segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Descubra as diferenças

Antes era o programa eleitoral do PS. Agora o Programa de Governo. Pelo meio umas eleições; negociações; um governo que tomou posse; mais negociações; um governo que caiu; vários acordos; um presidente; um novo governo.

No jogo de diferenças, entre o antes e o agora, entre programa eleitoral e de governo, descobri duas, apenas duas na secção dedicada ao ensino superior.

A primeira logo na introdução. Antes lia-se "A modernização sistemática do Ensino Superior português passa necessariamente:", a que se seguiam cinco pontos. Agora a frase tornou-se mais extensa, continuando: " (...) passa necessariamente, pela articulação com as orientações que presidem à aposta na cultura, na ciência e no conhecimento, incluindo:", os mesmo cinco pontos. Talvez uma mera mensagem de articulação entre políticas, por vezes separadas.

A outra terá uma tradução concreta mais imediata e insere-se no domínio da Ação Social.

O PS propunha "Rever o regime de atribuição de bolsas, tendo em vista o cumprimento do objetivo europeu de aumentar o numero de estudantes do ensino superior e a democratização do acesso e garantindo a possibilidade de pagamento faseado de propinas". Rever o regime de bolsas é de interpretação ambígua, mesmo quando o mesmo esteja relacionado com o aumento da frequência do ensino superior.

No programa do Governo surge agora "Reforçar a Ação Social Escolar direta, através do aumento do valor das bolsas de estudo e do número de estudantes elegíveis, e da ação social indireta com a transferência do financiamento público adequado às universidades e politécnicos para assegurar serviços de alimentação, alojamento e transportes". Mais claro: mais estudantes abrangidos, bolsas mais elevadas e transferências "adequadas" para a ação social indireta. Esta é a formulação que podemos encontrar, exatamente com a mesma redação, no programa eleitoral do PCP, que acrescentava ainda "e apoio médico de qualidade e a preços acessíveis", expressão que caiu.

A seguir em sede de elaboração de orçamento, veremos de qual, e de alteração de regulamento de bolsas.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Uma questão de soberania

"Sobretudo, não pode omitir-se que a rede de investigação e ensino é uma questão de soberania e não de mercado, que os estudantes não são clientes, são responsáveis pelo futuro da comunidade, que as propinas são elementos do sistema tributário, submetidos aos critérios do Estado social, e não um preço pago por um serviço recebido. O ensino é uma questão de soberania, não é um problema de mercado."

Adriano Moreira (2013) Memórias do outono ocidental. Um século sem bússola, Almedina.

sábado, 21 de novembro de 2015

Um fenómeno estranho!

"Notas" no Click, Antena 1.
(gravado a 11 de novembro, em período final do XX Governo Constitucional, e emitido a 12 de dezembro, por questões de programação)

O financiamento público do ensino superior vai mudar radicalmente, qualquer que seja a configuração do governo, ou dos governos, nos próximos anos. Será mais estável, terá uma base plurianual e será contratualizado.

Esta é a certeza que se retira dos recentes programas eleitorais das maiores forças políticas: Portugal à Frente, Partido Socialista, Bloco de Esquerda e Partido Comunista Português. As três primeiras são claríssimas quanto à necessidade de um financiamento plurianual, numa convergência de 92% dos deputados, bem mais do que as ditas frentes “europeístas” ou “anti-austeridade”. E creio mesmo que PCP, PEV e PAN podem contribuir para o pleno, num verdadeiro pacto parlamentar.

Igualmente importantes são as palavras “estável”, inscrita por quem tem governado nas últimas décadas, os partidos da coligação Portugal à Frente e o Partido Socialista, e “previsível”, escrita pela PáF. Estabilidade e previsibilidade são conceitos que andam desaparecidos, mas que constavam das propostas da OCDE, formuladas em 2006 para o nosso ensino superior.

Estas mudanças permitiriam uma revolução na forma de gestão das instituições que, passariam de dotações anuais, fechadas tardiamente já com o ano letivo em curso, para uma perspetiva alargada no tempo, estimulando e recompensando uma abordagem estratégica.

Para isso é preciso definir o papel do Estado no financiamento de cada estudante e estabelecer uma relação mais direta entre o contributo de cada instituição e a dotação que recebe, tornando todo o processo mais legível, transparente e verificável.

O futuro parece, pois, promissor para o Ensino Superior. A menos que estas propostas sejam desejos e não compromissos. A menos que quem escreveu sobre ensino superior não tenha falado com quem escreveu sobre finanças. A menos que se repita o incumprimento, pelos sucessivos Governos, de contratos, como os assinados com as Universidades-Fundação. A menos que o destino seja o mesmo de um Contrato, a que se chamou “de Confiança”, e de que já ninguém se lembra.

“Sim. Por vezes as pessoas têm tendência a acreditar no que está escrito. É um fenómeno estranho!”, diz o druida Panoramix, em “O Papiro de César”. Em breve saberemos se os irredutíveis gauleses se estavam, também, a referir aos lusitanos.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Discordo

Discordo. É o que me vem ao pensamento, depois de tanto ouvir e ler, e de evitar ouvir e evitar ler, todo o ruído que ocupa o espaço de comunicação, televisão, rádio, jornais, redes sociais. Discordo de muito. Discordo de quase tudo. Talvez porque outros, com quem podia concordar, falam menos ou têm menos palco. Porque hoje em dia gritar parece, estranhamente, ser mais aceite do que conversar, do que debater, do que pensar, do que fazer silêncio. Porque muitos que recorrem a discursos cheios de valores são dos mais intolerantes. Porque muitos instruídos são, afinal, mal-educados. Porque os argumentam não colam, por mais forte que a cola seja. Porque vejo pessoas que conheço, ou que julgava conhecer, a adoptar posições de um radicalismo estranho. Discordo pois.

De quem não respeita os outros e recorre ao insulto.
De quem se acha dono da democracia.
De quem se arroga o poder de decretar as razões do voto de outros. Eu sei a razão do meu voto e apenas a do voto de mais algumas pessoas.
De quem só tem certezas e nunca se engana.
De quem não reconhece o erro.
De quem esquece o passado.
De quem não é coerente.
De quem usa o medo como arma.
De quem usa a mentira como balas.
De quem usa promessas vazias como engodo.
De quem cava trincheiras e dispara rajadas sobre tudo que vem "do outro lado".
De quem liquida a cultura de diálogo.
De quem acha que o país está (devia estar) de luto, como se o país fosse só deles.
De quem acha que o país está (devia estar) em festa, como se o país fosse só deles.
De quem acha que estávamos a caminho do paraíso, que agora foi roubado.
De quem acha que estamos já na terra do leite e do mel.
De quem só vê o céu ou apenas o inferno.
De quem só vê a preto e branco, perdendo a riqueza das pessoas e da vida.
De quem acha que o caminho acabou, porque perdeu ou porque ganhou.
De quem exige acordos inexpugnáveis e de quem clama ter acordos à prova de bala.
De quem pretende reduzir a democracia ao momento do voto.
De quem entende a democracia como um jogo de futebol, em que os votos são golos.
De quem entende que a democracia é o comando dos vencedores, a quem tudo é permitido.
De quem promete rejeitar programas, orçamentos ou medidas que não conhece.
De quem confunde o Parlamento com um qualquer programa de donos da bola.
De quem se comporta como hooligans verbais.
De quem considera que interpretações diferentes são ilegítimas.
De quem emite contínuos decretos constitucionais, sem competência para o fazer.
De quem lê os mercados como quem lê a sina.
De quem apenas especula, aparentando comentar.
De quem apenas comenta, para manipular.
De quem ateia fogos, para ficar a ver.

E se esta for a maioria, então canto com os Green Day:
"
I want to be the minority
I don't need your authority
Down with the moral majority
'Cause I want  to be the minority
"