Sobre o Relatório para o Crescimento Sustentável (continuação)
"Portugal dispõe de uma oferta formativa caracterizada por uma componente pública universitária mais centrada no eixo litoral e que se apresenta excessiva em vários domínios, por vezes redundante, com situações de manifesto conflito geográfico e perda de eficiência na gestão dos recursos públicos."
"(...) temos instituições a mais, cursos a mais e cooperação e massa crítica a menos."
Sim, a oferta universitária está concentrada no litoral, como, aliás, a população e a grande maioria das atividades económicas. É um facto. A questão que se coloca é saber se, em termos de políticas públicas, se pretende inverter essa situação.
Em relação à redundância e conflito geográfico, e em particular no que se refere ao ensino público universitário, não se compreende a falta de concretização deste relatório. No continente existe apenas um distrito com várias instituições de ensino público universitário: Lisboa, com a U. Lisboa, U. Nova de Lisboa, U. Técnica de Lisboa, IUL-ISCTE e, com caraterísticas diferentes, a U. Aberta; duas das universidades estão em processo de fusão. Portanto qual é o verdadeiro significado da afirmação proferida: deve existir uma única universidade pública em Lisboa? Devem oferecer formações diferentes? Ou preconiza-se, a Norte, alguma fusão no eixo Braga-Porto-Aveiro-Coimbra?
Estranha-se que o relatório, preconizando noutro capítulo a redefinição das funções do Estado, não aborde, em matéria de Ensino Superior, esta questão. É que é indissociável da discussão da rede pública. No ensino universitário privado existem também instituições em Lisboa e no Porto; a presença privada no interior do território é muitíssimo mais escassa que a pública; e o número de instituições privadas é largamente superior ao das públicas.
Outra questão que passa completamente ao lado do relatório é uma reflexão sobre o sistema binário. Deve manter-se como está? Deve-se estimular uma junção de instituições universitárias e politécnicas, que aliás a U. Lisboa e o IP Lisboa contemplaram mas que a Lei vedou taxativamente, mantendo diferenciado ensino universitário e politécnico? Ou, mais radicalmente, pode-se considerar a unificação do sistema?
Já concluir que "A consequência social decorrente da atual rede formativa é o aumento do número de desempregados com formação superior em regiões com maior oferta formativa, o que não deixa de ser paradoxal" é um absurdo, tanto mais quando se afirma, posteriormente, que "A Europa reconhece que tem falta de licenciados". O aumento de desempregados com formação superior deve-se, sim, à situação económica do País e à situação dos empregadores, públicos e privados, nas diversas regiões do País.
Com prudência deve ser encarada a afirmação "Adequar a rede às necessidades locais e regionais (...)." A formação superior, em particular a universitária, não pode ter uma lógica essencialmente local, limitadora e centrada meramente no passado, no presente e no curto prazo, ou em "nichos de competência". Principalmente num mundo globalizado, em que o conhecimento evolui rapidamente, em que o contacto entre diferentes áreas do saber é essencial - e em que consequentemente as massas críticas não são só uma questão de dimensão mas de junção de valências - e em que os serviços, e as próprias indústrias se deslocam com facilidade.
E quanto aos instrumentos para a proclamada racionalização da rede? São referidos dois: a avaliação das instituições e dos cursos e um novo modelo de financiamento.
A avaliação das instituições requer uma clarificação do que delas se espera, porque não estamos apenas a falar da rede de "ensino", mas também da rede de "investigação" e da rede de "parcerias com a sociedade".
O modelo de financiamento, como referi em várias outras entradas, tem tido variações constantes ao longo dos anos. Para 2013, por exemplo, o cálculo por fórmula, em que entra o número de alunos, contou apenas 15%, sendo o restante orçamento baseado nos valores atribuídos em anos anteriores. A Lei do financiamento que se encontra em vigor prevê a inclusão, na fórmula, de indicadores de qualidade, de eficiência, de despesa, de investigação. Haverá provavelmente outras modalidades de financiamento mais adequadas ao que parece ser preconizado pelos autores deste relatório - diferenciação de missões, especialização em nichos, coesão territorial - como é o caso de contratos institucionais.
Ainda sobre o financiamento refere-se, como recomendação, "rever o método de cálculo e o valor máximo das propinas". O texto prévio não tem qualquer referência a esta matéria embora, com esta redação, se pareça propor um eventual aumento das mesmas.
Mas afinal qual é a "visão pós-troika" para a rede de ensino superior e para a rede pública de ensino superior?
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