintos dos membros da comunidade.
Mas voltemos à proposta: a participação dos antigos alunos na eleição do Reitor. De alguns antigos alunos, que não todos, como resulta do pormenor da proposta. Viajemos por mundos paralelos, para melhor ver o seu alcance. Imaginemos pois vários percursos.
Aluno de uma universidade durante quatro anos, mas que abandonou os estudantes e foi trabalhar. Não pode votar. O direito ao voto está condicionado ao sucesso académico, traduzido na conclusão de um grau! Mais valia a proposta referir-se a diplomados em vez de antigos alunos, mas talvez não fosse politicamente correto numa proposta política.
Aluno da mesma universidade mas apenas ao nível de mestrado, tendo obtido o diplomas nos dois anos de duração do curso, há uma década atrás. Pode votar.
Aluno em situação semelhante, mas tendo obtido o grau há quatro anos. Não pode votar! Confusos? Pois, a proposta prevê um período de nojo com a duração mágica de cinco anos, durante os quais, pelos vistos, não faz parte da comunidade. Desliguem-se primeiro, para depois votar!
Aluno com licenciatura por uma universidade, mestrado por outra e doutoramento por uma terceira. Conquanto os diplomas tenham sido obtidos há mais de cinco poderá contribuir para eleger três Reitores, um em cada instituição. Situação semelhante, imagino, para quem obtenha um diploma num grau conjunto concedido por várias instituições.
Aluno licenciado em 1987, sem qualquer ligação à Universidade desde então, hoje próximo da aposentação. Tem direito a votar! E a continuar a fazê-lo durante o resto da vida.
Antigo trabalhador numa instituição. Não tem direito ao voto. A não ser que também aí tenha sido aluno. Umas décadas de trabalho e conhecimento institucional e do ensino superior, não relevam. Uns poucos anos como aluno, algures no tempo, sim!
Escapa-me a racionalidade de tudo isto, que é, verdadeiramente, a questão de primeira ordem.
A um segundo nível há que mencionar, brevemente, os pesos de cada um dos corpos eleitorais. Brevemente porque é necessário evitar a armadilha de dar o figurino como aprovado, e dedicar o tempo aos ajustes das mangas e da bainha. Temos então um mínimo de 30% para os docentes e investigadores, de 25% para os estudantes, de 25% para os diplomados elegíveis, e de 10% para os não-não. Ficam assim 10% para cada instituição ajustar, num exercício de autonomia pouco alargada. Esta é matéria para regatear, fazer concessões, verdadeiras ou encenadas, trocar influências, medir o pulso aos movimentos e às associações de estudantes e de antigos alunos. Em público, na Assembleia da República, e em cada instituição se esta proposta adquirir estatuto legal.
E depois, há ainda um terceiro nível, o da organização de um processo eleitoral destes, desde a localização e recenseamento de todos os antigos estudantes vivos e a organização de um processo de votação nas quatro partes do mundo.
Duas notas finais.
Na proposta do Governo, a eleição tem os moldes acima descritos, mas a aprovação dos planos de médio prazo e de ação elaborados pelo Reitor compete ao Conselho Geral. É assim possível que o Reitor eleito veja os seus planos não serem aprovados.
Sobre o peso dos não-não, aos quais pertenço, não posso deixar de recordar um texto que li em tempos:
"Yet, ironically, many staff members are far more loyal to the university than students or faculty. In one sense this is because they are more permanent than students and faculty. Students are essentially tourists, spending only a few short years on the campus, and seeing relatively little of its myriad activities. Similarly, many faculty members view their appointments in the university as simply another step up the academic ladder. Their presence at and their loyalty to the institution is limited, usually outweighed by their loyalty to their disciplines and their careers. In contrast many staff members spend their entire career at the same university , although they may assume a variety of roles. As a result, they not only exhibit a greater institutional loyalty than faculty or students, but they also sustain the continuity, the corporate memory, and the momentum of the university. Ironically, they also sometimes develop a far broader view of the university, its array of activities, and even its history, than do the relative short-timers among the faculty and students." (J. Duderstadt, 2000, Presidente Emérito da Universidade do Michigan). 
Assim, não me parece que estas reflexões sejam apenas influências dos meus encontros recentes com Sir Humphrey Appleby, em forma de livro.

Nota: Este texto foi escrito antes de conhecer eventuais alterações à proposta do Governo, que terá hoje sido aprovada em Conselho de Ministros.

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