quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Um romance orçamental - 14. E a matemática foi corrigida

"Uma proposta que carece de correção. Semântica. E matemática. Antes que ganhe valor de Lei. À atenção da Comissão de Educação e Ciência. Siga!"
http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/11/um-romance-orcamental-13-semantica-e.html

À última hora. Ou, em rigor, bem já depois da última hora. Porque esta tinha número. E o dia também. Dia dezassete, de novembro, sexta-feira. Hora vinte e um, mais zero minutos. Momento limite para os deputados apresentaram propostas de alteração à proposta apresentada pelo Governo. E os deputados apresentaram-nas. Muitas. Só sobre Educação e Ciência foram 62. Aditamentos. Emendas. Substituições. Eliminações. Sem relação ou com relação entre si. Negociadas ou autónomas. Para apreciação e votação. Pesquisa por artigos. Artigo 35.º - Recrutamento de trabalhadores nas instituições de ensino superior públicas. Nem uma sobre a semântica do número um. Nem uma sobre a matemática do número um, que define limites orçamentais para novas contratações.

Estranho, pensei! Em voz baixa e em voz alta. Não tanto quanto à semântica. Porque interessa, para alguns, ficar escrito que há um "quadro das medidas de estímulo ao reforço da autonomia das instituições de ensino superior e do emprego científico jovem". Como já ficou no passado. Orçamento amigo, da autonomia e do emprego, científico e jovem. Um quadro de medidas de estímulo ao reforço... Quadro surrealista. Novelo de palavras tecidas em torno de um vazio. Mas, e quanto à matemática? Aos números do orçamento? Aos limites à despesa com novos contratos? A diferença entre a intenção presumida e o sentido textual parece tão óbvia! Uma questão de literacia.

22 de novembro. Primeiro dia de votação na especialidade. Votações em curso. Votações em série. Proposta a proposta. Artigo a artigo. Por vezes número a número. Alínea a alínea. Quem vota a favor; quem vota contra; quem se abstém. Aprovado.  Rejeitado. Proposta prejudicada. Vamos repetir a votação, Senhores Deputados.  Páginas e páginas de guião. Alterações. Novos documentos. Adiamentos para refletir ou para ler o que só agora entrou. Gostaria de retificar o sentido de voto do Grupo Parlamentar. Pedidos de esclarecimento. Justificações. Avocação para plenário. E muito, muito trabalho técnico, invisível, por pessoas invisíveis, no apoio parlamentar. Antes, durante e depois. Para que a corrente flua. Para que, no final, bata certo. Por entre os escolhos. Cumprindo o calendário.

22 de novembro. Primeiro dia de votação na especialidade. Votações em curso. E eis que o Partido Socialista solicita a introdução de uma emenda ao dito artigo! Senhora Presidente, uma nova proposta. Proposta 638C. Para clarificar o sentido. Das tais que ficam para votar mais tarde. Onde o Governo escreveu "desde que as mesmas [contratações] não impliquem um aumento superior ao valor total das remunerações", figura agora "desde que o valor total das remunerações dos trabalhadores docentes e não docentes e investigadores e não investigadores da instituição não seja superior ao maior valor anual (...)". Antes tarde que nunca. Ainda que depois da última hora.

E, à 63.ª proposta, a matemática foi corrigida.
Seis mais três igual a nove.
Noves fora, nada.

(continua)

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