"Uma proposta que carece de correção. Semântica. E matemática. Antes que ganhe valor de Lei. À atenção da Comissão de Educação e Ciência. Siga!"
http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/11/um-romance-orcamental-13-semantica-e.html
À última hora. Ou, em rigor, bem já depois da última hora. Porque esta tinha número. E o dia também. Dia dezassete, de novembro, sexta-feira. Hora vinte e um, mais zero minutos. Momento limite para os deputados apresentaram propostas de alteração à proposta apresentada pelo Governo. E os deputados apresentaram-nas. Muitas. Só sobre Educação e Ciência foram 62. Aditamentos. Emendas. Substituições. Eliminações. Sem relação ou com relação entre si. Negociadas ou autónomas. Para apreciação e votação. Pesquisa por artigos. Artigo 35.º - Recrutamento de trabalhadores nas instituições de ensino superior públicas. Nem uma sobre a semântica do número um. Nem uma sobre a matemática do número um, que define limites orçamentais para novas contratações.
Estranho, pensei! Em voz baixa e em voz alta. Não tanto quanto à semântica. Porque interessa, para alguns, ficar escrito que há um "quadro das medidas de estímulo ao reforço da autonomia das instituições de ensino superior e do emprego científico jovem". Como já ficou no passado. Orçamento amigo, da autonomia e do emprego, científico e jovem. Um quadro de medidas de estímulo ao reforço... Quadro surrealista. Novelo de palavras tecidas em torno de um vazio. Mas, e quanto à matemática? Aos números do orçamento? Aos limites à despesa com novos contratos? A diferença entre a intenção presumida e o sentido textual parece tão óbvia! Uma questão de literacia.
22 de novembro. Primeiro dia de votação na especialidade. Votações em curso. Votações em série. Proposta a proposta. Artigo a artigo. Por vezes número a número. Alínea a alínea. Quem vota a favor; quem vota contra; quem se abstém. Aprovado. Rejeitado. Proposta prejudicada. Vamos repetir a votação, Senhores Deputados. Páginas e páginas de guião. Alterações. Novos documentos. Adiamentos para refletir ou para ler o que só agora entrou. Gostaria de retificar o sentido de voto do Grupo Parlamentar. Pedidos de esclarecimento. Justificações. Avocação para plenário. E muito, muito trabalho técnico, invisível, por pessoas invisíveis, no apoio parlamentar. Antes, durante e depois. Para que a corrente flua. Para que, no final, bata certo. Por entre os escolhos. Cumprindo o calendário.
22 de novembro. Primeiro dia de votação na especialidade. Votações em curso. E eis que o Partido Socialista solicita a introdução de uma emenda ao dito artigo! Senhora Presidente, uma nova proposta. Proposta 638C. Para clarificar o sentido. Das tais que ficam para votar mais tarde. Onde o Governo escreveu "desde que as mesmas [contratações] não impliquem um aumento superior ao valor total das remunerações", figura agora "desde que o valor total das remunerações dos trabalhadores docentes e não docentes e investigadores e não investigadores da instituição não seja superior ao maior valor anual (...)". Antes tarde que nunca. Ainda que depois da última hora.
E, à 63.ª proposta, a matemática foi corrigida.
Seis mais três igual a nove.
Noves fora, nada.
(continua)
quarta-feira, 29 de novembro de 2017
segunda-feira, 27 de novembro de 2017
It is easy to grow complacent
"If we are candid, we know that universities are weakened every time their practices betray their rhetoric. They are weakened every time the experience of undergraduates belies the glowing language of their college catalogs. They are weakened every time narrow personal interests override the needs for collegiality and the wider interests of the academic community. They are weakened when they ignore practices that diminish their effectiveness and tolerate organizations that provide disincentives for both individual development and collegiality. They are weakened when narrow interests subvert the larger interests of the community, and they are weakened when administrative leadership allows the second best to flourish at the expense of the best. Universities are places of extraordinary privilege and freedom, created by a tolerant public and supported by private and public beneficence. But with that privilege and freedom there goes great responsibility, and it is that, I sometimes fear, which is in short supply.
There are, it seems to me, half a dozen basic requirements that are necessary if universities are to avoid internal degeneration and remain flexible and responsive to changing societal needs, while still retaining distinction in teaching, research and scholarship:
• They require bold, decisive, and visionary leadership from those in positions of authority, especially presidents, provosts, and deans.
• They require effective and imaginative management of resources, not only at the institutional level but especially at the departmental level, and especially a greater determination than they have yet shown to constrain and reduce burgeoning costs.
• They require a new commitment to clients, among whom I include students— to whom they have their first and largest obligation, both as the chief providers of revenue and as those for whose benefit they were created— as well as alumni and society at large.
• They require a more general willingness to come to terms with new expectations, unacknowledged issues— such as the loss of mandatory retirement— and constrained levels of funding in research, which will, I believe, constrain the areas of scholarship represented on many campuses and perhaps change the traditional balance between teaching and research.
• They require the restoration of community, which will come about only when universities create rewards and incentives for engagement and cooperation across the campus.
• And, finally, they require new patterns of governance, especially in the public universities, which are now in serious disrepair.
I shall not presume to elaborate on what each of these will require on particular campuses, but I do realize that confronting these issues will involve not only a measure of inconvenience, and perhaps consternation, but also lively debate and both personal and institutional reorientation. That seems to be an inevitable, but not necessarily undesirable, outcome. It is easy to grow complacent, denying the reality of the need for change, insulated as universities generally are from many of the external pressures."
Rhodes, Frank H. T., President Emeritus of Cornell University (1997), em The American University - National Treasure or Endangered Species?, Edited by Ronald G. Ehrenberg, Cornell University.
There are, it seems to me, half a dozen basic requirements that are necessary if universities are to avoid internal degeneration and remain flexible and responsive to changing societal needs, while still retaining distinction in teaching, research and scholarship:
• They require bold, decisive, and visionary leadership from those in positions of authority, especially presidents, provosts, and deans.
• They require effective and imaginative management of resources, not only at the institutional level but especially at the departmental level, and especially a greater determination than they have yet shown to constrain and reduce burgeoning costs.
• They require a new commitment to clients, among whom I include students— to whom they have their first and largest obligation, both as the chief providers of revenue and as those for whose benefit they were created— as well as alumni and society at large.
• They require a more general willingness to come to terms with new expectations, unacknowledged issues— such as the loss of mandatory retirement— and constrained levels of funding in research, which will, I believe, constrain the areas of scholarship represented on many campuses and perhaps change the traditional balance between teaching and research.
• They require the restoration of community, which will come about only when universities create rewards and incentives for engagement and cooperation across the campus.
• And, finally, they require new patterns of governance, especially in the public universities, which are now in serious disrepair.
I shall not presume to elaborate on what each of these will require on particular campuses, but I do realize that confronting these issues will involve not only a measure of inconvenience, and perhaps consternation, but also lively debate and both personal and institutional reorientation. That seems to be an inevitable, but not necessarily undesirable, outcome. It is easy to grow complacent, denying the reality of the need for change, insulated as universities generally are from many of the external pressures."
Rhodes, Frank H. T., President Emeritus of Cornell University (1997), em The American University - National Treasure or Endangered Species?, Edited by Ronald G. Ehrenberg, Cornell University.
segunda-feira, 20 de novembro de 2017
Não há Direito!
Escolher um curso. Escolher uma universidade ou um politécnico. Escolher uma outra cidade. Por esta, ou por outra ordem. Em função das preferências, das notas, dos amigos, da família, dos custos. Por um só destes fatores, ou por diferentes pesos e combinações, da matemática ou do coração.
Escolher um curso. Escolher uma universidade ou politécnico. Escolher uma outra cidade. Para viver. Dos dezoito anos aos vinte e poucos. Para crescer. Para mudar. Por dentro e por fora. Para olhar a partir de outro ponto. Noutra terra. Com outra terra. Tornando-se parte de outra terra.
Escolher um curso. Escolher uma universidade (deixemos, por agora, os politécnicos). Escolher uma cidade. Escolhas num país assimétrico, como são todos os países. Escolher uma universidade no interior ou do interior. Ainda que este seja um interior à escala de Portugal. Ainda que este se tenha aproximado do mar por estradas e autoestradas.
Escolher uma universidade no interior. Tornou-se possível, a Sul, em 1973, com a reinstauração da Universidade em Évora. Tornou-se possível no Centro e no Norte quando, em 1986, Covilhã e Vila Real ganharam Universidades. Universidades públicas. Porque a iniciativa privada gravita em torno dos grandes centros e da orla costeira.
Hoje, é possível estudar Medicina na Covilhã. Ou Engenharia Mecânica. Arquitetura em Évora. Ou Música. Matemática Aplicada em Vila Real. Ou Medicina Veterinária. Hoje, é possível estudar Línguas, Economia, Psicologia ou Gestão, em qualquer uma delas. Educação ou Design, em algumas. E também Química, Biologia; Ciências da Terra, Informática, Engenharia Civil, Sociologia.
Estudar no interior. Compreender o interior. Viver o interior. Pessoas. Empresas, autarquias e associações. Paisagem e Clima. Estudar, estagiar, talvez trabalhar. No interior de que agora, uma vez mais, tanto se fala. Numa estranha figura que prolifera. Assim como que a modos de uma terceira-pessoa-indefinida-imperativa-condicional. Alguém deveria ir para o interior! Alguém deveria promover o desenvolvimento do interior! Alguém deveria criar condições públicas para o interior ser privado, ou para ser privadamente atrativo! Uma estranha figura em que a primeira pessoa prima pela ausência, limitando-se ao papel de narrador-comentador. A primeira pessoa não quer ir para o interior. Não quer ser interior. Quando muito quer ir ... e voltar.
Estudar no interior. Compreender o interior. Viver o interior. Hoje, é possível escolher um qualquer curso no interior. Bem, não exatamente! Há algo que falta, notoriamente. Sim, falta Física, mas não é a esse que me refiro! Falta um curso que tem mais de 2600 vagas por ano, em todos os anos. Um curso em que as vagas privadas ultrapassam as públicas. Um curso em que 4 de cada 5 vagas estão em Lisboa e no Porto. Em que, numa só instituição, são 560 novos estudantes em cada ano. Um curso nas (das) grandes metrópoles. Apesar de não se vislumbrar uma razão intrínseca para tal. Apesar de não requerer grande investimento, seja em infraestruturas ou equipamento. Docentes e alunos. Profissionais e futuros profissionais. Atores, num domínio crítico para todos nós. Decisores e futuros decisores, muitos deles. Todos concentrados. Rumando para o litoral, ou aí permanecendo. Não fazendo o caminho inverso. Pessoas que passaram a ter olhos de Lisboa e do Porto, de Coimbra e de Braga. Com as suas modas e modos. Pessoas que, durante a sua formação, não ganharam olhos de Trás-os-Montes, da Beira Interior ou do Alentejo que não vê o mar.
Estranha singularidade.
No interior, não há Direito!
Escolher um curso. Escolher uma universidade ou politécnico. Escolher uma outra cidade. Para viver. Dos dezoito anos aos vinte e poucos. Para crescer. Para mudar. Por dentro e por fora. Para olhar a partir de outro ponto. Noutra terra. Com outra terra. Tornando-se parte de outra terra.
Escolher um curso. Escolher uma universidade (deixemos, por agora, os politécnicos). Escolher uma cidade. Escolhas num país assimétrico, como são todos os países. Escolher uma universidade no interior ou do interior. Ainda que este seja um interior à escala de Portugal. Ainda que este se tenha aproximado do mar por estradas e autoestradas.
Escolher uma universidade no interior. Tornou-se possível, a Sul, em 1973, com a reinstauração da Universidade em Évora. Tornou-se possível no Centro e no Norte quando, em 1986, Covilhã e Vila Real ganharam Universidades. Universidades públicas. Porque a iniciativa privada gravita em torno dos grandes centros e da orla costeira.
Hoje, é possível estudar Medicina na Covilhã. Ou Engenharia Mecânica. Arquitetura em Évora. Ou Música. Matemática Aplicada em Vila Real. Ou Medicina Veterinária. Hoje, é possível estudar Línguas, Economia, Psicologia ou Gestão, em qualquer uma delas. Educação ou Design, em algumas. E também Química, Biologia; Ciências da Terra, Informática, Engenharia Civil, Sociologia.
Estudar no interior. Compreender o interior. Viver o interior. Pessoas. Empresas, autarquias e associações. Paisagem e Clima. Estudar, estagiar, talvez trabalhar. No interior de que agora, uma vez mais, tanto se fala. Numa estranha figura que prolifera. Assim como que a modos de uma terceira-pessoa-indefinida-imperativa-condicional. Alguém deveria ir para o interior! Alguém deveria promover o desenvolvimento do interior! Alguém deveria criar condições públicas para o interior ser privado, ou para ser privadamente atrativo! Uma estranha figura em que a primeira pessoa prima pela ausência, limitando-se ao papel de narrador-comentador. A primeira pessoa não quer ir para o interior. Não quer ser interior. Quando muito quer ir ... e voltar.
Estudar no interior. Compreender o interior. Viver o interior. Hoje, é possível escolher um qualquer curso no interior. Bem, não exatamente! Há algo que falta, notoriamente. Sim, falta Física, mas não é a esse que me refiro! Falta um curso que tem mais de 2600 vagas por ano, em todos os anos. Um curso em que as vagas privadas ultrapassam as públicas. Um curso em que 4 de cada 5 vagas estão em Lisboa e no Porto. Em que, numa só instituição, são 560 novos estudantes em cada ano. Um curso nas (das) grandes metrópoles. Apesar de não se vislumbrar uma razão intrínseca para tal. Apesar de não requerer grande investimento, seja em infraestruturas ou equipamento. Docentes e alunos. Profissionais e futuros profissionais. Atores, num domínio crítico para todos nós. Decisores e futuros decisores, muitos deles. Todos concentrados. Rumando para o litoral, ou aí permanecendo. Não fazendo o caminho inverso. Pessoas que passaram a ter olhos de Lisboa e do Porto, de Coimbra e de Braga. Com as suas modas e modos. Pessoas que, durante a sua formação, não ganharam olhos de Trás-os-Montes, da Beira Interior ou do Alentejo que não vê o mar.
Estranha singularidade.
No interior, não há Direito!
sexta-feira, 10 de novembro de 2017
Um romance orçamental - 13. Semântica e Matemática
"Até porque o orçamento tem mais do que números. Tem regras. Muitas regras."
https://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/11/um-romance-orcamental-12-europa-dos.html
Regras gerais. Aplicáveis às Universidades Públicas enquanto parte de uma coisa pública maior. Regras específicas. Aplicáveis apenas às instituições públicas de ensino superior. Como as que regulam o recrutamento de trabalhadores. Aspeto sempre crítico na estrutura da despesa. Das Universidades e do Estado. Entre as necessidades e as gorduras. Entre a geração cada vez mais grisalha, ou mais careca, e o rejuvenescimento. Entre a estabilidade e a precariedade. Entre a autonomia das instituições e o comando e controlo da tutela e das finanças.
Recrutamento de trabalhadores nas instituições de ensino superior públicas. É a epígrafe do artigo com o número 35 da Proposta de Lei n.º 100/XIII, Orçamento de Estado para 2018. Artigo organizado em nove pontos. Escrito com 3432 caracteres. Que cabem em 25 tweets básicos. Alguns pacíficos. Outros suscetíveis de gerar controvérsia. Ou pelo menos reparos. Ou, talvez, dúvidas. Confinadas aos círculos restritos da área, das comissões e dos comités, das instituições.
Número 1. "No quadro das medidas de estímulo ao reforço da autonomia das instituições de ensino superior e do emprego científico jovem, as instituições de ensino superior públicas podem proceder a contratações, independentemente do tipo de vínculo jurídico que venha a estabelecer-se, desde que as mesmas não impliquem um aumento superior ao valor total das remunerações dos trabalhadores docentes e não docentes e investigadores e não investigadores da instituição, em relação ao maior valor anual dos últimos cinco anos.".
Começa bem ... No quadro das medidas de estímulo ao reforço da autonomia ... e do emprego científico ... jovem .... Vamos ao sumo, antes de regressar a esta casca que envolve. O que se pretende, de facto? Autorizar as instituições a contratar pessoas. Mas dentro de limites. Não fazendo mais despesa do que em anos anteriores. Vá lá, tendo por referência o ano de maior gasto com pessoal desde 2013. Disposição em tudo análoga há do orçamento em vigor.
Descascando, agora. Não há reforço da autonomia. Não há estímulo ao reforço da autonomia. Não são medidas de estímulo ao reforço da dita. Não se inserem num quadro de medidas de estímulo. Pelo contrário. A Lei do Orçamento continua a ser uma Lei que (de)limita uma parte da autonomia. Aquela que está escrita noutra Lei, elaborada e aprovada no tempo em que o atual Ministro era Secretário de Estado. Uma Lei que confere às instituições de ensino superior público, "autonomia financeira, nos termos da lei e dos seus estatutos, gerindo livremente os seus recursos financeiros conforme critérios por si estabelecidos, incluindo as verbas anuais que lhes são atribuídas no Orçamento do Estado.". Gerindo livremente! Incluindo as verbas do OE!
Continuando a descascar. Esta disposição não tem qualquer ênfase no emprego científico jovem. Para isso teria que (de)limitar ainda mais a autonomia. Impondo condições em matéria de contratações. As estratégias de contratação competem a cada instituição. Posições de topo de carreira, intermédias ou de entrada. Podendo captar jovens ou menos jovens. Substituindo pessoas que se aposentam por outras, necessariamente, mais jovens. É natural que assim seja. Mas não é uma virtude desta regra orçamental.
Vem-me à memória o newspeak orwelliano. Construindo realidades através da linguagem.
Voltemos à qualidade do sumo. O limite imposto. Uma pequena alteração em relação à cópia do ano passado. Com consequências. Na versão em vigor: "desde que as mesmas [contratações] não impliquem um aumento do valor total das remunerações". Ou seja, para um valor limite de 100, os gastos, após novas contratações, não podem superar 100. Parece claro! Na proposta em apreciação: "desde que as mesmas [contratações] não impliquem um aumento superior ao valor total das remunerações". Ou seja, para um valor limite de 100, as novas contratações podem implicar um aumento de ... 100? Parece-me ser o que se conclui desta matemática semântica.
Uma proposta que carece de correção. Semântica. E matemática. Antes que ganhe valor de Lei. À atenção da Comissão de Educação e Ciência. Siga!
E, já agora, simplifique-se o que pode ser simplificado. Tratando de forma igual o que é igual. Use-se "trabalhadores da instituição", quando se pretende abranger todos os trabalhadores, qualquer que seja a sua carreira. Em vez de "trabalhadores docentes e não docentes e investigadores e não investigadores da instituição" (!). Aliás como é feito na epígrafe do artigo. Julgo que ninguém duvidará que docentes e investigadores estão incluídos nos trabalhadores da instituição. Digo eu, que sou um trabalhador não-não.
Deambulemos agora por outros terrenos. Em situação literal. Pisando a terra e a relva. Vendo árvores e jardins. Entrando em edifícios. Com História passada, de séculos ou de meros anos. Vivendo a história no presente, habitados e usados, vazios alguns, em ruínas outros. Começando a escrever a história do futuro. Sonhos e projetos. Â espera de ser presente e, logo depois, passado.
(continua)
https://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/11/um-romance-orcamental-12-europa-dos.html
Regras gerais. Aplicáveis às Universidades Públicas enquanto parte de uma coisa pública maior. Regras específicas. Aplicáveis apenas às instituições públicas de ensino superior. Como as que regulam o recrutamento de trabalhadores. Aspeto sempre crítico na estrutura da despesa. Das Universidades e do Estado. Entre as necessidades e as gorduras. Entre a geração cada vez mais grisalha, ou mais careca, e o rejuvenescimento. Entre a estabilidade e a precariedade. Entre a autonomia das instituições e o comando e controlo da tutela e das finanças.
Recrutamento de trabalhadores nas instituições de ensino superior públicas. É a epígrafe do artigo com o número 35 da Proposta de Lei n.º 100/XIII, Orçamento de Estado para 2018. Artigo organizado em nove pontos. Escrito com 3432 caracteres. Que cabem em 25 tweets básicos. Alguns pacíficos. Outros suscetíveis de gerar controvérsia. Ou pelo menos reparos. Ou, talvez, dúvidas. Confinadas aos círculos restritos da área, das comissões e dos comités, das instituições.
Número 1. "No quadro das medidas de estímulo ao reforço da autonomia das instituições de ensino superior e do emprego científico jovem, as instituições de ensino superior públicas podem proceder a contratações, independentemente do tipo de vínculo jurídico que venha a estabelecer-se, desde que as mesmas não impliquem um aumento superior ao valor total das remunerações dos trabalhadores docentes e não docentes e investigadores e não investigadores da instituição, em relação ao maior valor anual dos últimos cinco anos.".
Começa bem ... No quadro das medidas de estímulo ao reforço da autonomia ... e do emprego científico ... jovem .... Vamos ao sumo, antes de regressar a esta casca que envolve. O que se pretende, de facto? Autorizar as instituições a contratar pessoas. Mas dentro de limites. Não fazendo mais despesa do que em anos anteriores. Vá lá, tendo por referência o ano de maior gasto com pessoal desde 2013. Disposição em tudo análoga há do orçamento em vigor.
Descascando, agora. Não há reforço da autonomia. Não há estímulo ao reforço da autonomia. Não são medidas de estímulo ao reforço da dita. Não se inserem num quadro de medidas de estímulo. Pelo contrário. A Lei do Orçamento continua a ser uma Lei que (de)limita uma parte da autonomia. Aquela que está escrita noutra Lei, elaborada e aprovada no tempo em que o atual Ministro era Secretário de Estado. Uma Lei que confere às instituições de ensino superior público, "autonomia financeira, nos termos da lei e dos seus estatutos, gerindo livremente os seus recursos financeiros conforme critérios por si estabelecidos, incluindo as verbas anuais que lhes são atribuídas no Orçamento do Estado.". Gerindo livremente! Incluindo as verbas do OE!
Continuando a descascar. Esta disposição não tem qualquer ênfase no emprego científico jovem. Para isso teria que (de)limitar ainda mais a autonomia. Impondo condições em matéria de contratações. As estratégias de contratação competem a cada instituição. Posições de topo de carreira, intermédias ou de entrada. Podendo captar jovens ou menos jovens. Substituindo pessoas que se aposentam por outras, necessariamente, mais jovens. É natural que assim seja. Mas não é uma virtude desta regra orçamental.
Vem-me à memória o newspeak orwelliano. Construindo realidades através da linguagem.
Voltemos à qualidade do sumo. O limite imposto. Uma pequena alteração em relação à cópia do ano passado. Com consequências. Na versão em vigor: "desde que as mesmas [contratações] não impliquem um aumento do valor total das remunerações". Ou seja, para um valor limite de 100, os gastos, após novas contratações, não podem superar 100. Parece claro! Na proposta em apreciação: "desde que as mesmas [contratações] não impliquem um aumento superior ao valor total das remunerações". Ou seja, para um valor limite de 100, as novas contratações podem implicar um aumento de ... 100? Parece-me ser o que se conclui desta matemática semântica.
Uma proposta que carece de correção. Semântica. E matemática. Antes que ganhe valor de Lei. À atenção da Comissão de Educação e Ciência. Siga!
E, já agora, simplifique-se o que pode ser simplificado. Tratando de forma igual o que é igual. Use-se "trabalhadores da instituição", quando se pretende abranger todos os trabalhadores, qualquer que seja a sua carreira. Em vez de "trabalhadores docentes e não docentes e investigadores e não investigadores da instituição" (!). Aliás como é feito na epígrafe do artigo. Julgo que ninguém duvidará que docentes e investigadores estão incluídos nos trabalhadores da instituição. Digo eu, que sou um trabalhador não-não.
Deambulemos agora por outros terrenos. Em situação literal. Pisando a terra e a relva. Vendo árvores e jardins. Entrando em edifícios. Com História passada, de séculos ou de meros anos. Vivendo a história no presente, habitados e usados, vazios alguns, em ruínas outros. Começando a escrever a história do futuro. Sonhos e projetos. Â espera de ser presente e, logo depois, passado.
(continua)
quinta-feira, 9 de novembro de 2017
Um romance orçamental - 12. A Europa dos fundos
"E há mais mundo lá fora. Alimentado por investigação. Feita em parceria. Aqui, o lá fora é, quase todo, europeu. A lógica, a da cooperação europeia e a da competição interna. Outras geografias."
O resto do mundo, quanto a dinheiros, é ainda uma miragem. Vá para fora cá dentro. Na Europa de que fazemos parte. Fundos europeus, que são também nossos. Fundos para os quais contribuímos. Fundos que depois é preciso reconquistar. Em competição. Individualmente, ou em parceria. Em cooperação competitiva. Com outras instituições, nacionais e estrangeiras. Contra outras instituições, nacionais e estrangeiras. Liderando ou, mais frequentemente, sendo liderado. Fundos para projetos de investigação, formação ou infraestruturas. Uma outra dimensão da internacionalização. Que requer qualidade. Que requer alianças. Que requer estratégia. Que requer estruturas de apoio. Para aumentar a possibilidade de êxito.
No programa comunitário Horizonte 2020, linha a que chegaremos em breve, ao contrário dos outros horizontes, sempre móveis, sempre à distância, foram aprovados quase 300 projetos com participação portuguesa, só no ano passado. A que corresponderam 125 milhões de euros para o retângulo à beira mar plantado.
Considerando todas as fontes que jorram euros europeus, as 12 Universidades preveem obter 160 milhões de euros, no próximo ano. Cerca de 12% das suas receitas totais. Algo menos do que a entrada correspondente a propinas. À cabeça, quer em valor absoluto quer em percentagem de receita, está a Universidade de Coimbra. Só aí serão mais de 40 milhões de euros, 23% do seu orçamento, um quarto do montante a angariar por todas as universidades. Seguem-se Porto, Minho, Lisboa e Aveiro.
Fatias de receitas. Fatias de despesas. Estas últimas, sobretudo, com as pessoas. O que faz sentido numa área intensiva em cérebro-de-obra-qualificado. Mas este é um assunto que ficará para mais tarde. Até porque o orçamento tem mais do que números. Tem regras. Muitas regras.
(continua)
O resto do mundo, quanto a dinheiros, é ainda uma miragem. Vá para fora cá dentro. Na Europa de que fazemos parte. Fundos europeus, que são também nossos. Fundos para os quais contribuímos. Fundos que depois é preciso reconquistar. Em competição. Individualmente, ou em parceria. Em cooperação competitiva. Com outras instituições, nacionais e estrangeiras. Contra outras instituições, nacionais e estrangeiras. Liderando ou, mais frequentemente, sendo liderado. Fundos para projetos de investigação, formação ou infraestruturas. Uma outra dimensão da internacionalização. Que requer qualidade. Que requer alianças. Que requer estratégia. Que requer estruturas de apoio. Para aumentar a possibilidade de êxito.
No programa comunitário Horizonte 2020, linha a que chegaremos em breve, ao contrário dos outros horizontes, sempre móveis, sempre à distância, foram aprovados quase 300 projetos com participação portuguesa, só no ano passado. A que corresponderam 125 milhões de euros para o retângulo à beira mar plantado.
Considerando todas as fontes que jorram euros europeus, as 12 Universidades preveem obter 160 milhões de euros, no próximo ano. Cerca de 12% das suas receitas totais. Algo menos do que a entrada correspondente a propinas. À cabeça, quer em valor absoluto quer em percentagem de receita, está a Universidade de Coimbra. Só aí serão mais de 40 milhões de euros, 23% do seu orçamento, um quarto do montante a angariar por todas as universidades. Seguem-se Porto, Minho, Lisboa e Aveiro.
Fatias de receitas. Fatias de despesas. Estas últimas, sobretudo, com as pessoas. O que faz sentido numa área intensiva em cérebro-de-obra-qualificado. Mas este é um assunto que ficará para mais tarde. Até porque o orçamento tem mais do que números. Tem regras. Muitas regras.
(continua)
sexta-feira, 3 de novembro de 2017
Life in the City
"The "Idea of a University" was a village with its priests. The "Idea of a Modern University" was a town - a one-industry town - with its intellectual oligarchy. "The Idea of a Multiversity" is a city of infinite variety. Some get lost in the city; some rise to the top within it; most fashion their lives within one of its many subcultures. There is less sense of community than in the village but also less sense of confinement. There is less sense of purpose than within the town but there are more ways to excel. There are also more refuges of anonymity - both for the creative person and the drifter. As against the village and the town, the "city" is more like the totality of civilization as it has evolved and more an integral part of it; and movement to and from the surrounding society has been greatly accelerated. As in a city, there are many separate endeavors under a single rule of law."
Clark Kerr, Presidente da Universidade da Califórnia (1963), The Uses of the University.
Clark Kerr, Presidente da Universidade da Califórnia (1963), The Uses of the University.
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