segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Um romance orçamental - 6. Das espécies

"O Conselho Geral aprova, portanto, internamente, a proposta de orçamento. As águas parecem límpidas. Realidade real?"
https://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/10/um-romance-orcamental-5-o-conselheiro.html

Mergulhemos, então, nas ondas. Virtuais. Sustendo o fôlego. Abrindo os olhos. Em busca de vestígios. Comunicados, deliberações ou atas. Documentos públicos de instituições públicas. Feitos. Depositados. Talvez esquecidos. Desconhecidos de muitos. Desconhecidos de quem, habitando a superfície, não vê mais do que espuma.

As águas e os fundos revelam-se, diversos. Em alguns, nada se encontra. A navegação, medida nuns quantos clicks, nada mostra. A luz não penetra sob a superfície. Só com equipamento próprio se pode avançar. Máscara, garrafas, holofotes. Pedidos, pessoas, autorizações formais. Sem isso, nada feito. Outros fundos têm recantos, recortados, alguns dos quais inacessíveis a quem vem de fora, sem guia. É preciso ser um dos locais. Ter a palavra-chave. Mas há, felizmente, aqueles ao alcance de um qualquer explorador amador. Para apreciar, registar e comparar. Para que faça sentido, uma vez de volta à superfície. Foi nestes últimos que encontrei espécies várias. Exemplares com não mais do que quatro anos.

Em maior abundância, o Conselho Geral que aprova propostas já submetidas. Propostas formalmente apresentadas pela instituição. No melhor dos casos, não que faça grande diferença, pronuncia-se antes ainda da discussão do Orçamento de Estado. Frequentemente, tal acontece já depois da Assembleia da República ter deliberado. O Conselho aprova, assim mesmo. Sem mais. Sem qualquer outra referência. Sem nota de rodapé ou reflexão crítica. Quanto ao processo e às competências. Às suas próprias competências. Exercidas ou por exercer. Estranhas criaturas, mais parecendo do domínio da ficção.

Mas há mais. Outras espécies assinalam a falta de sincronização dos ciclos biológicos, o do Estado e o da Universidade. Instruções tardias e complexas. Prazos curtos. Que levam à submissão, por outrem, das propostas de orçamento. Sempre. Transferindo, de facto, a competência que a Lei confere aos Conselhos Gerais.  Mecanismos que levam a que quem devia aprovar apenas ratifique. Ratificação acompanhada por protestos. Com diferentes cambiantes. Protestos episódicos, em forma de "desconforto" ou "lamento". Protestos sistemáticos e vigorosos, em forma de "repúdio". Protestos individuais. De cada um. De espécies que não formam cardumes.

E este ano deu-se um novo avistamento. Uma espécie com comportamento invulgar. Mais agressivo, diriam alguns. De consequências ainda por antecipar. Não submeter a proposta de orçamento no tempo concedido. Mas, também aqui, a decisão já havia sido tomada por outros. Por impossibilidade de ter contas realistas, de somar e de sumir. Restando ao Conselho suportar a dita. Comportamento inédito, de facto. Mas, afinal, não surge em defesa do exercício da sua competência própria.

Espécies sazonais, todas elas. Nunca avistadas em agosto. Raramente vistas em julho. Independentemente do ambiente. Mais tenso ou menos tenso. Em épocas de crise, equilíbrio ou crescimento. Espécies num ecossistema que requer intervenção. Na autonomia, nas competências ou no modo de operar. Para que se estabeleça, pelo menos, uma relação de comensalismo. Com benefício do Estado, sem prejuízo da Universidade. Para uma realidade real.

Continuemos a procurar compreender. Mais próximo da origem das espécies. Em livros com vozes dentro.

(continua)

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