sábado, 30 de agosto de 2025

Não binário

 

Universidades e Politécnicos. Ensino universitário e ensino politécnico. Docentes universitários e docentes do politécnico. Um sistema organizado, ordenado, conforme. Binário. Zeros e uns. Preto e branco. Cara e coroa. De explicação simples. De leitura fácil. De qualidades elogiadas, pela esfera política, académica ou sindical. Enredando-se depois em nuances semânticas para distinguir o que cabe a uma parte e à outra, para justificar o território conquistado ou em disputa, para competir pelos alunos. Palavras e atos contradizendo-se, até, como diz o Conselho Nacional de Educação: "No país, várias ações que, na realidade, contribuem para a convergência num sistema uniforme, têm sido acompanhadas por declarações retóricas a favor da manutenção do sistema binário." 
Propõem-se alterações. Mudanças de designação. Adaptações de frases. Tento acompanhar a discussão, mas perco-me. Parece-me anacrónica. Procura-se perspetivar o futuro olhando para o passado, como se este fosse o presente. Leio os Reitores: "Generalizar a designação “universidade” a todas as instituições de ensino superior, independentemente da sua dimensão, grau de especialização, número de ciclos de estudo ou intensidade da atividade científica, desvirtua o próprio conceito de universidade." Sim, os nomes são importantes. E trazem-se à memória, uma vez mais, a escrita de Isaac Asimov. Em "Spell my name with an S", a carreira do físico nuclear Marshall Zebatinsky encontrava-se estagnada. À falta de melhor, consultou um numerologista, que o aconselhou a mudar a primeira letra do seu nome para S, S de Sebatinsky. Mas para o que acontece depois, o melhor é ler a história.
Mas voltemos às universidades e politécnicos, no ano de dois mil e vinte e cinco, e aos anacronismos. Universidades, ensino universitário, certo? Não, nem por isso! Neste momento, a maioria das universidades públicas oferece cursos de ensino politécnico. Para a raiz da discussão, nomes incluídos, pouco importa se são oferecidos em escolas politécnicas integradas em universidades. São ofertas de uma universidade, frequentadas por alunos que terão um diploma com o nome dessa universidade no diploma. Poder-se-á pensar que são cursos com pequena expressão relativa, em áreas específicas, como a enfermagem. Sim, mas não só. É muito mais do que isso. Tanto que na Universidade dos Açores representam cerca de 15% dos estudantes, em Aveiro e na Madeira quase um quarto (23%), e no Algarve quase metade (46%). Afinal, a expressão Universidades Politécnicas pode ter muito que se lhe diga.
Em rigor da verdade, a expressão sistema binário figura na lei associada, em primeiro lugar, ao ensino propriamente dito, e não às instituições, embora frequentemente confundido ou invertido: "O ensino superior organiza-se num sistema binário, devendo o ensino universitário orientar-se para a oferta de formações científicas sólidas, juntando esforços e competências de unidades de ensino e investigação, e o ensino politécnico concentrar-se especialmente em formações vocacionais e em formações técnicas avançadas, orientadas profissionalmente."
Pelo menos os cursos universitários e politécnicos serão diferentes, certo? Pois... nem por isso... Claro que há cursos apenas oferecidos no universitário e outros no politécnico. Mas depois há os outros, com a mesma designação, mas em dois subsistemas diferentes, e de uma forma muito mais disseminada do que se poderia pensar. Administração Pública, Agronomia, Animação Sociocultural, Arte Plásticas, Bioengenharia, Biotecnologia, Ciências e Tecnologias do Ambiente, Conservação e Restauro, Contabilidade, Design,... E ainda só vou na letra D! Simples? Legível? Não! 
E, depois, podemos ainda falar dos docentes, dos requisitos de acesso e de progressão, das propostas de carreira única, quem sabe. Mas isso decorrerá do restante. Discutir o sistema de ensino superior com base numa ficção binária, a anos-luz da realidade, não vale a pena. Tal deriva seria até, certamente, chumbada numa qualquer defesa de projeto ou tese, no universitário ou no politécnico. Acredito que tal possa servir para a defesa de visões parciais, de interesses instalados, ou mesmo na convicção da sua necessidade para a sobrevivência institucional. Mas isso não contribuirá para o desenvolvimento de um sistema de ensino superior mais saudável.

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